segunda-feira, 22 de junho de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana eu publico mais um capítulo da história da conquista do primeiro Campeonato Brasileiro, de 1980 (a primeira parte está aqui). Nas partes em negrito, há links para vídeos. Então, boa leitura.

O Campeonato Brasileiro de 1980 (parte 02)

1980. O Flamengo encerrou a participação na primeira fase com a segunda colocação em sua chave, logo atrás do Santos e exatamente à frente do surpreendente Botafogo-PB, que o derrotara. Na Segunda Fase, os 28 classificados se juntariam a quatro equipes “promovidas” da Taça de Prata, dividindo-se assim em oito grupos com quatro times cada. O Flamengo caiu numa chave com Santa Cruz, Bangu (um dos promovidos) e... Palmeiras, o seu algoz de 1979.

A essa altura, Coutinho já tinha em mente a formação definitiva, com Carpegiani como volante, Tita deslocado para a direita, Nunes no comando e Zico na ponta-de-lança. A depender da necessidade da partida, entrava Adílio (mais driblador, agressivo) ou Andrade (de futebol mais cadenciado e mais marcador). Outra opção era colocar Adílio na ponta-esquerda, em lugar de Júlio César. Com essas variações, Coutinho caminhou até o final do campeonato e sedimentou a base pra as glórias futuras da equipe.

No primeiro jogo uma pedreira, o bom Santa Cruz de Dario (o Rei Dadá), no Arruda. Partida dura, 0-0 justo. A seguir, o esperado duelo contra o Palmeiras, no Maracanã.

Havia um sentimento generalizado de desforra contra o alviverde paulista, os 4-1 (em pleno Maracanã) do ano anterior ainda estavam entalados. E os jogadores estavam especialmente mordidos, em função da forma como o Palmeiras se postou naquele fatídico dia. Teve dancinha, tchauzinho de jogador para a torcida do Flamengo que saía do estádio, olezinho, driblinho. Tudo isso encheu os jogadores rubro-negros de brios, a ponto do tosco atacante reserva Beijoca esmurrar um e encher o cotovelo no rosto de outro palmeirense, atitude condenável que mostra o estado de irritação flamenga naquele dia.

A crônica do Rio de Janeiro passou a semana convocando os torcedores do Flamengo para o “jogo da desforra”. Devolver os 4-1 era questão de honra. Coutinho sabia que os jogadores estavam ansiosos, procurou tirar o peso do jogo. Não queria o time excessivamente aberto, sabia que o Palmeiras tinha uma excelente equipe, aliás a base que chegara às semifinais do Brasileiro anterior. Continuavam lá toda a defesa titular (Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozzi e Pedrinho), os volantes Pires e Mococa, o meia Jorginho e os atacantes César e Baroninho, todos protagonistas dos 4-1. No lugar de Telê Santana, o experiente Oswaldo Brandão. Então, o Palmeiras nada tinha de fraco, lenda urbana apregoada pelo arco-íris nos anos seguintes.

Um público de 70 mil querendo sangue (no bom sentido) foi ao Maracanã naquele domingo. Coutinho, prudente, prefere colocar Andrade no meio, mas vai de Júlio César na ponta, Adílio no banco. Mesmo assim, o time começa agressivo, parte pra dentro. E é Júlio César quem apanha uma bola na esquerda e cruza. Gilmar tenta cortar e solta na cabeça de Tita. 1-0. O Palmeiras esboça reação, mas o Flamengo está disciplinado. Não sobe desvairadamente, quer cozinhar o adversário. Domina o jogo com toques curtos, faz a bola correr. Até que surge uma falta perto da área. Zico, que sempre cresce nos grandes dias, coloca na gaveta, como se fosse com a mão. Flamengo 2-0. Fim do primeiro tempo, a torcida: “vingança, vingança”.

Segundo tempo. Coutinho coloca o Flamengo todo em cima, quer aproveitar o bom momento e definir logo o jogo. Começa a aparecer o futebol de Tita, que está alucinado, coloca o pé em todas as bolas, sentira na carne a doída derrota de 1979, parece um torcedor em campo. Catimba, irrita os palmeirenses, joga bola, muita bola. Entra tabelando com Zico no meio da defesa paulista, jogada antológica que só termina quando Pires derruba Zico na área. Pênalti, que o Galinho cobra com classe para fazer 3-0. O Flamengo não sai do ataque, a torcida empurra. O Palmeiras está definitivamente acuado, grogue. E ainda estamos com 16 minutos quando Júnior vem pela esquerda, fecha em diagonal e acerta passe primoroso para o lateral-direito Toninho, que vem na corrida e manda um tirambaço na gaveta de Gilmar. O estádio vai abaixo, é Flamengo 4-0.

O Maracanã está em transe. Nem mesmo a preocupante saída de Zico, contundido, é capaz de abafar os gritos da torcida flamenga, que quer mais gols, quer trucidar. No lugar do Galo entra o esforçado Reinaldo. O Flamengo é só ataque. Tita enlouquece a defesa adversária, empunha o bastião de vingador, quer pessoalmente enfiar a estaca no cambaleante oponente. Novamente se infiltra nas entranhas da defesa palmeirense, tabela com Carpegiani, espera o cruzamento. O passe vem baixo, o suficiente para Tita ajeitar com a coxa e emendar pra fazer o quinto. O vingador corre ensandecido todo o campo e se coloca exatamente diante da torcida palmeirense. Vai fazer o gesto que toda uma nação espera. Abre as mãos e distribui “adeusinhos” para os cabisbaixos torcedores palmeirenses, que vão deixando o estádio. É a Lei de Talião, cada olho, cada dente, cada gol devolvido. E com juros.

