terça-feira, 30 de junho de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Bem, essa semana o Flamengo passa a usar os uniformes da Olympikus, sua nova fornecedora de material, e na quarta-feira o mistério sobre as novas camisas será enfim revelado. Então quero, nessa semana, falar um pouco sobre a evolução da forma de se vestir em campo dos jogadores do Mais Querido. Nos trechos em negrito há links para imagens e/ou textos. Boa leitura,

O Manto Sagrado

Antes de mais nada, é interessante esclarecer uma pequena confusão que muita gente comete. O time de futebol NUNCA, JAMAIS, EM TEMPO ALGUM, usou as cores azul e dourado. Ué, mas essas não são as cores originais do clube? Inclusive na Sala de Troféus do Flamengo na Gávea está lá a bandeira original, em azul e dourado. Então, que história é essa?

Resumindo rapidamente: quando o Grupo de Regatas do Flamengo (isso mesmo, grupo) foi criado em 1895, para a prática de remo, foi decidido que as cores da nova agremiação seriam azul (simbolizando a Baía de Guanabara) e ouro (as riquezas do país), adotando-se o vermelho e preto como cores reservas (pois transmitiam energia). Os remadores vestiriam camisas listradas em azul e dourado na horizontal, com cintos e sapatos brancos, e calções também brancos. Só que essa era uma combinação de cores difícil de achar no comércio brasileiro na época, tanto que na primeira regata da história do Flamengo os atletas usaram camisas amarelas de mangas compridas, as únicas disponíveis no mercado. Quando, enfim, foram encontrados modelos de listras em azul e dourado, verificou-se que, em função da má qualidade, os mesmos desbotavam rapidamente com o sol, adquirindo uma tonalidade desmaiada, quase branca. Ao lado dos engomados e elegantes remadores de outros clubes, com seus uniformes reluzentes, os flamengos pareciam molambos naquelas roupas desbotadas.

Incomodados com a situação (afinal de contas, vestir-se mal não pegava bem com as moçoilas, e uma das motivações para a criação do Flamengo foi justamente fazer “presença” com as donzelas do bairro de mesmo nome, já que ser remador conferia um certo status), e sem dinheiro para importar da Inglaterra camisas de melhor qualidade (o que, aliás, seria uma extravagância), os flamengos decidiram adotar as cores reservas, o vermelho e o preto. O uniforme dos remadores, então, passou a ser camisas vermelhas e pretas em listras horizontais, calções brancos, cintos e sapatos pretos. Isso já no ano seguinte, em 1896 (ou 1898, as fontes divergem).

Assim, quando um grupo de jogadores de futebol do Fluminense arrumou uma confusão, rompeu com o clube das Laranjeiras e foi bater à porta do Clube de Regatas do Flamengo (aí sim, Clube, denominação adotada em 1902), e a muito custo conseguiu convencer o pessoal do remo a aceitar a criação de um Departamento de Futebol, já estávamos em 1912, e, portanto, o Flamengo era rubro-negro há cerca de 15 anos.

Uma das condições impostas pelo remo (que era o esporte por excelência da época, atraindo multidões para as regatas aos domingos) para aceitar que o futebol fosse criado no Flamengo foi a utilização de uniformes distintos entre remadores e futebolistas. Não se queria que houvesse qualquer tipo de confusão entre o viril esporte das regatas e aquilo que, na denominação da época, era um “jogo de bailarinos dando pulinhos” (uma bobagem, pois alguns jogadores do Fluminense remavam pelo Flamengo, por exemplo). Mas as cores poderiam ser as mesmas. Como não se admitia a utilização de listras verticais por causa da rivalidade com o Botafogo, decidiu-se adotar uma camisa quadriculada, nas cores rubro-negras, um desenho que hoje soa de evidente mau gosto, mas que era utilizado por várias equipes inglesas na época (ainda hoje há times que jogam assim). Mas a feiúra do modelo tornou-se um rápido consenso, e, sempre irreverente, o carioca apelidou a nova camisa com o pouco altaneiro título de “Papagaio de Vintém”, pois a peça era idêntica aos papagaios (pipas) de papel que eram vendidos no centro da cidade por um vintém, para as crianças brincarem.

E foi assim, trajado com a camisa papagaio-de-vintém, calções brancos e meias pretas, que o Flamengo iniciou sua trajetória no futebol, meteu 16-2 na Mangueira (não confundir com a escola de samba de mesmo nome), perdeu pro que restou do Fluminense (2-3), devolveu a derrota ao tricolor com juros (4-0) logo depois, viu o extinto Paissandu ganhar o título carioca de 1912, e, apesar de ter o melhor time da cidade, acabou numa opaca terceira colocação no campeonato de 1913, com o América campeão. A culpa pela falta de títulos? Era da camisa, que além de feia, era (agora se sabia) azarada. Precisava-se arranjar outro modelo.

