As Veias Abertas do Rubronegrismo
Não vejo a hora do Carioca começar. Não estou suportando sequer entrar na home do Flamengo aqui no globoesporte.com. Um monte de noticia nada a ver, que não dizem absolutamente nada para o heróico torcedor rubronegro. E juro para vocês que não é pela falta de noticias sobre contratações de impacto pro Fuderosão. Então trato de procurar outras leituras, mais agradáveis aos sentidos.
Hoje, durante o tradicional assado do primeiro dia do ano, um tio cordobês me mostrou um texto do Eduardo Galeano, escritor uruguaio maluco por futebol e famoso pelo livro cabeça dos anos 70, As Veias Abertas da América Latina, um clássico do tempo em que homem usava cabelo grande e bolsa à tiracolo. O texto, intitulado Por qué Todavia No Me Compré um DVD não tinha uma palavra sequer sobre o belo esporte. Mas dizia mais sobre o momento atual do Flamengo e do futebol do que tudo que tem saído na imprensa especializada nos últimos meses.
Galeano começava o texto assim: “O que acontece é que não consigo andar pelo mundo jogando as coisas fora e trocando pelo modelo seguinte só porque alguém teve a idéia de lhe agregar uma nova função ou diminuir seu tamanho.” E engatava uma segunda nessa linha de raciocínio dizendo que a geração dele (mais próxima da minha do que da molecada criada no danoninho) sempre teve dificuldade para jogar as coisas fora. Que foram ensinados desde pequenos que as coisas devem ser guardadas para que um dia voltassem a ter utilidade.
Depois de explanar longa e brilhantemente sobre a quantidade de coisas que, seguindo o conselho de pais e avós, guardou durante muitos e muitos anos nas gavetas da vida, concluía que no tempo em que Dondon jogava no Andaraí as pessoas compravam coisas para durar não apenas para toda a vida, mas também, para a vida daqueles que os sucederiam e para os filhos destes. Para no final admitir que seu medo era que com a moderna descartabilidade consumista a identidade se vai perdendo e junto com ela a memória coletiva que se vai jogando fora a cada troca de celular, de carro ou de elenco do time no fim de cada temporada. Se tiverem paciência leiam o texto que, infelizmente, só encontrei em espanhol.
Leiam e pensem se essa mania de trocar tudo e de jogar tudo fora ao fim de cada temporada, quando aplicada ao futebol, não acaba por solapar o que pra nós torcedores é o que há de mais precioso, isto é, a identificação do jogador com o clube e, por extensão, com a torcida.
Bem, não faz tanto tempo assim em que qualquer torcedor, até os modinhas e aqueles que só apareciam nas finais, sabia de cor e salteado o nome e as características de todos os jogadores do seu time, reservas e titulares. Não era difícil. Os jogadores ficavam anos nos clubes, criavam raízes. Mesmo os que não fossem cracaços eram queridos e admirados pelos torcedores.
Porque nesse tempo até os perebas do Flamengo tinham valor, porque eram os nossos perebas. Jogavam no nosso time e se orgulhavam para caramba disso. Nunca que um dos nossos dava uma entrevista dizendo que o clube do fulano ou do sicrano tinha mais estrutura ou que lá sei onde o salário não atrasava. Era quase como se fizessem parte da família.
E como era mesmo uma família ninguém na torcida aprovava ou achava normal dispensar metade de um elenco de um ano para o outro, ou mandar alguém embora porque teve um ano ruim. Quanta diferença pra hoje em dia. É a própria torcida que exige barcas repletas após cada jogo perdido. E que reclama se não enchemos o carrinho nos Peg-Pag da vida a cada dezembro.
Tal atitude me parece um anti-rubronegrismo perigoso. Porque se tem algo que sempre caracterizou o Flamengo foi a sua permanência e a sua irredutibilidade estóica. Pra dar só um exemplo brutal: vocês não se sentem ofendidos em sua inteligência ao ver que os mesmos boca-moles que clamavam pela eliminação física do Souza em julho agora em janeiro se lamentem porque ele vai jogar na aética gambazada do arraial sem praia? Fala sério.
Tal atitude incoerente não lhes parece uma falta de caráter terminal? Presta atenção torcidão maravilhoso e passional. Será que esse consumismo idiota que agora nos obriga a sempre comprar tudo novo e a jogar fora o que ainda poderia ter uma longa vida útil não está nos fazendo mais infelizes, intolerantes e menos rubronegros a cada ano? Pensem nisso e feliz 2009 pra geral.
Mengão Sempre
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