Alfarrábios do Melo
Olá, saudações rubro-negras a todos. O assunto dessa semana não poderia ser outro, a conquista do histórico pentatri, e principalmente da hegemonia em títulos no Estado. Estava escrito que o jogo de domingo seria histórico, pro bem ou pro mal. Mas São Judas Tadeu e o Bruno fizeram com que tudo desse certo no final.
De Riemer a Bruno.2009, maio. Pela primeira vez nos seus 107 anos de existência o futebol do Rio de Janeiro vê a sua supremacia em títulos trocar de dono. O Flamengo acaba de conquistar o trigésimo-primeiro campeonato estadual de sua história. Acrescenta mais uma taça à sua vasta coleção de títulos. Uma saga que começou em 1914, quando o time venceu o Fluminense por 2-1 e conquistou a cidade pela primeira vez. O Flamengo nem usava rubro-negro ainda, vestia uma camisa tricolor, cobra-coral, para se diferenciar do remo.
Talvez o atacante Riemer, ao arrombar as redes tricolores naquele longínquo 1914, não imaginasse que estava dando início a uma verdadeira saga, construída com muito, mas muito suor, ginga, sacrifício, raça, sofrimento, malícia, amor, paixão. Títulos de todas as estirpes, conquistados de todas as formas, tendo cada conquista um pouco, ou tudo, do que é ser Flamengo.
Flamengo é raça. Então, nada pode ser mais Flamengo do que 1944, justo o primeiro tri, quando um aposentado Valido irrompe de sua inatividade e, queimando em 39 graus de febre, aniquila, com um golpe de cabeça, as ilusões vascaínas, a dois minutos do fim. Ou 1978, quando o “deus da raça” Rondinelli incorpora a alma de Valido e enfia-se como um pênis dentro da área lusitana para iniciar a história do terceiro tri, também a dois minutos do apito final. Raça estampada no rosto crispado de Moderato, que dribla uma apendicite para dar ao Flamengo o campeonato de 1927, o ano em que “as camisas jogaram sozinhas”.
Flamengo é superação, é capacidade de assimilar a perda do mais popular dirigente da sua história, o presidente Gilberto Cardoso, falecido justamente na semana de decisão contra o América, em 1955. É absorver o luto e a humilhação pela goleada sofrida no segundo jogo e, na negra, enfiar quatro gols no adversário diante de 200 mil pessoas e embolsar o segundo tri, obra do encapetado Dida. É grandeza para prantear o querido Cláudio Coutinho, morto a poucos dias da final de 1981, e encontrar forças para superar as circunstâncias bizarras que quase tiram da Gávea um campeonato quase ganho.
Flamengo é alegria. Sim, porque nem só de conquistas doloridas viveu o torcedor. O manto já foi defendido por verdadeiras máquinas, como 1939, onde Leônidas, no auge da forma (artilheiro da Copa de 1938) e Domingos da Guia exorcizam o jejum de 12 anos goleando a concorrência, com direito a surra de 4-0 no Vasco no jogo decisivo. É 1943, é o monstro Zizinho e a felicidade de ser Flamengo derramada em 16 gols nos últimos três jogos, título mole, 6-2 no Vasco e 5-0 no Bangu, reta final de sonho.
Flamengo é festa, é o “Rolo Compressor” de 1953-54-55, time de “Rubens, Dequinha e Pavão”, e Joel e Dida e Evaristo e Paulinho. Campeão antecipado de 1954, que bota a Mangueira pra desfilar no Maracanã na festa das faixas com o campeonato ainda comendo, com direito a chocolate (5-1) no Bangu. Uma máquina que enfia SEIS no Fluminense (1955) e abrevia a carreira do goleiro tricolor Veludo, é time que passa o rolo, amassa quem aparece na frente.
Flamengo é sofrimento, é esperar o último apito pra poder festejar, é sangrar até o final sem ver gol de título, 1963 da parede Marcial, 1996 do polêmico Romário, 1974 do menino Zico. É jogo dramático, é ver o rival abrir dois e buscar a igualdade (2007), é sofrer ao contrário, abrir dois e levar o empate, pra depois ir buscar de novo o que lhe é de direito com Tita em 1979 e Bruno em 2009, é ver o seu goleiro ser o grande nome do jogo decisivo (Bruno em 2007 e 2009, Marcial em 1963, Renato em 1974), é ser campeão sem jogar (1965).
Flamengo é molecagem, é molecada. É ver um bando de piás voar em cima do Fluminense e levantar a taça em 1991 sob o comando do vovô Júnior, que quando menino viveu a mesma sensação em 1974, junto com o parceiro Zico. É perder quase todos os seus craques e usar vários garotos da base pra tirar o doce da boca do Vasco após 270 longos minutos, em 1986.
