terça-feira, 14 de abril de 2009


Alfarrábios do Melo


Olá, saudações rubro-negras a todos. Após a magnífica atuação no Fla-Flu de domingo, o Flamengo agora deverá encarar uma série de jogos contra o Botafogo, com o objetivo de alcançar o tri estadual. E, já que o assunto é Botafogo, vale lembrar uma partida de 1985, que acabou meio esquecida na história. Pois é, por incrível que pareça muita gente não sabe, mas alguns anos após a partida histórica dos 6-0 em 1981, o Flamengo novamente meteu seis no Botafogo. Aliás, essa partida guarda alguma semelhança com o que aconteceu domingo passado, pois o Flamengo cresceu depois que gente do outro lado falou o que não devia.

Enfim, vamos à história. Boa leitura,

O papel higiênico e o show do "Mané" Adalberto

1985. Todas as atenções do país estão voltadas para a internação do presidente eleito Tancredo Neves, operado de um tumor no intestino na véspera do dia em que iria tomar posse. E a percepção da imprensa e do público é até otimista (logo iria mudar). Comenta-se que Tancredo deverá ter alta em alguns dias, inclusive se cogita marcar a data da sua posse no cargo. Mas, naquele domingo de março, o carioca daria um breve tempo na vigília por Tancredo, pois Flamengo e Botafogo mediriam forças em um jogo que vinha sendo muito falado. Certeza de casa cheia.

A torcida do Flamengo não tinha muito do que se queixar. Aliás, vinha de bem com o time, treinado por Zagalo. A equipe seguia apostando na mescla entre os remanescentes do time campeão mundial (Leandro, Mozer, Andrade, Adílio) e os jovens valores que iam consolidando seu lugar na equipe (Bebeto, Jorginho, Adalberto, Élder, Júlio César). Reforços, apenas pontuais. Para o ataque, o clube trazia o ponta-direita Hêider, goleador no Náutico, mandando em troca para o clube pernambucano o atacante Nunes (já bastante desgastado no Flamengo), por empréstimo. Para o comando do ataque, a aposta era Chiquinho, artilheiro do Campeonato Paulista do ano anterior pelo Botafogo-SP. E, fechando o ciclo de contratações, o Flamengo trazia o falso ponta Marquinho, ex-Vasco, o que propiciaria a Zagalo voltar a escalar Adílio no meio-campo, como era desejo do jogador. Além de Nunes, Tita também vinha em baixa no elenco, o que fez com que o promissor meia Gilmar Popoca, muito talentoso, começasse a ser aproveitado com mais freqüência.

E o time não decepcionara naquele início de Brasileiro. Mantendo a base e com o time entrosado, o Flamengo mostrou que ainda tinha uma das melhores equipes do país, e já no primeiro turno da competição conseguiu o primeiro lugar do seu grupo, alcançando assim, de forma antecipada, a classificação para a segunda fase, após vencer o Grêmio por 1-0 no Maracanã (jogo duro, gol no finalzinho, Marquinho de falta).

Bons ventos, sem dúvida. Mas o que vinha realmente fazendo a massa flamenga sorrir era a perspectiva cada vez mais concreta de contar com o retorno de seu ídolo maior, Zico. Numa operação iniciada no final de 1984, o publicitário Rogério Steinberg vinha costurando a formação de um “pool” de empresas com o objetivo de ajudar a repatriar o Galinho. E, pelo que saía na mídia, as negociações vinham evoluindo. A Udinese ainda relutava (queria envolver outro jogador na transação, falava-se em Bebeto), mas já considerava negociar o jogador. E a simples possibilidade de contar com Zico de volta fazia arrepiar o torcedor rubro-negro mais cético.

Mas para aquele jogo contra o Botafogo, já pelo segundo turno, Zagalo tinha problemas. O experiente treinador teria que lidar com o natural relaxamento do grupo, em função do objetivo atingido de forma tão precoce. Todo o segundo turno seria composto de jogos “amistosos”, pois o Flamengo já estava na fase seguinte. Além disso, teria alguns desfalques importantes para o clássico: Bebeto, Leandro e Marquinho.

