COLUNA DE SEXTA-FEIRA - André Monnerat
E se a ISL não tivesse falido?
Maracanã, segundo jogo da final do Campeonato Carioca de 2001, 43 do segundo tempo. O sérvio Petkovic cobra com perfeição uma falta da intermediária e dá o tricampeonato ao Flamengo. Mal imaginavam os eufóricos rubro-negros espalhados pelo país, ao ver as imagens do presidente Edmundo Santos Silva comemorando no gramado do Maracanã, o tamanho da preocupação que pairava sobre a cabeça do dirigente nas últimas semanas. Notícias preocupantes vinham da Suíça, dando conta da situação pré-falimentar da ISL - empresa que bancava todas as contas do clube na época. Se a ISL realmente quebrasse, não dava pra imaginar o que aconteceria ao Flamengo.
Mas a maré era realmente boa. Dois dias após o tri, a imprensa mundial noticiava a compra da ISL pelo magnata árabe Abdham al Fadul, que fazia um grande negócio assumindo por um baixo custo os contratos que a empresa tinha com parceiros de grande porte do mundo inteiro - inclusive o Flamengo. O novo fôlego da ISL deu ânimo à administração rubro-negra. Logo em seguida ao Estadual, o time conquistou a Copa dos Campeões, com um futebol irresistível e um quase-replay do gol de Pet sobre o Vasco, desta vez contra o São Paulo. Para o Brasileiro, o time foi ainda mais reforçado e, com uma campanha impecável, chegou ao hexa; após bater o surpreendente São Caetano na semi-final, o time venceu o Fla-Flu inesquecível da decisão - 1x1 no primeiro jogo, 3x0 no segundo. A supremacia rubro-negra no país era indiscutível. O capitão Vampeta era figurinha fácil em todos os programas da TV brasileira, esportivos ou não.
Em 2002, veio o primeiro tetracampeonato carioca da história do Flamengo, novamente em cima do Vasco - o que desencadeou uma onda de fechamento de padarias sem precedentes na história do Rio de Janeiro. Mas a gozação sobre os rivais servia apenas para aliviar a decepção da Libertadores, em que o time caiu nas oitavas de final no confronto contra o Rosário Central, da Argentina. O projeto Tóquio era adiado - mas o presidente Edmundo Silva, com os cofres cheios pelo aparentemente interminável maná árabe-suíço, tinha planos para que o retorno ao Japão não demorasse e fosse feito com toda a pompa e circunstância.
O mundo ficou assombrado quando, logo após a final da Copa de 2002, Edmundo convocou uma coletiva para anunciar a contratação de ninguém menos que Ronaldo Fenômeno, o herói da Seleção no recém conquistado penta. "Se Kléber Leite pôde trazer o Romário após a Copa de 94, pensei eu: porque não o Ronaldo agora? A força do Flamengo é sempre surpreendente" - declarou o dirigente, que tinha seu nome gritado nas arquibancadas do Maracanã a cada jogo e tirou de letra a convocação para a CPI do futebol, simplesmente não aparecendo para depôr no Congresso. "E, a partir do ano que vem, o Flamengo terá suas dívidas zeradas, construirá o Centro Monumental de Treinamento em Vargem Grande e iniciará a construção de seu estádio flutuante na Lagoa Rodrigo de Freitas, de frente pra sede na Gávea".
Procurado por jornalistas do Mundo inteiro, Ronaldo confirmava a realização de seu grande sonho. "É claro que não faço isso por dinheiro, estou abrindo mão de muita grana. Meu amor ao Flamengo é inquestionável. Depois de vencer tudo na Europa, é a hora de realizar meu sonho. Não há mais o que conquistar por lá, esportiva ou financeiramente".
A chegada ao Rio foi triunfal, com desfile em carro de bombeiros. Na estréia, Ronaldo (com a camisa 24, uma escolha pessoal que ninguém entendeu bem) fez o gol do empate contra o Barcelona, em amistoso em um Maracanã lotado. Mas logo na primeira partida oficial, o Fenômeno voltou a se confundir. E, nos primeiros três meses de contrato, pouco jogou. O time, sem sua referência no ataque, não engrenava.
Foi em novembro que estourou a bomba: o dinheiro da ISL simplesmente acabou. Al Fadul anunciou que todo o dinheiro do contrato de 20 anos já havia sido adiantado e que a torneira fechara - "é hora de começar a voltar dinheiro". Alguém fizera as contas erradas na Gávea, ou confiara demais na generosidade do árabe. Foi quando surgiu na imprensa o preço da realização do sonho fenomenal: Ronaldo ganhava 1,3 milhão de dólares por mês, mais despesas pagas -inclusive nas suas saídas pra noite carioca. Havia sido pago ainda um valor de 45 milhões de dólares à Internazionale pelo seu passe. O retorno em venda de camisas foi mais para torcedores organizados, que criaram camisas temáticas e venderam em torno do Maracanã e pela Internet. Não houve petrodólares que chegassem.
Ao mesmo tempo, a imunidade de Edmundo Silva chegava ao fim. Seu nome apareceu em um escândalo de desvio de dinheiro do INSS. Os salários na Gávea começaram a atrasar - de funcionários a jogadores. Ronaldo simplesmente sumiu do clube e anunciou sua ida para o Vasco. A imprensa mostrava documentos que registravam que fora gasto com os projetos do CT e do estádio flutuante um valor que daria para construir quatro Maracanãs. A situação ficou insustentável e, no início de 2003, veio o impeachment de Edmundo Silva.
O resto, todo mundo já sabe: com o buraco em que o clube se meteu, mesmo com o esforço de Márcio Braga, Hélio Ferraz e do ressuscitado Kléber Leite, foi inevitável o rebaixamento para a Série B do Brasileiro em 2004 - mesmo ano do vexame da derrota para o Santo André na final da Copa do Brasil, que poderia dar um consolo à sofrida torcida rubro-negra. Em 2005, Joel Santana ainda conduziu o time ao oitavo lugar da segunda divisão, o suficiente para que o Flamengo fosse reconduzido à elite após uma confusa disputa de repescagem reversa contra o penúltimo colocado do grupo H da série A.
Desde então, com Kléber Leite à frente do futebol, os resultados em campo melhoraram. o São Paulo já igualou o hexa brasileiro, mas o Flamengo faz campanhas dignas e chegou a vencer a Copa do Brasil, derrotando o Vasco do decadente Ronaldo na final (com a torcida entoando o famoso ô, Obina é melhor que Ronaldoooo!). Mas a crise financeira volta e meia retorna ao clube - como acontece agora, em ano de eleição, com receitas de TV todas adiantadas, atrasos de salário e muitas disputas internas.
Um dia isso muda.
• ANDRÉ MONNERAT trabalha com marketing e internet e escreve também no SobreFlamengo.
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