terça-feira, 16 de junho de 2009

Alfarrábios do Melo


“Ao longo da semana vamos introduzir medidas sérias e duras. Vamos rever questões de treinamento e elenco.” (Plínio Serpa Pinto, diretor de futebol, em 14/06)

Sei...

1995. Vai se encerrando a melancólica participação do Flamengo no Campeonato Brasileiro. O ambiente é um dos mais caóticos de sua história, onde a “turma dos bad-boys”, liderada por Romário e Edmundo, disputa animados duelos de futevôlei na Barra da Tijuca, em frente ao quiosque “Viajandão” e dá uma passada na Gávea de vez em quando para jogar mais futevôlei na quadra montada ao lado do campo de futebol. Ah, claro, com jogo aos domingos, desde que nenhum deles esteja “lesionado”. O time, “dirigido” pelo radialista Washington Rodrigues, flerta intensamente com a zona do rebaixamento, mas o namoro não se consuma. A diretoria, disposta a evitar os erros cometidos, resolve começar desde logo o “planejamento” para 1996. A solução é séria e dura. Chamar o Joel.

Joel Santana estava em alta. Vinha de títulos estaduais sucessivos, dirigindo Vasco, Bahia e Fluminense. As boas campanhas nos Brasileiros de 1994 (Bahia) e 1995 (Fluminense) também o credenciavam. Mas o fator decisivo para a sua contratação foi o aval de quem realmente mandava no futebol, quem efetivamente tinha que dar a palavra final. Romário deu seu “amém” ao técnico que o lançara no Vasco, e assim o Papai Joel começou sua história no Flamengo. Recebeu ótimos reforços (Amoroso, Zé Maria, Marques, Mancuso), montou um bom time e foi campeão estadual invicto, com Romário e Sávio voando em campo. O Baixinho ficou tão comovido com a conquista que se mandou pra Espanha. Com o intenso vaivém de jogadores, o Papai começou a ter problemas para armar o time, especialmente a defesa. As derrotas começaram a se empilhar e Joel Santana ainda se arrastou até o fim do Brasileiro.

1998. Agora o treinador é Paulo Autuori, nome respeitado, campeão de Libertadores (Cruzeiro) e Brasileiro (Botafogo). No ano anterior, Autuori havia levado um Flamengo de garotos a uma ótima 5ª colocação no Brasileiro. Como recompensa, ganhou o direito de indicar reforços, trazendo assim os meias Palhinha e Cleisson. Mas ainda levou de tiragosto o lateral Zé Roberto, o atacante Rodrigo Fabri e... Romário, de volta pela enésima vez. Coisa boa não ia dar, claro que todo mundo teria que jogar. E no meio de tanta estrela, quem iria dar o combate, correr atrás dos adversários? Autuori recorre a soluções “criativas” (põe Palhinha no ataque, Zé Roberto na armação), mas não resiste às brigas internas entre jogadores e à insatisfação ocasionada pela barração de intocáveis, como Júnior Baiano. Após algumas derrotas “estranhas”, Autuori cai. O ambiente é o pior possível. A diretoria age rápido, toma medidas sérias e duras. Chama o Joel.

O Papai dessa vez estava em baixa. Vinha de um péssimo trabalho no Corinthians, deixando o time praticamente rebaixado, o que praticamente lhe fechara as portas em São Paulo. Chegando ao Flamengo, Joel dedicou-se à sua atividade preferida: encheu o time de volantes (alternavam-se Maurinho, Jorginho, Jamir, Bruno Quadros e Marcos Assunção), colocou Júnior Baiano (que teria contribuído decisivamente para a queda de Autuori) de titular, tirou espaço de Palhinha e Rodrigo Fabri, que andavam se estranhando com Romário, e “uniu o grupo”. O time ensaiou reação no Estadual (interrompida por confusões extracampo) e iniciou razoavelmente o Brasileiro. Mas a validade expirou e a equipe começou a perder rendimento. Aí, em uma excursão à Europa (na época, ainda era possível aproveitar brechas na tabela), o Papai Joel, sempre antenado com a realidade do futebol mundial, poupou vários titulares em um amistoso contra o Chelsea. Levou de cinco, chegou ao RJ sem ambiente e acabou caindo alguns jogos depois, com o time já na zona de rebaixamento, da qual só sairia bem mais tarde, com Evaristo de Macedo.

O mundo deu voltas, um oceano inteiro passou por baixo da ponte, e eis que chegamos a...

