segunda-feira, 29 de setembro de 2008

TEXTO DA SEMANA - Marcelo Caju

Marcelo Caju, 37 anos, militar residente em Porto Alegre, acompanha o Flamengo em qualquer lugar no Sul. Na foto, ele aparece ao lado de Adílio, em ocasião da disputa do campeonato brasileiro de juniores em Porto Alegre.


Ver jogo do Flamengo fora do Rio de Janeiro é um verdadeiro caso de exilado político, principalmente no Sul do Brasil, onde nossa torcida é grande, comparando com a dos demais visitantes, mas não como nas outras regiões em que é sempre imbatível.

Sempre que possível, via os jogos nos estádios por aqui: Olímpico, Beira-Rio, Alfredo Jaconi, e até na Argentina, mas com tantas atividades profissionais, alguns jogos são vistos mesmo pelo conforto de uma TV. É sentar, torcer, vibrar e sofrer...

Depois daquela fatídica partida contra o Santo André, jurei que não veria jogos finais envolvendo o Flamengo. Era muito sofrimento, pois carregava a herança de Marcanã, ficava gritando, reclamando, xingando, até recebendo broncas da Dona Encrenca que sempre dizia:

- "Parece até que eles estão te escutando...Pára com isso!".

Mas é impossível. É muito sofrimento, muito sentimento. Lembro de 2005, nosso clube vivendo aquele drama do rebaixamento, fazendo contas, vendo os outros resultados, realmente algo que mostrava o sentimento de aflição alternado com paixão pura. O jogo era em Caxias, contra o Juventude, e com aula à noite não pude ver o jogo ao vivo, e resolvi acompanhar pelo rádio na aula. Mal coloquei a estação e o gaúchos já venciam por 1 a 0. Quando a aula terminou, recebi um torpedo no meu celular de um colorado doente que ironizava: "É bom esse Framenguinho!!! Ju 2 a 0!". Daí pensei, fudeu, Joel Santana já estreando com derrota, que merda...

Peguei o trem, cheguei em casa desanimado, liguei a TV, tava lá, Juventude 2 a 0. Fiquei quieto, mas resignado. A mulher chegou e disse: "Viu como esse teu time é ruim, você só fica sofrendo...".

Ela foi dormir em seguida. Lá pelo 43 do segundo tempo, pênalti para o Flamengo e Renato Saci diminui. Deu aquela esperança. E eu pensando bem quieto: "É bola para dentro da área, vai se Deus quiser! Chuta essa porra!". E o milagre acontece aos 46 minutos: Junior (a Depilada), empata! Eu dei um "Puta queo Pariu!!!!! Porra!!!!" tão alto, que acordou todo mundo. Levei outra bronca, mas disse simplemente feliz: "Empatamos...".

Sábado, 27/09, novamente chego da rua, tinha passado em um shopping e vi numa loja que o jogo seguia 0 a 0, sendo que ao acabar o primeiro tempo, fui direto para casa para ver o segundo tempo do jogo. Cheguei, liguei a TV, já estava 0 x 1 para o Sport. "Fudeu". Comecei a esbravejar contra a apatia do time. Dona Encrenca entra na sala e solta umas das suas pérolas: "Teu time hein... não adianta ficar falando que eles não vão te escutar...". Fiquei quieto na minha.

Jogo encardido, com genérico pernambucano, que recuou até o Carlinhos Bala, na defesa. Mas pelo menos já se via alguns lances de superação, umas jogadas com mais vontade, carrinhos, aquilo que todo rubro-negro autêntico sempre preza em qualquer time do Flamengo: RAÇA.

Depois que Juan tabelou com Vandinho veio o empate, comemorei com um grito moderado, daquele resignado pelo empate, mesmo sabendo que não era bom resultado. Veio minha empregada (babá, assessora aleatória, vó de aluguel...), que é gremista, e disse: "Se você gritou é porque empatou...". Porém faltava algo mais. Percebia que o time encarnou naqueles últimos vinte minutos, algo que todo mundo gosta de ver e tempos atrás andava sumida da Gávea: garra.

Sambueza, com uma raça fora do comum, cavou um escanteio. Bateram tão rapido que ele estava de costa para o lance, o defensor do Sport raspou de cabeça e Vandinho, em pleno oportunismo, desempata. Dei aquele grito primitivo de um homem de Neanderthal: "Ahhhhhhhh!!! Ahhhhh!!!! AAhhhhhh!!! AAhhhh"!!! Bati na porta algumas vezes com toda vontade, colocando aquela angústia, aquela insatisfação e aquele rancor que é ter de torcer longe do seu local de origem. Ninguém foi na sala me repreender. Elas sabiam o que tinha acontecido. O Flamengo tinha virado a partida.

Já estava de pé na sala, esperando o apito final, quando tocam a campainha. Pensei que fosse um dos mendigos que batem aqui, pedindo comida, porém, quando olhei na janela, junto com minha mulher, era um policial (Brigada Militar aqui no Sul...):

- Tá todo bem aí? - perguntou o policial desconfiado...

- Tá... tá tudo bem - respondi, espantado.

- É que recebemos um denúncia de possível invasão aqui, próximo a este endereço, quando escutamos uns gritos e batidas. Resolvemos verificar - disse ele.

-Pôxa, soldado, desculpa, era o jogo de futebol aqui, saiu um gol - falei, já pedindo desculpas.

- Ah tá, jogo de quem? - pergunta ele.

- Flamengo -, exclamei, cheio de orgulho - 2 a 1!

- Hum... - encerrou o policial, já dando meia volta e rindo para o companheiro ao lado.

Foi uma risada geral, saí com a dona Encrenca para uma festa depois, todo felizão!

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