Olá, Saudações rubro-negras a todos. Uma vez que o time atual do Flamengo vem obrigando o seu torcedor a estabelecer uma convivência íntima com os empates em 0-0, quero então trazer a história de uma conquista obtida com esse placar, e justamente contra o adversário de quarta-feira. Então, boa leitura. O Campeão do Povo 1972. A nova administração do Flamengo assumiu disposta a acabar com o jejum de títulos que se arrastava desde 1965. Para isso, resolveu abrir os cofres, com o objetivo de reforçar o elenco. Assim, vieram o meia-atacante Paulo César Caju, que vivia grande fase, o cerebral meia Zé Mário e o irrequieto atacante Caio (que mais tarde seria conhecido como Caio Cambalhota). Mas o principal reforço estava na comissão técnica, com a vinda do treinador tricampeão mundial Zagallo. Avaliando o grupo de jogadores, o Velho Lobo (na época, nem tão velho assim) observou que havia várias opções de qualidade. Os destaques eram o vigoroso lateral Rodrigues Neto, o experiente meia Liminha, o driblador ponta Rogério Hetmanek, o impetuoso atacante Doval e o melhor de todos, o zagueiro paraguaio Reyes, que jogava um futebol limpo, refinado, preciso nos desarmes e coberturas. Para muitos, Reyes era melhor que o chileno Figueroa, contemporâneo que já se destacava no Internacional (Aliás, o zagueiro figura em várias escalações do “Melhor Flamengo de Todos os Tempos”. Infelizmente teve morte precoce, vítima de leucemia em 1974). Mas o elenco, apesar de qualificado, vinha cabisbaixo, desmotivado pelas péssimas campanhas recentes e pelas passagens infrutíferas de Yustrich e Fleitas Solich, treinadores que se notabilizaram pelo trato difícil com jogadores. Zagallo, sempre otimista, levantou o astral do grupo, acenou com oportunidades para todos e fez questão de apregoar que tinha nas mãos um dos melhores times do país. Com sua habitual verborragia, o Lobo prometeu que faria o Flamengo novamente campeão em 1972. A reação ao choque de confiança de Zagallo foi imediata. Os semblantes começaram a se desanuviar, a Gávea voltou a respirar alegria e uma onda de esperança passou a contagiar a todos. Quer dizer, quase todos. Sim, porque Zagallo, ao avaliar as opções do elenco, não se impressionou com um garoto que terminara o Campeonato Brasileiro de 1971 como titular. O menino Zico era considerado uma jóia rara, suas atuações vinham sendo bastante elogiadas nos jornais, sendo um dos poucos a se salvarem da pífia campanha do time na competição. Mesmo assim, Zagallo o achou muito “verde” para assumir a posição. Queria um time mais rodado. Dessa forma, o Lobo chamou o Galinho e o comunicou que ele não seria aproveitado nos profissionais. Frustrado, Zico não encontrou alternativa senão voltar aos juniores (ainda não havia assinado contrato). Mais tarde, o craque diria que naquele momento pensou seriamente em abandonar a carreira. A força do novo time seria testada no Torneio Internacional de Verão, competição triangular que também contou com o Vasco (de Andrada, Moisés, Renê e do garoto Roberto Dinamite) e com o forte Benfica, de Eusébio. No primeiro jogo, contra os portugueses, a partida se arrastava em um truncado 0-0, quando Zagallo colocou o folclórico atacante Fio, xodó da torcida, no lugar de Arílson (Fio não era uma ciência exata, passava de gênio a cabeça-de-bagre em segundos). Numa de suas primeiras jogadas, Fio tabelou, driblou dois zagueiros, deu um toque, driblou o goleiro, e só não entrou com bola e tudo porque tinha humildade em gol. O Flamengo venceu por 1-0 e o gol de placa de Fio virou música de Jorge Ben (hoje, Benjor). Na decisão do torneio, o Flamengo derrotou o Vasco por 1-0 (gol de Paulo César Caju), conquistando o troféu e repetindo o enredo de sempre quando enfrenta o rival em finais. Era um bom começo, a confiança estava de volta. E o desafio seguinte era o Torneio do Povo, competição criada pela CBD no ano anterior para ganhar algum dinheiro com grandes arrecadações. A idéia era reunir os times mais populares dos principais centros, exatamente para criar jogões de “casa cheia”. Ou seja, era o tipo de torneio que jamais contaria com a presença do Botafogo, por exemplo. Em 1971, o Torneio do Povo teve a participação de Flamengo, Corinthians, Atlético-MG e Internacional, tendo sido conquistado pela equipe paulista. Para a versão de 1972, também foi convidado o Bahia, que impressionara