Por mais forte que seja a expressão utilizada no título desta coluna, creio eu que ela sirva para expressar bem os efeitos devastadores que os salários atrasados acarretam na imagem do Flamengo. E após um período de exceção – quando poucas vezes ouvimos falar deste problema ao longo das temporadas 2007 e 2008 – eis que a regra volta a se confirmar. Desde o primeiro dia do ano de 2009 temos que conviver com jogadores que se recusam a se reapresentar e a treinar, e com reuniões entre jogadores e dirigentes em pleno vestiário, onde o assunto principal é a cobrança dos salários devidos.
Basta uma pequena retrospectiva para relembrarmos aquilo que todos nós de fato gostaríamos de esquecer. Foi mais ou menos no ano de 2004 que o Flamengo começou a conviver com uma situação sufocante em termos financeiros: o bloqueio na justiça das cotas da Petrobras, por conta da inexistência das Certidões Negativas de Débito (CNDs) exigidas pela nossa patrocinadora estatal. Cabe aqui um esclarecimento: não é bem a Petrobras que exige as CNDs. Foi um juiz – não sei qual seu nome, qual sua vara ou qual sua especialidade – que querendo defender os interesses da população, exigiu que o Flamengo não estivesse em débito perante o governo para que o próprio governo pudesse repassar seus valores pagos a título de patrocínio. Tornou-se, a partir de então, o ônus de sermos patrocinados por uma estatal.
Em 2005, a situação se agravou. Sem CND durante toda a temporada, nossas cotas de patrocínios ficaram bloqueadas durante o ano inteiro. Não houve jogador que visse a cor do dinheiro naquela temporada, e não há como deixar de se traçar um paralelo destes problemas com os resultados em campo: 2005 foi, para mim, o grande ano a ser esquecido pelo Flamengo. Talvez o pior de nossos 114 anos de história.
Na temporada de 2006, um pequeno “acidente de percurso” mudou nosso destino pelos dois anos seguintes: a conquista da Copa do Brasil. Com participação garantida na Copa Libertadores da América do ano seguinte, o Flamengo passou a ser visto como vitrine para jogadores que, até então, fugiam do clube como o diabo da cruz. A ansiedade, enorme, fez com que fizéssemos mera figuração durante o Campeonato Brasileiro daquele ano. Não sem, é claro, atrasos salariais e coisas do gênero. Basta lembrarmos que Sávio, nosso ex-anjo loiro, voltou à Gávea e nos abandonou meses depois exatamente sob a alegação de que não conseguia conviver com os entreveros financeiros.
Vieram, pois, as temporadas de 2007/2008, e as duas participações consecutivas na Copa Libertadores – independente das frustrações que a torcida teve com os resultados em campo. Fazer parte do principal torneio de clubes do hemisfério sul faz bem às contas de qualquer clube, pois aumenta a exposição, as cotas de televisionamento, o valor e o interesse dos patrocinadores. Além disso, ao contrário do torneio caça-níqueis que é a Copa do Brasil, a Confederação Sul-americana de Futebol paga boas premiações aos participantes de seu principal torneio. Para completar o oásis rubro-negro, o governo federal lançou a Timemania, que parcelaria os débitos dos clubes perante a União, gerando Certidões Negativas de Débito automáticas a todos os clubes participantes da loteria. Nós, na condição de maiores devedores, sorrimos de orelha a orelha.
Eis que, como um trovão, ressoou a tragédia, e na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2008, o Flamengo deixou escapar a vaga para a terceira participação consecutiva na Libertadores. Tudo aquilo exposto no parágrafo anterior virou fumaça. Para piorar, a crise econômica mundial que deprimia o mundo desde o segundo semestre de 2008 rompeu a suposta “blindagem” brasileira e chegou aqui com toda a força. Precisando recorrer até mesmo a empréstimos perante o BNDES, nossa patrocinadora venceu a queda de braço e renegociou para baixo nosso patrocínio (de R$ 16,2 para R$ 14,2 anuais). No entanto, estes valores voltaram a ficar bloqueados na justiça, e os salários tornaram a atrasar. Só que ao contrário de 2006, o Flamengo não possui perspectiva alguma de que a situação financeira possa melhorar até o final do ano.
