segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Derrota tática

Uma das poucas vantagens de ter enfrentado cerca de 850 kms num apertado ônibus de excursão, neste último domingo ocupado por uma viagem de ida e volta entre Curitiba e o estádio do Morumbi, foi a visão ampla que tive do plano tático das equipes em campo.

E o jogo que eu vi não seria bem explicado pela fraca atuação técnica deste ou daquele jogador, aspecto que muitas vezes parece se destacar para quem assiste pela TV - meu caso, aliás, na grande maioria das 38 rodadas da competição.

A derrota não foi culpa do Josiel, claramente sem ritmo de jogo. Nem do apagado Juan, que pouco produziu ofensivamente. Nem da apatia de Léo Moura ou da falta de inspiração de Ibson. Nem da timidez de Everton. No plano individual, praticamente todos ficaram devendo - salvo, talvez, o goleiro Bruno e mesmo Fabio Luciano, um dos melhores rubro-negros em campo, que errou ao não acompanhar Dagoberto no lance do primeiro gol.

A chave do jogo é simples. O São Paulo, tampouco bem tecnicamente nos 20 ou 25 minutos iniciais, fez uma partida taticamente muito boa, em nível próximo daquele que o levou a conquistar o incontestável bicampeonato no ano passado.

Das frias arquibancadas na tarde de ontem, era fácil perceber o esquema do São Paulo. Quando defendiam, os tricolores atuavam com suas linhas bem compactas, um 3-4-2-1 , e a marcação da saída de bola bem adiantada, começando por Dagoberto e Hugo, já no campo de defesa do Flamengo. Quando recuperavam a bola - e isso passou a acontecer com constância a partir da metade do primeiro tempo -, os donos da casa atacavam com um 3-4-3. O artilheiro são-paulino Hugo - talvez o coadjuvante mais valioso e menos valorizado do futebol brasileiro - fazia com eficiência o papel de terceiro atacante e sua movimentação, assim como a de Dagoberto (melhor em campo, na minha opinião), confundia o sistema de marcação do Fla.

Hernanes, alvo de críticas de Muricy Ramalho na entrevista coletiva, também subia com liberdade e confundia a marcação rubro-negra. Zé Luis e Jorge Wagner deram pouco espaço para os alas do Flamengo e, quando subiam (principalmente o primeiro), não eram acompanhados por aqueles que marcavam. E tudo isso com o suporte de quatro zagueiros - os três de ofício (André Dias, Rodrigo e o ótimo Miranda) - e o cão de guarda Jean, que liberava Hernanes para subir.

O Flamengo, ao contrário do que eu imaginava, partiu para cima do São Paulo, e acabou fazendo o jogo que os são-paulinos queriam, oferecendo o contra-ataque. Caio Junior não soube congestionar a zona central do campo e, principalmente, impedir que os alas do São Paulo - bem abertos - tivessem liberdade quando o Tricolor tinha a posse de bola. A marcação era bem recuada, propiciando muitas faltas nas imediações da área.

Estava claro que, aos poucos, o São Paulo tomava conta do jogo e, pior, induzindo o Flamengo ao erro - coletivo e individual. E ele aconteceu no primeiro gol da partida. Repare na imagem que o sistema defensivo estava completamente mal posicionado - Ibson teve que correr para cobrir um buraco pelo lado esquerdo, Angelim ficou para cobrir Ibson e Jailton (mais baixo) tendo que correr para marcar André Lima. Já Fabio Luciano, mais pesado, teve que marcar o rápido Dagoberto e quis ser mais malandro que o malandro, ao parar e clamar por uma ação do bandeirinha. O Flamengo nesse lance perdeu a vantagem da sobra e o gol seria, como foi, o desfecho normal. Erros que se repetiriam depois da volta do vestiário, quando o São Paulo desperdiçou a chance de matar o jogo já aos 3 do segundo tempo, numa finalização bisonha de André Lima, em outra jogada construída por Zé Luis.

A marcação cerrada do São Paulo fez a diferença. O time de Muricy não deixou o Flamengo jogar. Ofereceu poucas chances de contra-ataques, e quando isso acontecia, quase sempre chegava junto, com força física, parando a jogada - André Dias, por exemplo, fez isso no primeiro tempo, depois de um lance de bola parada.

No ataque, o Flamengo foi vítima principalmente da incapacidade de uma saída de bola inteligente, capaz de impor seu jogo. Ibson, estranhamente, muitas vezes posicionou-se à frente da primeira linha de marcação são-paulina, justamente ele, que é notório pela sua capacidade de carregar a bola ao ataque com qualidade. Isso fez com que ele muitas vezes recebesse a bola de costas para a marcação, em más condições de domínio, propiciando o desarme são-paulino. Sem saída de bola, o Flamengo por algumas vezes fez ligação direta para Josiel, que atuou bastante isolado na frente. Pelo lado esquerdo, Everton estava em tarde indigna de nota - o garoto parece que sentiu o peso de enfrentar o São Paulo fora de casa. Kleberson, muito criticado aqui no Blog, por algumas vezes teve que se desdobrar para cobrir Ibson e Léo Moura, que dava espaços para Jorge Wagner. Nisso, deixava Hugo livre.

A maior culpa de Caio Junior, creio eu, não foi a demora nas substituições. Ele pecou em não tirar o apagado Everton no intervalo e substitui-lo pelo argentino Sambueza. Mas principalmente por desperdiçar a semana de trabalho. Exemplo: Josiel, que até o final da tarde de quinta não tinha condições legais de jogo, treinou a semana toda com os reservas. Logo, Caio Junior deveria ter escalado a formação (em tese) mais entrosada - com Vandinho, por exemplo. A opção tática de escalar Airton, aparentemente retranqueira, talvez tivesse sido mais útil no jogo de ontem - o Flamengo poderia se defender de forma mais compacta e deixar Juan livre - e com a retaguarda que não houve - para os contra-ataques.

Mas isso é mera hipótese. Certo é constatar que, com as seguidas boas atuações de Sambueza, e com um insistente ponto de interrogação no ataque, ainda não temos um time claramente definido. Para quem toma o tecnicamente fraco Jailton como bode expiatório, aviso que ele não sai mais do time, pelo menos enquanto Caio assinar a súmula. Portanto, qualquer debate sobre os onze deve levar sua escalação como certa.

O próximo jogo tem muito a dizer sobre a participação do Flamengo no restante da competição. A maioria dos adversários não assusta e a tabela é recheada com jogos em casa. Mas, contra o Ipatinga, é preciso vencer e convencer, até mesmo para reanimar a torcida. E Caio precisa definir logo um time, com os melhores, e acertá-lo taticamente. No mais, temos que esperar boas atuações no plano individual - não há esquema que supere um dia ruim da maioria dos jogadores.

Se isso acontecer, é possível acreditar numa arrancada. Se não suficiente para o título, que pelo menos sirva para uma vaga na fase de grupos na Libertadores.

A se confirmar a vaga, terá sido um bom resultado para um grupo que sofreu com muitos problemas na segunda metade do primeiro turno, quando obteve míseros 9% de aproveitamento em oito rodadas. Mas pouco, muito pouco, para o clube, que mais uma vez frustra o sonho da torcida, ansiosa por um título de prestígio.

Flamengo Net

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