Abro espaço para o velho Lobo de imprensa Osvaldo Tinhorão, que solicitou espaço para seu pensamento sobre o episódio Leonardo. Segue o texto, e que a discussão tome corpo, que não acabe, pois é esse o nosso objetivo: ver o Flamengo grande, soberano, e acima de tudo, viável.
O FLAMENGO DO LEONARDO E O FLAMENGO DO KLÉBER LEITE
Por Osvaldo Tinhorão
Reconheço de antemão que este é um momento complicado para eu tornar a dar as caras aqui. Às vésperas de uma final da Taça Rio, que muita gente boa acredita ser grandes merdas, minha conhecida impaciência com os pernas-de-pau que hoje compõem o Flamengo (jogadores e dirigentes, cada um na sua área) há de ser motivo suficiente para que se me acuse de corneteiro. Paciência.
Vou passar ao largo da pelada de domingo, cuja única serventia é a de permitir-nos passar à frente de um rival de dimensões meramente municipais numa competição idem. Tudo bem, há quem se emocione com essas coisas.
Se rompo meu silêncio de quatro meses para falar agora é porque fui levado a isso pelos recentes pronunciamentos do Leonardo, de uma lucidez atordoante. Não que a essência do que ele diz constitua grande novidade. Leonardo vem defendendo algo assim como a privatização do Flamengo há pelo menos seis anos. A única coisa que mudou agora foi a repercussão da coisa, com faniquitos histéricos de quem tem culpa no cartório por o Flamengo ter-se tornado essa instituição que só aspira ganhar campeonatinhos cariocas.
Nas poucas rodas em que me é dado opinar sobre assuntos rubro-negros, tenho defendido idéias semelhantes às do Leonardo há não pouco tempo. Ao mesmo tempo, confesso que há muito sinto certa exasperação com o Leonardo a cada vez que o ouço bater na mesma tecla, como que numa discussão meramente acadêmica, sem envolver-se minimamente na briga política indispensável para levar o projeto adiante. Ele lá alega que a estrutura viciada do Flamengo inviabilizaria de antemão qualquer esforço seu nesse sentido. Mas defende-se afirmando que tem conversado a respeito com dirigentes do clube. Em resumo: o valoroso Leonardo parece esperar que a mesma estrutura viciada que ele denuncia, por pura e simples persuasão racional, produza as mudanças que permitam a privatização do Flamengo.
Muito bem. Sem deixar de subscrever essas críticas que fiz ao Leonardo, sou forçado a reconhecer que, desta vez, o nosso valoroso ex-camisa 4 conseguiu algo realmente produtivo. Muito pela forma radical como se expressou -- a manchete d’O Globo era “Abre o clube, vende o Flamengo” --, pôs o tema na agenda de todo o mundo disposto a pensar o Flamengo para além da escalação do próximo jogo. Os conseqüentes ataques de pelanca dos dinossauros que ainda hoje comandam o clube ajudaram a dar ainda maior credibilidade à proposta: tornam patente que os mais enfáticos na oposição à idéia são justamente os personagens que fazem do Flamengo o que ele é hoje.
É pena que, em suas declarações posteriores, Leonardo tenha tentado contemporizar com o que ele próprio, na entrevista ao Globo, chamou de “estrutura viciada”. Reconhece abnegação e boas intenções nos que se ofenderam tanto com suas palavras e suas idéias. No entanto, um pouco mais adiante, não sei se por desatenção ou por extrema habilidade, pôs em questão todas essas boas intenções ao denunciar o pouco-caso com que a atual gestão deitou a perder o salva-vidas da Timemania: “Por que que o Flamengo foi inadimplente? Porque ele sabe que não vai dar nada. A dívida vai só aumentar, vai passar para o próximo Presidente e vambora e a gente vai.”
Diante de juízos assim incisivos, os que hoje esperneiam em público deviam refletir se de fato convém dar a cara a tapa, assumindo a culpa por ter tornado a endividar o clube sem nem ao menos trazer qualquer título de expressão em troca. Cá do meu lado, eu dou graças a Deus por esses personagens darem a cara a tapa. Quanto mais espernearem, tanto mais os termos da discussão assumem os seguintes contornos: que Flamengo você quer no futuro, o do Leonardo ou o do Kléber Leite?
Diante de uma discussão dessa transcendência, qualquer coisa que aconteça no domingo devia ser mera nota de rodapé na história rubro-negra.
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