quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009


10 erros


Passado o tsunami da eliminação catastrófica e vergonhosa para o inexpressivo time do Resende, o Flamengo busca juntar seus cacos. E nós, pela enésima vez, nos perguntamos como é possível que o Flamengo possa ter permitido que a situação do clube tenha chegado a este ponto – pois apenas um ingênuo poderia achar que a eliminação em campo não tenha relação com o caos financeiro e administrativo que vivemos. Sendo assim, pensei em elaborar uma lista contendo dez dos principais erros relacionados à administração e às finanças do Flamengo. Relacionei 10, mas certamente existem dezenas de outros, que podem ser expostos pelos leitores nos comentários da coluna. Vamos a eles:

Erro nº 1 - Ser patrocinado por estatal. Este assunto já está esgotado (tendo sido fartamente discutido neste e em outros blogs na semana passada), mas não pode ser deixado de lado como fator de desestabilização das finanças do Flamengo. Ora, se apenas uma estatal exigiria do Flamengo Certidões Negativas de Débitos, e se o clube não as tem, porque não fugir deste problema insolúvel buscando-se patrocínios privados? Se o patrocínio da Petrobrás ainda fosse dos mais vantajosos... mas não é! Trata-se de uma parceira que paga pouco, especialmente após a última renovação (que para piorar se deu por três anos). Se os valores são baixos hoje, imaginem em 2011? Além do mais, não há sinergia entre as partes, nem ações de marketing, e nem liberdades para exploração de outras partes do uniforme por outras empresas. Enfim, um péssimo negócio. Para o Flamengo, é claro. Para a Petrobrás, é um negócio da China.

Erro nº 2 – Viver de adiantamento de cotas. Trata-se do basicão da administração doméstica, familiar. Não adianta gastar mais do que se arrecada em um mês utilizando-se do expediente do adiantamento de receitas futuras. Uma hora a corda arrebenta, pois esta é uma situação insustentável. E o pior é que, quanto mais a corda estiver no pescoço, mais o clube tenta adiantar receitas longínquas. É bem possível que o Flamengo já tenha adiantado toda a sua cota de TV para o ano de 2009, e não duvidem se houver – ou vier a haver – comprometimento das cotas de 2010. O desespero do curto prazo acaba com o planejamento de longo prazo do clube.

Erro nº 3
– Viver de empréstimos bancários. Esta é uma situação que costuma ser o passo seguinte da “engenharia financeira” quando todas as cotas já foram adiantadas, ou estão bloqueadas. Na própria semana passada, discutiu-se um empréstimo de R$ 10 milhões, possivelmente dando como garantias as cotas da Petrobrás que não foram liberadas. O problema é que instituição financeira não é sinônimo de instituição filantrópica, e estes empréstimos não são feitos nem a fundo perdido, nem a taxas de juros aceitáveis. Principalmente em momento de crise econômica mundial e elevações na taxa básica da economia. Neste exato momento, um servidor público federal (categoria que possui estabilidade no emprego), possuidor de carteira de crédito especial e que solicite um empréstimo consignado (com desconto direto em folha) paga aproximadamente 3,5% de juros ao mês. Isto numa das situações de menor risco possível para um banco! Imaginem quanto um Flamengo, inadimplente e endividado, não paga de juros?

Erro nº 4 – Fechar contratos longos com fornecedores e patrocinadores. Voltamos a uma situação exposta no item 1. Seria minimamente aceitável a redução do valor pago pela Petrobrás sob a justificativa de que a crise econômica inviabilizou a manutenção ou o aumento dos valores pagos anteriormente. Normal, o próprio São Paulo, tricampeão brasileiro, buscava alguma empresa que pagasse nada menos do que R$ 30 milhões/ano, mas o máximo que conseguiu foi renovar com a atual patrocinadora pelos mesmos valores de 2008. A diferença é que o São Paulo, que de bobo nada tem, fechou contrato de um ano. Se a crise for passageira, ou se o clube conseguir resultados mais expressivos que aumentem seu poder de barganha no mercado, ao final de 2009 haverá um novo ciclo de negociações no mercado. E isto poderá aumentar os valores pagos ao clube. Já o Flamengo fechou um contrato ruim e por 3 longos anos. Sabem o que vai acontecer? O mesmíssimo que está acontecendo hoje na relação Fla/Nike: litígio. Daqui a três anos, até clubes de menor exposição nacional, como mineiros e gaúchos, poderão atingir valores semelhantes aos do Flamengo, que se verá desesperado por melhores patrocínios. Daí para uma batalha judicial visando o rompimento unilateral do contrato é um pulo. Escrevam e me cobrem.

