COLUNA DE QUARTA FEIRA João Marcelo Maia
Eu não desgosto de Márcio Braga. Seu nome está associado a um dos grandes momentos da história do Flamengo, e acho que ele realiza esforços sinceros para retirar o clube da situação financeira caótica em que se encontra. Entretanto, essa última frase proferida pelo nosso presidente confirmou a impressão que tive há algum tempo: Márcio Braga não entende a alma rubro-negra.
O Flamengo é grande sob qualquer critério possível: torcida, paixões, conquistas e ódios. É comum os adversários nos classificarem como "arrogantes", dada a confiança que move a torcida e a intimidade com a glória que cerca qualquer simples treino na Gávea. Ao vestir o manto, um armador mediano corre sério risco de se transformar num novo Maradona ou de parar na seleção brasileira. Tudo no Flamengo conspira tanto a favor da grandiosidade, quanto do fiasco absoluto e incomparável. Nenhum outro elemento na cultura brasileira é, ao mesmo tempo, tão nobre e tão visceralmente popular. E, se há uma virtude típica dessa nobreza, esta é a suave consciência da superioridade.
Nada mais distante dessa consciência do que a fanfarronada gratuita. O sujeito fanfarrão chafurda na mediocridade, até o dia em que se descobre próximo de uma grande vitória. Como não convive de forma íntima com a glória, sai por aí gritando sua possível conquista, e ao fazê-lo, evidencia a todos sua impostura e sua falta de classe. São fanfarrões dessa estirpe gente como Renato Gaúcho e Eurico Miranda. Não deveria sê-lo o presidente do Flamengo, clube que é épico até na hora de contabilizar sua montanha de dívidas. Quem já atingiu os píncaros do mundo esportivo não deveria se extasiar diante da possibilidade de mais uma conquista, mas sim cerrar os dentes e perseguir a vitória junto aos seus. Chamar a torcida e urrar o prazer intransferível de ser um Flamengo.
Nossa condição cósmica não nos é garantida por frases bombásticas, mas por uma combinação entre origem, história e mística. Nada disso pode ser corretamente traduzido por uma fanfarronada do tipo "já encomendamos o chope", mas apenas pela vivência cotidiana do ser Flamengo. E essa vivência é marcada por luta, garra, confiança e... uma certa arrogância, por que não? Mas nunca uma arrogância grosseira. Nunca algo que faça outros rirem de nós. Márcio Braga, deixe o exercício da correta arrogância para nós, meros torcedores, mas intérpretes autorizados da alma rubro-negra. Nós a traduzimos cada domingo na forma de poesia popular.
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