quarta-feira, 23 de julho de 2008

COLUNA DE QUARTA-FEIRA - JOÃO MARCELO MAIA

Das explicações

Quando procuramos explicar alguma coisa, nunca nos damos conta da complexidade envolvida nesse aparentemente simples ato. Afinal, parece fácil "explicar" a queda de um corpo, a morte de um organismo ou uma explosão nuclear. A coisa muda de figura quando se trata de explicar um livro ou um poema, pois estamos diante de textos produzidos por seres humanos e dotados de sentido. O futebol partilha essa característica, e basta atentar para a diversidade de interpretações dadas pelos torcedores sobre o que acontece em campo para atestar esse fato. Diante disso, como explicar a campanha do Flamengo e esse texto irregular e acidentado que o time vem escrevendo?

É possível nos atermos aos fatores objetivos. Perdemos o artilheiro do time e um dos únicos meia-armadores do elenco. Resultado? Dois jogos em que exercemos relativa hegemonia ofensiva terminaram sem um mísero gol flamengo. Jônatas e Ibson são jogadores razoáveis para o padrão atual do futebol nacional, mas não são meias como Renato Augusto o era. Não encostam nos centroavantes e não surgem bem na frente para tabelas e finalizações. O time agora está mais parecido com o que Joel montou em 2007: meio campo cheio e ataque isolado. Caio Jr. vinha tentando flexibilizar essa armação, pois percebeu que ela não nos dava regularidade na frente. Agora, vai ter que remontar essa equação.

Mas existem explicações para além dos aspectos puramente objetivos. Já perceberam que o time parece refugar quando se vê diante de um palco pronto para o sucesso? Foi assim contra o São Paulo num Maracanã lotado e ansioso por um triunfo que consolidasse as expectativas despertadas pelo início do campeonato. Foi assim agora, quando a vitória contra o Vasco parecia a garantia de que consolidaríamos uma liderança folgada por algum tempo. Naquele contexto, o jogo contra o Coritiba poderia ser lido como um acidente. Mas depois do jogo contra o Vitória...

Esse campeonato de pontos corridos parece monótono e desprovido da carga emocional que cerca as grandes finais. Mas agora o Flamengo parece ter se dado conta de que é uma competição que exige nervos de ferro todo dia. Cada jogo ganho põe mais pressão sobre o próximo, como se a equipe tivesse que provar cotidianamente que ela está "pronta". E em duas oportunidades, os nervos parecem ter falhado. Sei que vão argumentar que não tem nada a ver, ou que o problema é puramente tático, técnico etc. Contudo, acho que o futebol comporta dimensões que não são traduzidas apenas em números e esquemas. E me parece impossível explicar esse texto rubro-negro 2008 sem entender o que altera a psicologia coletiva do time quando se vê perto da glória. Sugestões?

Dica literária

Para os que simpatizam com a idéia de tratar o futebol como um texto, sugiro o mais recente livro de José Miguel Wisnik, intitulado "Veneno Remédio: o futebol e o Brasil" e lançado neste ano de 2008. O autor não partilha do nosso evangelho rubro-negro, mas é um dos mais talentosos escribas do patropi e mostra de forma exemplar como o futebol comporta inúmeros significados literários, poéticos, psicológicos, culturais etc.

Flamengo Net

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