2005. Faltando nove jogos para o final do Brasileiro, o rebaixamento do Flamengo parece virtual e iminente. Um elenco fraco e desunido, uma diretoria completamente perdida, um presidente falastrão e muita, muita bagunça no cotidiano do clube parecem formar uma combinação explosiva que irá redundar fatalmente na Série B. Os matemáticos falam em 80% de chances para o descenso. Um grupo de ex-presidentes “notáveis” é convocado para unir forças a fim de evitar a catástrofe. Todo o departamento de futebol é derrubado. Assumem os nomes que ainda estão lá até hoje. A primeira medida é séria e dura. Chamam o Joel.

A essa altura, Joel Santana é um homem que convive intimamente com a zona do rebaixamento. Em 2004, ajudou o Vasco a escapar de um descenso que parecia certo. Já em 2005, foi decisivo para colocar o Brasiliense na zona, mostrando grande desenvoltura em transitar pela parte de baixo da tabela. Internacional (2004) e Fluminense (2003, outro quase rebaixamento) são mais exemplos em que ele saiu pela porta dos fundos. Assim, muito pouca gente acredita que o Papai vá ter sucesso na Gávea. Mas, aliando simplicidade, paternalismo, um esquema tático bem definido (até porque nunca foi muito de variar...) e uma boa ajuda de São Judas Tadeu, consegue conduzir o Flamengo à mais espetacular de suas fugas da segundona. Vira ídolo, vários setores da crônica se rendem, a torcida o idolatra. Agradecido pela oportunidade, toma o primeiro avião e vai treinar um time de segunda divisão no Japão, a “oportunidade de sua vida”.

2007. O grupo de jogadores está nitidamente desmotivado pela eliminação da Libertadores. Além disso, a saída de Renato Abreu, negociado com o Oriente Médio, abre importante lacuna na equipe. Ney Franco já apresenta avançados sinais de desgaste com o elenco e com a diretoria, especialmente em função do sistemático fracasso de todos os nomes por ele indicados, notadamente no setor defensivo. O Brasileiro começa, as derrotas e empates se sucedem, o time atinge cedo a zona de rebaixamento. Alguns jogos marcados pro RJ são adiados em função do Pan-Americano, o que faz com que o Flamengo assuma a última posição, com vários jogos a menos. Alarmada, a diretoria olha para os lados, reúne-se e toma uma decisão grave, séria e dura. Para “surpresa” de todos, chama o Joel.

A “oportunidade da vida” do Papai no Japão durara alguns meses. No retorno, Joel assume o Fluminense, mas não faz boa campanha e é rapidamente demitido. Boiando no mercado, vai para o Flamengo. Percebe que um dos problemas do grupo é o excesso de oportunidades dadas à “República do Pão de Queijo”. Afasta quase todos. Monta sua tropa, cheia de volantes e pivôs. Recebe suculentos reforços (Ibson, Fábio Luciano, Cristian). Arma uma equipe certinha e de boa qualidade (embora, naturalmente, sem variações táticas) e escapa da zona do rebaixamento até com certa facilidade, o time ganha embalo, engrena e engata um caso de amor com sua apaixonada torcida que acaba com uma improvável e sensacional vaga para a Libertadores. Agradecido, quase vai embora no final do campeonato, mas recebe gordo aumento e fica para o Estadual. Após a conquista do bicampeonato (onde aparecem os primeiros sinais de desgaste), se manda para a África do Sul, mais uma “oportunidade de sua vida”. Deixa um elenco carente e saudoso de seus afagos e mimos.

Pois bem, estamos em 2009. Nova crise. Jogadores e treinador não se entendem, um clima de vasta permissividade permeia toda a Gávea. As derrotas humilhantes já se tornam uma vexatória rotina. A diretoria se reúne sucessiva e sistematicamente, atrás de respostas. Anuncia que irá tomar medidas “sérias e duras”.

Enquanto isso, a África do Sul de Joel Santana estréia na Copa das Confederações com um decepcionante 0-0 contra o inexpressivo Iraque. A estabilidade do treinador no comando depende de uma classificação à segunda fase, pois os anfitriões dividem um grupo com Espanha, Iraque e Nova Zelândia. Seu cargo, cobiçado por muitos, é notório pela instabilidade. O Papai até é elogiado, mas está sob permanente pressão, e poderá sair muito chamuscado em caso de eliminação precoce.

Pensando bem, acho que sou “Bafana Bafana” desde pequenino. Só por precaução...

Flamengo Net

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