Flamengo é virada, é reverter campeonatos perdidos, é desafiar a desconfiança e a chacota alheia, é devolver cada gol e embaixadinha ao Vasco em 2000, é enfiar quilos de poeira na goela do galáctico Fluminense, calando um precipitado “olé” nos 4-3 de 2004, o verdadeiro jogo do título. É ser campeão sem ganhar nenhum clássico, mineiramente, em 2007, é devolver resendes e madureiras à sua dimensão corpuscular, na história do quinto tri.
Flamengo é aquela cobrança de falta que destrói, é o tiro seco de Rodrigo Mendes, o chute sensual de Fábio Baiano, o mitológico arremate de São Judas Tadeu, digo, de Petkovic, é a trilogia do tetratri, sempre coadjuvada pelo Vasco de Eurico, nosso vice preferido e honorário. Flamengo é irreverência, é ganhar os jogos que valem e deixar o arco-íris festejar vitórias inúteis, é demolir o adversário com os dribles de Felipe (2004), as cambalhotas de Caio (1972), os gols de Obina (2008). É fazer de cada rival o “vice de novo”, o “vice pra sempre”, o “vice do Cuca”.
E agora, mais do que nunca, Flamengo é hegemonia. É a doce superioridade dos campeonatos invictos, dos passeios de 1915, 1920 e de 1996. É o Super-Mengão do seu astro maior, o deus Zico, é o esquadrão que de 1978 a 1981 disputa DOZE turnos e ganha NOVE, é catar na gôndola um tricampeonato ganho sem nenhuma decisão, sem perder nenhum turno, é meter gol no atacado, no varejo, de letra, de bicicleta, por cima, por baixo, de ladinho, é Zico entubar SEIS gols sozinho num jogo, é o time sustentar uma média assombrosa de quase TRÊS gols por partida ao longo de três campeonatos. É a Zicovardia, que o mundo aplaudiu.
Pois é, Riemer. Seja lá em que dimensão você esteja, saiba que o que você começou não foi pequeno.
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Exprimindo em uns poucos números a superioridade flamenga, vamos lá: Como é sabido e estava escrito há mais de quatro mil anos (by Nelson Rodrigues, que deve estar dando cambalhotas no túmulo), o Flamengo é o maior vencedor de campeonatos estaduais. A contagem está assim: Títulos estaduais: Flamengo 31, Fluminense 30, Vasco 22, Botafogo 18.
Bem, mas se levarmos em consideração que o Flamengo só entrou em 1912, uma contagem mais justa deveria incluir apenas os campeonatos que o time disputou. Aí, fica desse jeito:
Títulos após 1912 (ano de entrada do Flamengo): Flamengo 31, Fluminense 25, Vasco 22, Botafogo 16.
Dirão os vascaínos, invocando a coerência: “então, por esse argumento, tem que contar só os campeonatos que o Vasco entrou, ora pois”. Realmente, é uma choradeira lógica. Então, vamos computar os títulos apenas depois de 1923, ano de estréia do bacalhau:
Títulos após 1923 (ano de entrada do Vasco): Flamengo 27, Vasco 22, Fluminense 22, Botafogo 15.
Já com uma certa criatividade, os arco-íris podem alegar que os “títulos amadores” não contam, pois se tratava de um futebol pré-histórico. Tudo bem, vamos refazer a lista, só considerando as competições da era profissional, ou seja, a partir de 1937, ano do primeiro campeonato profissional sem asterisco:
Títulos após 1937 (era do profissionalismo): Flamengo 25, Fluminense 20, Vasco 17, Botafogo 10.
Finalmente, pensarão alguns desavisados que o futebol do Rio de Janeiro só alcançou maior expressão após a construção do Maracanã. Apesar de infeliz, é tese que tem lá seus adeptos. Então, não custa ver como fica a lista de campeões após a inauguração do gigantesco estádio: Títulos após 1950 (a Era Maracanã): Flamengo 21, Fluminense 15, Vasco 14, Botafogo 9.
Acho que exauri todas as possibilidades (é bom parar por aqui, senão acabo tomando todos os títulos do Botafogo). Por mais litros de cerveja que sejam consumidos, qualquer conversa de botequim redundará sempre na mesmíssima conclusão, convergindo para a hegemonia completa e absoluta do Flamengo sobre o intrépido arco-íris. E tudo título limpinho, sem asterisco, contra todos os rivais, tudo campeonato genuíno, do legítimo, do escocês (hoje eu estou com Nélson Rodrigues, este célebre tricolor, na cabeça).
Portanto, companheiro flamengo, ao encontrar qualquer arco-íris na rua, em casa ou no trabalho, dirija-se a ele com postura ereta, algo marcial, com um quê de monarca. Porque você, eu, todos nós somos reis.
Os reis do Rio.
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