domingo, 24 de agosto de 2008

Às margens do Rio Guaíba

* Por Mauricio Neves

Um antigo narrador da Rádio Gaúcha (tão antigo que os mais antigos referiam-se a ele como o speaker da Gaúcha) abria as transmissões das tardes de domingo assim: Porto Alegre, quinze horas. Dentro de mais alguns instantes viveremos outra batalha às margens do Rio Guaíba. Batalha às margens de um imenso rio, aquilo me soava épico, e aos oito anos de idade eu ouvia as jornadas esportivas da Gaúcha só para imaginar os duelos que antecediam o mais belo pôr-do-sol do sul do Brasil. Claro, desde que o Flamengo não estivesse jogando sob o vozeirão de Jorge Cury na Rádio Globo.

Um dia deu-se a coincidência: a batalha às margens do Rio Guaíba seria um jogo entre Internacional e Flamengo, pelo campeonato brasileiro de 1982. O jogo foi televisionado e, comandados por Zico, vencemos. Em tempo: vencemos um dos mais belos e emocionantes jogos dos nossos anos de ouro.

Aos vinte e três minutos Júnior lançou Adílio, que matou no peito e deixou Zico na cara de Gilmar Rinaldi. O chute bateu no goleiro, mas Zicão pegou a sobra e meteu de cabeça: um a zero. Porém, é preciso que se diga, era bravo aquele time do Internacional, que conquistaria meses depois o bicampeonato gaúcho: eles empataram com Mauro Pastor e viraram com Geraldão, já no segundo tempo. Imaginei que o speaker pampeano devia estar saudando os gols colorados com um entusiasmo de Camões, virada histórica, senhoras e senhores, virada histórica no gigante de concreto armado às margens do Rio Guaíba.

Fui tirado do transe quando meu pai gritou, é agora!, e lá estava Lico entrando na área pela ponta esquerda. Lico tocou para Zico, Zico dominou e tocou rápido para Adílio, Adílio mais rápido ainda para a direita, e lá vinha Reinaldo, fechando pela direita nosso ataque demolidor, uma bomba para empatar o jogo. Se você nunca viu esse gol, imagine o gol de Jairzinho contra a Inglaterra, em 1970, mas com a bola passando por um jogador a mais. Da esquerda para a direita, Lico, Zico, Adílio, Reinaldo: dois a dois.

Já estava em curso a virada sobre a virada histórica, e Lico invadiu pela esquerda de novo, tocando desta feita para Vitor, que entrara no lugar de Andrade. Zico marcadíssimo, Adílio idem, então Vitor aparou com o pé direito e enfiou a canhota na bola, à esquerda de Rinaldi. 41 minutos do segundo tempo, silêncio sepulcral às margens do Rio Guaíba: Mengo três, Inter dois.
Acabou o jogo, meu pai pegou o telefone para sacanear um compadre colorado que, incauto, telefonara eufórico quando do gol de Geraldão. Eu corri para o quarto, liguei o rádio e sintonizei na Gaúcha para ouvir o narrador dizer: - Impressionante, senhoras e senhores, impressionante o que fizeram estes homens de vermelho e preto nesta noite de 17 de março de 1982 às margens do Rio Guaíba. Nós assistimos à grandiosidade do futebol dos campeões do mundo, nesta noite, às margens do Rio Guaíba.

Eu dormi feliz.

(Publicado originalmente no dia 8 de setembro de 2004)

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