Mas o jogo ainda não acabou. Seja pelo humilhante 5-0, seja pelos tchauzinhos de Tita, o Palmeiras se encheu de brios. O time paulista acorda da letargia, aproveita-se do relaxamento dos jogadores flamengos e consegue encaixar dois gols, com Baroninho e Mococa, em duas falhas do miolo de zaga rubro-negro (que voltava a dar mostras de fragilidade). Só que, naquele dia, a última palavra era do Flamengo, o dono da casa, da festa e do jogo. Aos 43 minutos, Reinaldo recebe de Toninho, avança pela direita e cruza alto. Beto Fuscão falha bisonhamente e a bola vai até Nunes (só faltava o dele), que com inesperada categoria mata no peito e enfia o sexto gol por entre as pernas de Gilmar, fechando a conta. Final de jogo, Flamengo 6-2 Palmeiras. De alma lavada, a nação flamenga pediu quatro gols e saiu com SEIS.

O Flamengo seguiu a segunda fase sem maiores sobressaltos, exceto por Zico, que ainda atuaria na vitória por 2-1 sobre o Bangu (jogo com polêmica arbitragem de Wilson Carlos dos Santos) e nos 2-1 sobre o enjoado Santa Cruz no Maracanã, mas voltaria a sentir contusão e desfalcaria a equipe nos jogos seguintes. Mas havia Tita, em fase exuberante. Primeiro, calou a torcida palmeirense no jogo de volta, com uma cabeçada fulminante, e iniciou a jogada que redundou no empate de 2-2, frustrando assim 86 mil torcedores paulistas que esperavam revanche dos seis. Depois, meteu os três gols dos 3-0 sobre o Bangu, que selaram o primeiro lugar no grupo.

O campeonato afunilava. Restavam apenas 16 equipes, divididas em quatro grupos. Jogos apenas de ida, somente uma equipe se classificaria para as semifinais. E, ao lado do Flamengo, estavam novamente Santos e Ponte Preta, além da desconhecida Desportiva, de Vitória-ES.

Apesar da força do Flamengo, a imprensa especializada apontava o Santos como o favorito à vaga. Era considerado um time mais consistente, mais competitivo. E chegara à frente do Flamengo na Primeira Fase. E essa impressão não se desfez quando o Peixe destroçou a Ponte Preta na Vila Belmiro, com contundentes 3-0. Enquanto isso, o Flamengo enfrentava a Desportiva, a zebra do campeonato. Falava-se muito no promissor Botelho, mas quem brilhou foi mesmo o craque de sempre, Zico, que estava de volta e fez logo três pra mostrar quem mandava (três assistências de Nunes. Surgia uma dupla). Final, Flamengo 3-0 no Maracanã.

O desafio seguinte era a Ponte Preta, no Moisés Lucarelli, estádio que tradicionalmente virava um inferno para os visitantes. E o rubro-negro enfrentava um adversário mordido, o que tornou a partida ainda mais complicada. Foi um dos momentos mais difíceis para o Flamengo na competição. Marcado, anulado, o time não rendia. A Ponte pressionava, acossava, e conseguiu seu gol já aos 19’ do segundo tempo, com o volante Humberto. Uma derrota praticamente seria o fim. Sem alternativa, o time atirou-se ao ataque, mas era contido pela parede formada por Juninho e Nenê. Até que Zico (sempre ele) resolveu arriscar de longe. A bola quicou e Carlos, que raramente falhava, “bateu roupa”. O oportunista Nunes aproveitou a sobra e empatou, já aos 33’, para alívio da nação. O Flamengo saía de Campinas com um suado 1-1. E ainda ganhava um presente inesperado: o Santos, apesar da Vila Belmiro lotada, não conseguira furar a retranca da Desportiva e empacara no 0-0. Para a decisão da vaga, entre Flamengo e Santos no Maracanã, o rubro-negro tinha a vantagem do empate.

Transmissão ao vivo para todo o país, domingo de sol, 110 mil no estádio, clima de final. Mais uma vez, o Flamengo disputava uma vaga nas semifinais diante de sua torcida e com todas as condições favoráveis. Bastava um mísero empate, e ao contrário de outros anos, não iria falhar dessa vez. O time pacientemente esculpido por Coutinho ao longo de anos estava finalmente pronto para brilhar. Chegava a hora.

Coutinho repetiu a formação habitual, Andrade no meio e Júlio César na ponta. E mandou a equipe à frente, pra decidir logo. Não queria transformar aquilo num jogo de xadrez, queria matar a partida cedo. E o Flamengo encurralou o Santos no seu campo, começou a perder gols em série. O barulho no Maracanã era infernal. Mas, já aos 12 minutos, Nunes cisca pela esquerda e cruza na cabeça de Zico. Arremate certeiro, indefensável, Flamengo 1-0, festa. O time agora toca a bola, toureia. No início do segundo tempo, repete tudo de novo, mais uma blitz e aos 11’, pênalti sobre Zico, o próprio Galinho converte, é o segundo. O Flamengo se impõe, não deixa o Santos respirar. Deixa o tempo passar e consuma os 2-0. A Geração Zico começa a fazer história.

Pela primeira vez, o Flamengo está nas semifinais do Campeonato Brasileiro.

Próximo capítulo: as Semifinais. A magistral exibição em Curitiba. A virada antológica no Maracanã. A preocupante contusão de Zico para as Finais.

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