Enquanto isso, o Botafogo estava otimista. Aliás, a relação entre o Botafogo e sua torcida era algo sui-generis naqueles anos 80. O longo jejum de títulos, que já chegava a 16 anos, deixara o torcedor botafoguense em um estado de neurose absoluta. Qualquer boa vitória da equipe era encarada como o sinal da redenção, do retorno aos “anos gloriosos”. Quando isso acontecia, normalmente sua torcida enchia o Maracanã, apenas para testemunhar uma nova decepção e abandonar a equipe até que uma nova vitória lhe renovasse as ilusões.

E era exatamente nesse estágio de euforia e esperança que o torcedor botafoguense se encontrava naquela semana de clássico contra o Flamengo. O time de General Severiano, após um mau início, vinha se recuperando no segundo turno e brigava por uma das vagas para as finais. Tinha uma boa equipe, onde despontavam o lateral Josimar, o volante Alemão, o meia Elói e o atacante Baltazar. Além deles, havia nomes promissores, como o veloz ponta Helinho e o meia-atacante Berg. No comando, o jovem Abel Braga.

O Botafogo vinha de duas vitórias seguidas, sendo que numa delas engolira o São Paulo de Careca (3-1), o que fez com que sua torcida se mobilizasse para o clássico. E acabou se mobilizando demais... Na época destacava-se a figura de Russão, chefe de torcida organizada que se envolvia nos assuntos internos do clube e era uma espécie de porta-voz botafoguense para a imprensa. Pois, a dias do jogo, Russão foi dar uma entrevista bem-humorada para uma reportagem do Globo Esporte. Ao ser indagado sobre a grande quantidade de papel higiênico que separara para o jogo, o sujeito mandou: “é que isso aqui é pros jogadores do Flamengo, que se borram todos quando enfrentam a gente.” Zagalo soube explorar o episódio. Rapidamente repercutiu aos seus comandados a bobagem falada por Russão, dando-lhes a motivação perdida pela conquista antecipada da vaga.

E foi sob muitos rolos de papel higiênico que as duas equipes entraram em campo, diante de 68.734 pagantes. O Botafogo começa melhor, e logo no início abre o placar com Elói. A garotada do Flamengo parece atônita com o ritmo imposto pelo adversário, que realmente está embalado pelas vitórias recentes e motivado pela maciça presença da sua torcida. E foi aí que, talvez em homenagem a esses botafoguenses, o espírito de Garrincha tenha resolvido reencarnar no estádio. Só que com um pequeno detalhe. O Mané incorporou num jogador do Flamengo...O lateral-esquerdo Adalberto era o dono da posição desde a saída de Júnior para a Europa, no ano anterior. Habilidoso, driblador, Adalberto ainda estava inseguro, tendo que conviver com críticas de torcedores saudosos do ídolo que partira para a Itália. Faltava-lhe uma grande atuação para consolidar-se de vez como dono da posição.


E o dia dessa exibição chegara. Logo aos 10’, Adalberto tabela com Adílio, antecipa-se a Cristiano e toca na saída do goleiro Luís Carlos. A bola entra devagarinho, chorando, quase sem querer. O Flamengo empatava a partida, 1-1.


Depois do gol, os comandados de Zagalo ganharam confiança, e aos poucos foram se impondo em campo. Mas o jogo era equilibrado, o Botafogo também ameaçava. Porém, Adalberto começava a se destacar no ataque do Flamengo, jogando às costas de Josimar. O lateral rubro-negro vinha sendo um tormento para a defesa alvinegra e era um fator de desequilíbrio da partida.

