sábado, 2 de maio de 2009

NOSSO MUNDO FLAMENGO - A Torcida do Eu Sozinho

Max Amaral


Quando um cidadão opta por mudar para outro país, sabe que vai ter alegrias e tristezas.


Por um lado, pode se mudar para uma cidade que tem mais de 54 fábricas de cerveja diferentes, uma vista maravilhosa para montanhas cobertas de neve durante todo o ano, uma Receita Federal que devolve sua restituição do Imposto de Renda uma semana depois que você entrega a declaração, carros bons e absurdamente mais baratos que no Brasil e montes de outras vantagens.


Por outro lado, também pode estar se mudando para um lugar que não tem praia, onde o humor das pessoas é meio esquisito e moralista, onde as mulheres não são nem de perto o que são as brasileiras e, frustração das frustrações, não tem Flamengo.


Bom, Flamengo sempre tem, já que o Fuderosão (copyright Muhlenberg, Arthur, in Urublog, 2009, fundos, perguntar por Marly) é uma força da natureza que se faz sentir em todo o mundo e cada vez com mais força, como o aquecimento global. É impressionante como você vai fatalmente encontrar alguém usando o Manto Sagrado em parques, estações de trem ou andando no meio da rua em lugares tão esquisitos quanto Denver, Hiroshima, Lima ou Estocolmo.


O que não tem – e isso é o que faz falta – é a torcida do Mengão em peso ao seu lado, no prédio vizinho, por toda parte. Aquele som maravilhoso que você ouve quando o (vá lá) Obina faz um gol e os sons da cidade se enriquecem com uma sinfonia de foguetes, buzinas, gritos e risos eufóricos vindos de janelas insuspeitas ou mesmo resmungos dos arco-íris frustrados.


Faz falta o seu irmão tricolor, “pedindo” para ser zoado, ou o amigo de infância que foi quem te acompanhou na primeira vez no Maracanã e que lembra de todos os detalhes daquela tarde de domingo. Falta o sogrão, fanático e estranhamente pessimista, que comemora tanto ou mais que você, mas sempre tem uma piadinha ácida para brindar o técnico ou algum jogador. Falta o desconhecido que está ao seu lado no bar ou na arquibancada do estádio, aquele sujeito que você não conhece e não vai conhecer mas que, quando surgir o gol de falta que nos dará o título aos 42 do segundo tempo vai te abraçar chorando.


Não importa se você está no Rio de Janeiro, em Brasília, em Barbacena ou em Cabrobó da Serra (sabe onde, né?!? ali logo depois de Rincão da Telha, quando você passa de Santana do Jacaré na direção de Santa Rita de Ibitipoca. Isso, perto de Buriticupu). Você que está no Brasil sabe que não está sozinho, há uma sombra rubro-negra se espalhando pelo ar, abraçando todo mundo.
Só nós, os desterrados da Pátria Amada Mãe Gentil, não temos esse consolo.


É por isso que, sem sermos mais ou menos Flamengo que ninguém, somos mais pacientes, mais esperançosos, menos ranzinzas. De uma maneira estranha, os maus momentos não nos afetam tanto assim. A saudade e a distância agem como um amortecedor no nosso senso crítico, e o amor fala mais alto.


Vemos o time jogar horrivelmente na quarta mas sabemos, acreditamos, damos como favas contadas que ele vai ser recuperar no domingo, quando estiver valendo o título. Lemos sobre os absurdos cometidos pelos dirigentes mas sabemos que é uma questão de tempo até a casa se arrumar. Nos preocupamos com todas as atenções voltadas para o Adriano, mas temos convicção de que o elenco ‘tá lá, focado na final, sem nem ler jornais, internet ou atender telefones.


E se nossas preocupações parecem menores, o chato é que nossa comemoração também vai ser mais contida, menos escandalosa do que gostaríamos que fosse. Afinal, o vizinho esquisitão que vive usando uma camisa feiona de um time de futebol americano não iria entender nada, e corremos o risco de que ele chame a polícia se ouvir gritos e choro saindo daquela casa que tem uns estrangeiros malucos.


Mas, no fim das contas, se o pior acontecer (isola!!!), estaremos tão tristes quanto qualquer um por aí. Mas haverá uma diferença básica: mesmo essa tristeza conseguirá virar uma fonte de prazer para nós, pois o Flamengo, o time do Flamengo, a camisa do Flamengo, a torcida do Flamengo acabaram se transformando em um pequeno cordão umbilical que ajuda a nos ligar a tudo de bom que existe aí na Pindorama.

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Só para contradizer tudo o que escrevi aí em cima sobre a calma dos desterrados: o Paulo Lima me liga lá de Noviorque na sexta feira de manhã excitado, nervoso, angustiado, sem saber o que fazer para passar o tempo até a hora do jogo, sem saber se o Obina entra em campo, se o Zé Roberto vai ser (finalmente) barrado, se o Cuca vai vencer o tabu. Ah, a falta que faz a Massa Rubro-Negra por perto...




  • Max Amaral é arquiteto, mora em Denver (EUA) e escreve também no MundoFlamengo

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