com as boas arrecadações no Brasileiro. Assim, o Flamengo teria uma excelente oportunidade para avaliar a força da equipe, pois enfrentaria o campeão brasileiro de 1971 (o Galo) e dois dos semifinalistas (o Inter e o Timão). Além do inesgotável otimismo, Zagallo também dispunha de idéias interessantes na parte tática. De forma inovadora para a época, montou uma linha de três zagueiros, com Fred, Reyes e Paulo Henrique (ou Rodrigues Neto). O lateral-direito Aloísio adotou postura mais adiantada e formou uma linha de quatro com os meias Liminha e Zé Mário e o “falso ponta” Paulo César Caju, que atuava com mais liberdade. Na frente, Rogério pela direita, Caio pela esquerda e Doval no comando montavam um ataque extremamente perigoso. O goleiro Ubirajara completava a equipe. E o time começou a competição de forma arrasadora. Derrotou o Bahia (1-0) na Fonte Nova, o Atlético-MG (2-0), em um jogão no Maracanã e o Corinthians (2-1) no Pacaembu, de virada, em uma partida muito violenta. Para garantir o título, bastava um empate com o Internacional, no Maracanã. Uma derrota ainda deixaria a disputa em aberto, com o Flamengo tendo que torcer por algum tropeço do próprio Inter e do Atlético-MG. Era Carnaval, e o Torneio sofreu uma pausa para os Festejos de Momo. No Rio de Janeiro, a sensação era o samba-enredo do Salgueiro, que homenageava justamente a rival Mangueira (ou co-irmã, como se diz no jargão do samba). A música, batizada de “Tengo-Tengo”, estava na boca do povo, era executada em todas as rádios. O refrão dizia assim: “Tengo-Tengo, Santo Antônio, Chalé, minha gente, é muito samba no pé!” Mas o confronto com o Inter nada teria de carnavalesco. O Colorado tinha uma equipe fortíssima, onde despontavam o zagueiro Figueroa, o lateral Scotta, o ponta-direita Valdomiro e o meia Paulo César Carpegiani, seu melhor jogador. Era a base que, mais tarde, com alguns reforços e comandada por Falcão, daria as cartas no futebol brasileiro por meia década. Um time muito perigoso, que sabia atuar tão bem em casa quanto fora de seus domínios. Zagallo sabia que estava diante de um adversário em ascensão. Assim, sua principal preocupação era conter o natural ímpeto ofensivo do Flamengo, especialmente no Maracanã, e fazer seus comandados atuarem com mais disciplina tática, guardando mais suas posições. E assim se fez. Com Paulo Henrique grudado em Valdomiro e Zé Mário cuidando de Carpegiani, o Flamengo neutralizou as principais peças do adversário. Exercendo forte marcação, o rubro-negro ignorou os apelos da torcida e manteve postura mais cautelosa, bem ao gosto do Lobo. Chamou o Internacional para seu campo, buscando fulminá-lo em contragolpes com Rogério e Caio. Mas a estratégia tinha seus riscos. O Internacional, em determinados momentos do jogo, passou a deter a posse de bola, avançar pacientemente, em bloco, e a criar várias chances de gol, desperdiçadas pela afobação de Valdomiro e do centroavante Manuel. Ubirajara foi forçado a realizar algumas defesas difíceis. Somente na etapa final da partida Zagallo soltou mais a equipe. Imaginando que o treinador Dino Sani viria com tudo para tentar “matar a partida”, o Lobo fechou a marcação no meio, pondo o volante Zanata no lugar de Doval, e colocou o forte atacante Dionísio para segurar os zagueiros adversários, liberando Paulo César Caju para atuar no ataque. Com isso, o Caju passou a infernizar a defesa colorada, o time ficou mais leve e quase chega ao gol, perdendo várias chances. Nos últimos minutos, o Internacional ainda exerceu uma pressão na base do “abafa”, mas a zaga rubro-negra estava segura. Fim de papo, com o placar de 0-0 o Flamengo era o Campeão do Povo de 1972. Mais do que a festa pelo título, o clima era de satisfação pela certeza de que o time estava no caminho certo, o que era comprovado pela conquista de dois torneios de alto nível em apenas dois meses. Mas a torcida flamenga, que andava carente, não estava nem aí para “filosofia de trabalho”, estratégias, planejamento ou táticas. Queria era comemorar. E, com a sua eterna sabedoria e interminável criatividade, saiu do Maracanã entoando uma pequena adaptação ao samba do Salgueiro, que passaria a ser cantada durante todo o ano, a cada gol, vitória ou título conquistado:
(*) Créditos das fotos: Fernando Pimentel, Revista Placar.
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