Desde os tempos das caravelas que nós, brasileiros crioulos, olhamos com subserviência e inveja para o Velho Mundo. Caramuru ainda estava solteiro e os brazucas ruidosos já perseguiam viralatamente a caravana européia por todos os campos do conhecimento humano. No futebol sempre foi a mesma coisa. Mais de um século depois da chegada de Charles Miller e seus couros à Pindorama e por mais valiosos e revolucionários que tenham sido os aprimoramentos implantados no bárbaro esporte bretão pela escola brasileira, continuamos a macaquear a Europa em suas idéias, por mais obtusas que elas sejam.
Campeonatos chatíssimos por pontos corridos, ingressos caríssimos para as classes médias entediadas em estádios assépticos e sem cerveja e a previsibilidade tática das retrancas, ferrolhos e WMs, são apenas as mais evidentes influências alienígenas dos malas europeus. Mas a moda européia que mais danos trouxe ao futebol artístico e refinado praticado na parte mais ensolarada da América foi a elevação da porrada ao patamar de recurso técnico. Não estou nem falando das origens vândalas do mob football do século XII que tanto sucesso fez na ilha britânica ou no violento gioco del calcio das cidades toscanas do Renascimento e sim do embrutecimento do jogo europeu como um todo.
Acredito na teoria que explica esse embrutecimento na abrupta interrupção do futebol profissional europeu durante a II Grande Guerra. Impossibilitados de acompanhar a alucinante evolução técnica do futebol sul-americano durante os anos 40 os europeus que conseguiram chegar ao Mundial de 1950 no Brasil se surpreenderam no com a excelência técnica de brasileiros e uruguayos e voltaram para casa apenas com um desimportante terceiro lugar para a Suécia.
A resposta européia ao drible e à ginga foi preparo físico e mais marcação. Ganharam a Copa de 54, mas viram com a Hungria a despedida oficial da habilidade no futebol europeu. De lá pra frente alguns brasileiros começaram a comer melhor e só restou aos europeus aperfeiçoar ainda mais a preparação física e enfiar a porrada em nossos aborígines dribladores. Das Copas seguintes vencidas pelos europeus qual time jogava bonito? A Inglaterra de 66 jogava igualzinho à Inglaterra de 2007: chuveirinho na área e porrada em quem chegar junto. A Alemanha de 74 até que tinha o Beckenbauer, mas era um time mais dedicado à destruição do que à criação. Itália de 82 nem precisamos comentar, ganhou na cagada e com o Scirea enfiando a porrada em todo mundo. Nem vou falar das outras Copas, já demonstrei meu ponto de vista.
Foi só durante um curto período, entre 58 e 70, que além de sermos os melhores do mundo, jogando à brasileira, isto é, na bola, compartilhava-se uma consciência nacional desse fato. Infelizmente, o esfacelamento das estruturas democrática no país provocaram uma terrível e lamentável distorção: nos anos de chumbo dizer que o Brasil era o melhor do mundo era visto como apoio à ditadura dos milicos. Essa maluquice inventada pelos comunistas de boteco e o revolucionário padrão tático da Holanda de Cruyjf na Copa de 74 foram o bastante para que o Brasil Bola voltasse a macaquear os decadentes europeus com todas as forças. E assim, prostrados, desabrasileirados, continuamos até hoje a negar nossas origens mestiças, genética e socialmente mais evoluídas.
Um dos reflexos dessa falta de honestidade cultural é que a porrada, o penúltimo refugio dos canalhas desprovidos de talentos futebolísticos (o ultimo é o STJD), é a grande estrela do Brasileiro 2007. Já que os nossos maiores talentos jogam do outro lado do Atlântico e os clubes brasileiros têm que se virar com a xepa, nossos professores adiantam a marcação, enchem o meio de cabeças de bagre e mandam enfiar a porrada em quem ficar de palhaçadinha (Cachaça, Joel, in Vila Belmiro, 2007).
Citei Joel, mas podia ter citado Vanderlei, Geninho, Roth ou Felipão. A porrada, coisa de europeu da cintura dura é agora brasileira, é coisa nossa. E longe de mim aliviar pro lado dos técnicos de futebol, uma das classes profissionais mais superestimadas do universo, mas a grande maioria de botinudos em ação no campeonato nem precisa de exortações do treinador pra baixar o sarrafo nos mais talentosos. Eles enfiam a porrada por 3 razões básicas: eles não sabem mais o que fazer, eles gostam de bater e tem certeza da impunidade.
Mengão Sempre
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