O normal seria que o nosso adversário de quinta-feira estivesse cagando e andando pro jogo. Líder inconteste desse campeonato chatíssimo em que as emoções se concentram na zona sul da classificação, o São Paulinho podia muito bem mandar o terceiro time para cumprir a tabela no Maracanã e se concentrar para a sua partida de domingo, onde terão a suculenta oportunidade de fechar o caixão de seu maior rival na província. Se o São Paulo olhasse para a tabela de classificação com o olhar abestalhado das auto-proclamadas classes superiores que se comprazem na injustiça da própria afluência, certamente se recusaria a participar de uma atividade física degradante e primitiva ao lado de uns miseráveis que chafurdam na desonrosa dôzima posição. Numa terra onde humilhar os pobres é o esporte secreto das elites, tal atitude seria considerada até normal.
Mas, para o bem do futebol, e a comprovar a grandeza do Flamengo, não é isso que está acontecendo. O São Paulo está se importando, e muito, com o Flamengo. A simples constatação da presença de sua torcida nesse humilde bloguinho dá a dimensão de quanto é importante para a saltitante equipe se afirmar diante do Flamengo. O São Paulo tem dinheiro, administração, estrutura e metas definidas. E muito melhor que a sua pequena e mal acostumada torcida, o clube sabe que ganhar do Flamengo no Maracanã é bem mais difícil do que divulgar impropérios racistas e recalcados na Internet. E sabe também que o Flamengo reúne todas as qualidades para ser a pedra no sapato, a água no chope, o teste da farinha supremo para as suas pretensões em ser lembrado como um grande time, e não apenas como um time de sorte que se beneficiou pelas circunstâncias econômicas.
Que o futebol não é uma ciência exata todos concordamos, é o tipo de atividade humana onde um MBA de Harvard não é garantia de sucesso. Os grandes do futebol não se fazem da noite para o dia. Vejam o exemplo do Chelsea, cheio da grana e sem a menor respeitabilidade. Para ser um grande do futebol se precisa de muito mais que dinheiro. E para ser um Flamengo então, é preciso reencarnar. Por isso um clube jovem e poderoso como o São Paulinho, por mais bem sucedido que seja dentro e fora de campo olha com inveja pro Flamengo. Por incrível que pareça, o Flamengo é tudo o que o São Paulo quer ser quando crescer.
Na verdade, não há nada de incrível nisso. A força telúrica de um Manto Sagrado, uma história centenária que subsiste tanto na literatura quanto na tradição oral da Nação e a força incomparável de uma torcida forjada em 112 anos de conquistas em terra e mar não são metas que se definam em um business plan e nem podem ser compradas. Da escassez desses artigos de luxo no mercado do futebol, produtos que o Flamengo perdulariamente esbanja a cada minuto de sua existência, o São Paulo se ressente. E por isso tanta importância dá ao nosso rendez-vous da próxima quinta-feira. Murici deu uma declaração onde disse que no Morumbi não se contratam jogadores, se contratam homens. Essa é uma diferença entre eles e o Flamengo. Na Gávea, nós não os contratamos, nós os fazemos.
Para os idiotas da objetividade que sobreviveram à Nelson Rodrigues, os paulistas nada tem a provar. Ganhar, empatar ou perder do Flamengo não causará nenhum dano substancial à imoral vantagem que tem sobre o segundo colocado. Já os que possuem uma visão mais holística do futebol, incluo a preclara torcida do Flamengo e as comissões técnicas dos dois clubes nesse seleto grupo, já perceberam o que esse encontro de altíssima voltagem representa. Seja qual for a perspectiva, no Maraca a chapa, decididamente, vai esquentar.
Mas o Flamengo tem muito a provar. Foi um grupo montado durante os trancos e barrancos do campeonato e que passou por intempéries terríveis. Os jogadores foram náufragos, desacreditados pela crônica esportiva e ridicularizados pela invejosa arco-íris, que sobreviveram, apesar de sua comovente fragilidade, graças à entrega absoluta e incondicional de seus torcedores. O jogo é a chance tão esperada de mostrar a todos que a mulambada que tanta dor espalhou era um estado d'alma, uma moléstia do espírito. E de que essa apatia anti-flamenga foi definitivamente erradicada da Gávea, dos corações e das mentes dos nossos guerreiros.
Careço de poderes paranormais para afirmar que o Flamengo vai jogar bem. Mas tenho a mais cristalina e empírica certeza de que jogaremos com raça e honraremos o Manto. Ouso arriscar que no íntimo de cada jogador do Flamengo que se prepara para esse jogo exista também o desejo nobre de agradecer a torcida pelo apoio recebido nas horas incertas. Concordo com esses bravos rubro-negros, não poderia haver melhor forma de agradecimento do que uma vitória sobre o incensado líder do campeonato. Seria uma justa retribuição à torcida, que foi buscar o amado Flamengo nas profundas obscuras da zona do rebaixamento e o trouxe heroicamente nos ombros até os holofotes do mega-jogo da noite dessa quinta-feira. E estariam assim comprovando mais uma vez que o Flamengo é maior do que tudo.
Mengão Sempre
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