Erro nº 5 – Reverter recursos extraordinários em contratações, salários e luvas. Como eu disse aqui na semana passada, infelizmente a prioridade do Flamengo neste momento precisa ser pagar dívidas. Mesmo que em detrimento da formação de um bom elenco, afinal, um bom elenco pode não dar em nada (como não deu no ano passado). Mas o aumento da dívida (reforçado por estas “formações de bons elencos”) vai levar à FALÊNCIA DO FLAMENGO. É isto que nós queremos, afinal? Pela incidência de juros sobre juros, em pouco tempo estes R$ 300 milhões de dívidas se tornam R$ 1 bilhão. E ninguém pode dever valores nestes níveis impunemente. Eu realmente temo pelo dia em que autoridades públicas de fato decidam tomar uma atitude contra o Flamengo. Mas enfim, neste sentido não podemos nos dar ao luxo de, por exemplo, vender um Renato Augusto por R$ 15 milhões e torrar tudo em salários, contratações, direitos econômicos de jogadores, etc. Que me desculpem os puristas, mas clube com a corda no pescoço não tem o direito de pensar em “constituir patrimônio” sem antes cuidar do patrimônio existente ou mesmo pagar a conta de luz e o salário mínimo do funcionário da portaria.

Erro nº 6 – Permitir a deterioração do patrimônio. Fazendo um link com o tópico anterior, segundo reportagem veiculada no diário Lance do dia 21 de fevereiro, além dos direitos econômicos dos jogadores, o Flamengo teria 4 patrimônios: Gávea, Ninho do Urubu, Morro da Viúva e Mansão de São Conrado. Esta última, por já estar penhorada por conta de execuções fiscais, nem avaliada foi. O Ninho do Urubu também está penhorado, mas mesmo nesta condição, e com estrutura precária, foi avaliado em R$ 16 milhões. Como a Gávea não é considerada por alguns juristas como patrimônio do clube (por ser um terreno cedido pela prefeitura para prática esportiva), nossa “jóia patrimonial” seria o Morro da Viúva – complexo de apartamentos em estado caótico mas com excelente localização. Como tudo o que é nosso, o Morro também está penhorado. Em sua avaliação mais recente, ele valeria nada menos do que R$ 64 milhões. Fica a questão: entre deixar um patrimônio como este se desvalorizando jogado às traças, ou quitar dívidas com ele, qual seria a melhor solução? Existe uma possibilidade de arrendamento do Morro da Viúva por tempo determinado (ou seja, depois ele voltaria a ser nosso!) ao Consórcio Plaza, que cobra uma dívida de R$ 36 milhões, mas o senhor presidente do Conselho Fiscal do Flamengo, Leonardo Ribeiro, tem a seguinte opinião a respeito:

“ – Não vamos arcar com esta dívida, que é de responsabilidade total dos dirigentes da época. Se aprovarem (o arrendamento), vai ser prevaricação da atual gestão.”

Neste momento eu me dirijo ao senhor Leonardo Ribeiro: o senhor realmente prefere colocar as picuinhas políticas acima da solvência do Clube de Regatas do Flamengo?

Ps1: A dívida de R$ 36 milhões com o Consórcio Plaza foi contraída pelo senhor Kleber Leite - quem diria! – em 1997, quando ele ainda era presidente do clube e adiantou a quantia de R$ 6 milhões para a construção do malfadado shopping na Gávea. Este nunca saiu do papel. É curioso que o Flamengo dê segundas chances a alguns dirigentes, não acham? E é preocupante como dívidas de R$ 6 milhões multiplicam-se por 6 em uma década. São os juros, expostos no Erro nº 3.

Ps2: Só por curiosidade, o senhor Leonardo Ribeiro é/era o vulgo Capitão Leo, ex-presidente de uma facção organizada do Flamengo?

Erro nº 7 – Agir como clube europeu, comprando descompensadamente o direito econômico de jogadores. Como bem disse Renato Mauricio Prado em uma coluna do jornal O Globo na semana passada, não é curioso que o Flamengo saia “barcelonísticamente” comprando os direitos de todo mundo no mercado? Juan, Souza, Obina, Maxi, Bruno, Toró, Fierro, Aírton... De onde sai este dinheiro? Ou estas operações só serviram – pela milionésima vez – para aumentar a dívida do clube? Segundo consta, o Flamengo deveria quase R$ 6 milhões à Traffic pela aquisição de Fierro, um jogador que até o momento deu ZERO de retorno ao Flamengo. Não questiono a vinda de determinados jogadores, mas sim a forma com que eles são trazidos, e a cara-de-pau de alguns dirigentes de criarem mais dívidas em um clube sufocado pelo próprio vômito. Cabe ressaltar que há anos o São Paulo (sempre ele!) não gasta um tostão com contratação alguma. Ou contrata jogadores em fim de contrato (a custo zero), ou seduz jogadores lesionados (também a custo zero – sem contrato ou por empréstimo) tratando-os em seu centro de excelência em reabilitação física, o Reffis.