E da luz, fizeram-se trevas.
Ficam algumas perguntas:
1) Se a Timemania forneceu CNDs para os clubes envolvidos na loteria, porque as cotas da Petrobrás continuam bloqueadas?
2) Vale mesmo a pena renovar com uma patrocinadora estatal – enfrentando todas as problemáticas intrínsecas a este modelo – quando um patrocínio privado não geraria nenhuma destas dores de cabeça, facilitando o pagamento de salários e a recuperação da imagem do Flamengo no mercado?
3) Vale mesmo a pena renovar com uma patrocinadora que não interage com o clube, deixa de promover iniciativas/ações de marketing e que parece ignorar que este ano a parceria Fla-Petrobras simplesmente completa 25 anos – a mais longa do mundo?
4) Vale mesmo a pena renovar com uma patrocinadora que viveu às rusgas com clube nos últimos tempos, e que ofereceu as piores condições de renovação de contrato entre os grandes clubes brasileiros? (Cabe ressaltar que nenhum patrocínio caiu na magnitude do nosso, fazendo com que clubes menores como Palmeiras e Fluminense hoje possuam contratos mais vantajosos)
5) Sob que condições se deu a assinatura deste novo contrato com a Petrobras? As mangas da camisa de futebol estão livres ou continuam sendo de exclusividade da estatal? A Petrobras pode dividir espaço com outras empresas que por ventura se interessem em expor em mangas, calções, meiões ou afins? Existem premiações por títulos ou por desempenho?
6) Por que nada do que se negocia no departamento de marketing do clube vem mais à tona – sob o pretexto de que “cláusulas de confidencialidade” impediriam a divulgação de notícias? Em que pé anda a questão Fla x Nike, que há cerca de duas semanas teve uma audiência na justiça? Aqueles valores negociados com a Olympikus há cerca de um ano continuam de pé? Afinal, o fornecimento de material esportivo pela Olympikus a partir do meio de 2009 continua de pé??
Em nome do bom relacionamento que o blog e o colunista têm com a diretoria do Flamengo, seria de ótimo tom, além de uma enorme gentileza, que estas dúvidas fossem esclarecidas, clareando um pouco o emaranhado de questões que pairam sobre o clube nestes últimos e turbulentos tempos.
Vinicius Paiva – viniciuspaiva1@yahoo.com.br
PS: a revista Fut!, do diário Lance deste sábado enumerou as razões que levaram à soberania do São Paulo Futebol Clube no Brasil. O profissionalismo que se lida com os recursos humanos – jogadores, comissão técnica e funcionários - naquele clube é digno de uma multinacional, e certamente pode ser visto como uma das chaves do sucesso. Foi dito que os salários por lá só atrasaram uma vez, durante o plano Collor, e mesmo assim por coisa de três dias. Este deve ser o pensamento.
Cabe esclarecer que, neste sentido, me agrada saber que o Flamengo não contrairá mais nenhum tipo de dívida em 2009, e que o próprio elenco está fechado para contratações até o fim do ano. É essencial que se tenha de vez em mente que o que entrar de recursos (seja de patrocínios, venda de jogadores ou quaisquer outras excepcionalidades) PRECISA ser destinado EXCLUSIVAMENTE ao pagamento destas dívidas que levam o clube à catastrófica situação financeira atual. Um clube cujos débitos beiram a casa dos R$ 300 milhões se encontra à beira da bancarrota. Não podemos permitir que a situação saia do controle, pois quando as dívidas do Flamengo beirarem a casa do meio bilhão – quiçá um bilhão! - certamente será tarde demais para agir.
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