quarta-feira, 10 de setembro de 2008

COLUNA DE QUARTA-FEIRA João Marcelo Maia

Das comemorações e do espírito rubro-negro

Ontem li um comentário feito aqui no blog a respeito das comemorações de gol protagonizadas pelo Robinho. A despeito do palavreado chulo, não pude deixar de concordar com o sentido geral da crítica, pois ver um jogador profissional chupando dedo daquela forma produz em mim um profundo sentimento de vergonha alheia. Aliás, por que diabos os brasileiros vêm se esmerando em transformar o momento mais catártico e sublime do futebol numa pantomina infantilóide? Posso pensar em inúmeras respostas pseudo-antropológicas, mas aqui só gostaria de ressaltar os efeitos negativos disso para a república rubro-negra, que é o que nos interessa.

Comemoração bonita e visceral era aquela do Zico, correndo feito louco pelo verde do Maracanã ao encontro da torcida. Era como se o gol só pudesse ser completado depois do jogador submergir na massa das arquibancadas, como num ritual que enfatizasse a comunhão mística entre o um e o Todo. Penso também na comemoração de Júnior depois daquele belo gol de falta na final do Brasileiro de 1992, quando vi um sujeito de cabelos grisalhos pulando enlouquecidamente e girando os braços de forma desordenada. Ali não havia nada de infantil ou ridículo, pois não era coreografado, ensaiado ou repetido. Era uma simples explosão anárquica de felicidade, como se Júnior estivesse dizendo: "Eu simplesmente não acredito que tenho a felicidade de ser Flamengo e fazer um gol como esse, neste jogo". Ou mesmo o famoso desmaio de Pet depois do gol de falta de 2001. Ali não havia dancinha programada, mas simplesmente a entrega após o gozo, como se o gringo estivesse se aninhando à relva e se cobrindo com o manto sonoro do Maracanã.

Eu sinto falta de tudo isso. Até acho engraçada uma ou outra dancinha coreograda, mas me incomoda a mesmice, a padronização e a espetacularização disso tudo. Parece que o jogador não faz gol para a torcida, mas para a câmera, para a família em casa, para o patrocinador ou para o mercado publicitário. É como se estivessem roubando uma parte fundamental do futebol, que é esse "encontro" entre time e torcida na comemoração. Essa comunhão é a grande força do Flamengo, é a chama que garante a condição cósmica do clube, é o ritual religioso que dá sentido à nossa república (ou ao nosso Império, como queiram).

Fecho com um pedido aos jogadores rubro-negros: esqueçam as dancinhas, as rodinhas com palminhas, os corinhos em círculos, os beijinhos para câmeras. Vocês não são crianças, mas homens que têm o privilégio de jogar no Flamengo e de encontrar sua torcida ao menos uma vez por semana. Não percam a oportunidade de se sentirem imortais, ao menos por alguns segundos depois de um gol. Corram para a arquibancada, façam uma pirâmide em frente às cadeiras, soquem o ar, gritem impropérios e fiquem ensurdecidos com a muralha sonora feita por nós. Pouca gente no mundo tem a possibilidade de transcender a vida mundana e tocar o divino. Aproveitem.

Flamengo Net

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