Erro nº 8
– Pagar altos salários como forma de se “compensar” os atrasos. Trata-se de uma informação que foi veiculada na coluna “De Prima” do jornal Lance há cerca de duas semanas. Segundo consta, seria um artifício para atrair aqueles que se assustam com a fama de mal pagador do clube. Seria uma espécie de “eu não recebo, mas quando vem, vem bolada”. O problema é que a bolada geralmente só vem alguns anos depois, multiplicada muitas vezes. Ao que eu me lembre, a coluna nem se referia aos salários dos jogadores profissionais, mas sim aos departamentos amadores e administrativos. Não tenho certeza se isto ocorre mesmo nestas áreas, mas dentro do departamento de futebol do clube, não há dúvidas. Alguns dos salários de jogadores do Flamengo são verdadeiros absurdos, e não à toa, nossa folha salarial atingiu níveis sufocantes.

Erro nº 9 – Negligenciar formas alternativas de se obter recursos. No desespero, qualquer tostão vira milhão, e de grão em grão... vocês já sabem. Pois bem, existem várias maneiras de se obter grãos por aí, mas geralmente elas não são ventiladas no Flamengo Um exemplo disso é o mecanismo instituído pela Fifa há alguns anos, de ressarcimento ao clube formador. Corrijam-me se eu estiver errado, mas segundo consta, os clubes por onde um jogador jogou desde os 18 até os 23 anos tem direito a 5% de toda negociação futura envolvendo o atleta. O Flamengo, na condição de um dos maiores celeiros do mundo, tem centenas de jogadores – a maioria desconhecidos – sendo negociados e renegociados por aí. Vira e mexe aparece um Victor Simões da vida, que ninguém lembrava que havia passado pela Gávea. Aliás, o próprio Victor Simões é um exemplo de atleta que já foi até mesmo negociado para o exterior. Será que ganhamos alguma coisa com isto? Outro exemplo é o volante Felipe Melo. Depois de se destacar na Gávea e em seleções de base, perambulou pelo Brasil até ser negociado (pelo Grêmio!) para a Espanha. Mallorca, Racing Santander e Almeria foram seus clubes até que o atleta foi vendido no ano passado para a Fiorentina pela bagatela de R$ 13 milhões de euros! Convocado por Dunga para o último amistoso entre as seleções principais de Brasil e Itália, o jogador foi titular e jogou muito bem. Isto expande ainda mais suas possibilidades de crescimento profissional, uma vez que a Fiorentina ainda não é um clube top da Europa. Resumo da ópera: o rapaz já movimentou MUITO dinheiro, e provavelmente ainda movimentará. Só não ouço falar o quanto o Flamengo se beneficiou no meio disso tudo.


Erro nº 10 – Ser uma casa da mãe Joana. Aí todo mundo sabe do que se trata. No Flamengo, dirigente X diz “pau”, enquanto o Y diz “pedra”. Informações sigilosas vazam para a imprensa, assim como assuntos de administração interna que não dizem respeito a ninguém fora do clube ou do elenco. Caio Junior, ano passado, reclamava semanalmente das fofocas, do vazamento de informações e da proporção que faziam com que tudo ganhasse no clube. Na época, de má vontade com o treinador, achávamos que pudesse ser Caio quem não aguentava a pressão. Mas entra ano, sai ano e continuamos a verificar a recorrência com que estas coisas se dão. E não podemos tirar a razão do ex-treinador. O grande Leonardo, ex-lateral do Flamengo, São Paulo e Milan, já disse que não concorre à presidência enquanto a estrutura administrativa do clube for como é, pois é ela quem permite este sem-número de “aspones” dando pitacos e desestabilizando a diretoria. O Flamengo é assim. Salvo exceções – e elas existem! – o que se vê é que o clube afugenta investidores e dirigentes sérios. Trata-se do mais perverso tipo de seleção adversa que se tem notícia.

Assistamos, pois, à decisão entre Botafogo x Resende do sofá de nossas casas, na esperança de que se repita o ano de 2006 – quando o fracasso no estadual levou a um foco maior na Copa do Brasil.

Um abraço.

Vinicius Paiva – viniciuspaiva1@yahoo.com.br

Flamengo Net

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