“Cobra-coral!” O carioca, jocoso, assim apelidou o novo desenho das camisas do Flamengo, agora também em listras horizontais. Entretanto, para se diferenciar do remo, colocou-se frisos brancos entre as listras, fazendo com que a equipe, pela primeira e única vez em sua história, adotasse um uniforme tricolor. Camisas “cobra-coral”, calções brancos e meiões pretos. Foi com essa vestimenta que o Flamengo conquistou, com certa facilidade, o bicampeonato carioca de 1914-1915, os seus primeiros títulos. O modelo teria inspirado, inclusive, as camisas do Santa Cruz de Recife (que até hoje é conhecido como cobra-coral), segundo uma das versões da criação do time pernambucano. De qualquer forma, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a camisa “cobra-coral” começou a ser mal vista, em função da sua semelhança com a bandeira da Alemanha, potência antagonista no confronto. Assim, em 1916, o Flamengo resolveu abandonar as camisas “cobra-coral”.

Com o número de torcedores crescendo vertiginosamente e com os títulos recentes, o Flamengo era o “time da moda”. O futebol ganhava rapidamente popularidade, e com isso a diretoria do clube decidiu unificar os uniformes das equipes de futebol e remo. A partir de 1916, o time de futebol passou a usar camisas em listras horizontais rubro-negras com o brasão CRF em branco, calções brancos e meias pretas.

Em 1937, o Flamengo contratou o treinador húngaro Dori Krueschner, de perfil extremamente inovador, vários anos à frente do seu tempo. Ao constatar a péssima iluminação dos campos nos jogos noturnos, o que dificultava a visualização dos jogadores, Krueschner sugeriu que o Flamengo passasse a utilizar uma camisa branca à noite. Assim, surgiu o modelo branco com duas faixas horizontais (uma vermelha, outra preta) à altura do peito, com o escudo (não o brasão) do Flamengo no centro. Esse desenho, em linhas gerais, seria mantido até 1980, como uniforme reserva.

O uniforme rubro-negro, tal como adotado em 1916, seguiria vestindo o Flamengo nas décadas seguintes, com poucas alterações (desenho de golas, espessura de listras etc). No início dos anos 40, as meias passaram a ser também listradas em rubro-negro, dando mais força e identificação às cores do time. Quando o clube queria expressar luto, usava calções negros, como na final do Campeonato Carioca de 1955 (morte do presidente Gilberto Cardoso) e em 1976 (falecimento do meia Geraldo). Mas em 1980 uma mudança radical nos uniformes sacudiu a Gávea.

Em 1980, o Flamengo era campeão brasileiro. Deveria vestir-se como tal, usar um uniforme de vanguarda. Assim, foi criado um novo modelo, de listras muito largas. O brasão CRF foi estilizado e ganhou a companhia de três estrelas (simbolizando os três tricampeonatos estaduais). Mas a mudança mais polêmica foi a adoção de calções negros e meias brancas, o que até pode ter sido melhor em termos estéticos, mas fez muitos conselheiros torcerem o nariz. A camisa reserva também foi alterada. Passou a ser totalmente branca, com mangas rubro-negras. Saía o escudo, entrava o brasão CRF em vermelho. A essa altura, os uniformes já eram fornecidos pela Adidas.

Com a perda do tetra carioca em 1980 e do Brasileiro de 1981, aumentou a pressão para que o time abandonasse aquele uniforme. O clube estaria sendo “castigado” por abandonar suas raízes. Chegou-se a um consenso. Os modelos das camisas seriam mantidos, mas o time voltaria a utilizar calções brancos e meiões rubro-negros, e foi com essa combinação de cores que o Flamengo viveu as grandes glórias da Era Zico. Nunca mais se falou seriamente em alterá-la.

Nos anos seguintes, as necessidades de obtenção de novas fontes de receita, o surgimento de novas tecnologias de fabricação de uniformes e a expansão de iniciativas de marketing fizeram com que a camisa rubro-negra sofresse várias adaptações, como a inserção de logomarcas de patrocinadores (muitas delas coloridas), ou a adoção do escudo no lugar do brasão CRF (iniciativa nos anos 2000 que não prosperou), ou mesmo a criação de um terceiro uniforme (idéia que poderia ser mais explorada). Por exigência da TV, voltaram os calções negros em determinados jogos fora de cada. Entretanto, pode-se dizer que de um modo geral a essência da identidade flamenga procurou ser mantida. Dentro da miríade de modelos concebidos, nunca se deixou de utilizar a camisa vermelha e preta em listras horizontais. Mais finas, mais espessas, ou mesmo de largura variável, com mangas listradas ou lisas, as listras rubro-negras são identificadas à distância, e corporificam, como nunca, o espírito de uma nação. São a sua bandeira, seu bastião, seu manto.

Um manto sagrado.

Link Flapedia: todos os uniformes do Flamengo.

Flamengo Net

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