Aos 40’, quando os times pareciam conformados com o empate, o garoto Paulo Henrique, que substituía Marquinho, recebe de Andrade e dribla Alemão. A bola espirra e sobra para Hêider, que fuzila para marcar 2-1. O Flamengo desce para o intervalo em vantagem.

O Botafogo tenta, no início do segundo tempo, repetir a blitz do início da partida, mas dessa vez quem faz mais um gol é o Flamengo. Hêider cobra falta, Chiquinho cabeceia, a bola desvia em Adílio e entra. Apenas 1’, o Flamengo já faz 3-1.


Após esse gol, todo o planejamento botafoguense foi implodido. O Flamengo passa a mandar no jogo, de forma inapelável. Garrincha, ou melhor, Adalberto está enlouquecendo a defesa adversária com seus dribles e arrancadas em velocidade. Abel tenta deslocar o volante Ademir para a cobertura de Josimar, sem sucesso. Ninguém consegue parar Adalberto. Ele é lançado, se livra de Alemão, ganha de Cristiano na corrida e rola para Chiquinho meter o quarto gol do Flamengo. A torcida entra em êxtase, e começa a entoar: “seis, queremos seis!” Para o torcedor botafoguense, era a reedição de um pesadelo.

O Botafogo está perdido. Abel comete o mesmo erro de Paulinho de Almeida, anos antes. Manda o time todo à frente, faz alterações malucas. Mas o Flamengo parece satisfeito com o placar, e o Botafogo começa a criar algumas chances de gol. O tempo vai passando, a torcida do Flamengo se esquece um pouco da história dos “seis” e se diverte com Adalberto.

Sim, porque Adalberto ainda estava guardando o melhor pro final. Já são 42’. Mané Garrincha, ou melhor, Adalberto, arranca em velocidade, está imarcável, deixa Josimar na saudade. Cristiano corre desesperado para cobertura, mas também é driblado de forma sensacional. Resta apenas o goleiro Luís Carlos. Adalberto se livra dele com uma finta de corpo desconcertante e só rola pro gol vazio, um gol antológico. Desde os tempos de Zico o Maracanã não presenciava uma atuação individual tão perfeita. Flamengo 5-1.

Mas ainda tinha mais. Alucinada pela atuação de Adalberto, a torcida do Flamengo empurra o time à frente. O Botafogo está zonzo, nas cordas. Abel já desceu pro vestiário. O time mal consegue dar a saída. Na retomada, a bola é passada para Andrade, que avança livre. Ele passa por Ademir, está na frente de Luís Carlos. Vai sair o sexto, novamente de Andrade, como em 1981. Mas Luís Carlos consegue espalmar o chute, só pra ver o rebote cair nos pés de Gilmar, que não perdoa. O Flamengo, como fizera pouco menos de quatro anos antes, faz SEIS no Botafogo. Gilmar não acredita, chora copiosamente. A torcida do Flamengo enlouquece no estádio.

Fim de jogo. Se algum botafoguense ainda tinha coragem em falar de “goleada de seis”, ela se dissipou após esse jogo. Dirigentes alvinegros estavam estarrecidos, um deles chegou a declarar que “depois do quarto gol temeu pelo pior”. Adalberto, o herói do dia, estava eufórico: “agora o papel vai ser pra eles enxugarem as lágrimas”. Por falar em papel, Zagalo, sempre irreverente, chama vários jornalistas para o vestiário e faz questão de “escrever” com papel higiênico o placar daquele jogo: “6 X 1”. Na verdade, o Velho Lobo tinha motivo para estar feliz, pois com um certo atraso ele também se vingava da goleada de 1972, em que era o treinador do Flamengo.Bem, depois daquele jogo o que se seguiu foi história. Tancredo, após longa agonia, acabou falecendo dali a um mês, o Botafogo entrou em parafuso e, como previsto, foi eliminado, e o Flamengo seguiu preparando o time para a Segunda Fase, na qual pôde estrear seu novo reforço. Ele mesmo, Zico.


Flamengo Net

Comentários