- Ô, neguim abusado!
Era o meu pai, assistindo aos gols do Fantástico, um domingo qualquer no fim dos anos 70. O neguim era Adilio, entortando um beque e deixando para Zico cravar mais um gol daquele Flamengo. Adilio de Oliveira Gonçalves, passo de malandro da Cruzada, ginga de James Brown, puro sangue rubro-negro solto gramado afora.
Pouco tempo depois o time fez um amistoso aqui em Lages, e no jantar festivo entre a delegação e notórios flamengos locais, houve uma homenagem aos jogadores. Cada um de nossos craques recebeu de lembrança um pequeno sino, do tamanho de um chaveiro, com o nome da cidade gravado. Meu pai escolheu Adilio, e o neguim abusado saiu rindo, feliz da vida, tilintando o sininho sob os nossos aplausos.
Eram poucos os jogos televisados. Mas ressoava na sala de casa a voz de trovoada de Jorge Cury: - Adilio passa de passagem por Abel! Ê, neguinho bom de bola esse Brown! Meu pai concordava, olha o Adilio, meu filho - e eu olhava olhava para o rádio -, vai muito longe com esse drible fácil. Adilio foi longe demais, foi driblar de norte a sul, foi bailar feito um James Brown com a bola nos pés, foi sangrar em Santiago e foi entortar ingleses em Tóquio.
- Ô, neguim abusado!, disse eu mesmo, três décadas depois de meu pai. Logo depois, ouvi uma trovoada.
Era Jorge Cury, rindo satisfeito lá no céu.
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