Tempos modernos
Logo depois do anúncio da gravidade da contusão do Obina, pensando na injustiça e no incrível azar daquilo acontecer naquele momento, me veio um palpite em um estalo: havia a mão de Deus naquilo ali. Sua transferência para a Sibéria ou algo do gênero deveria estar acertada e foi com seus dedos que o Todo-Poderoso, rubro-negro que é, torceu o joelho do cara pra impedi-lo de cometer tamanha besteira.
É uma maneira de dar um sentido às coisas, mas o fato é que, se ele voltar bem e se tornar novamente um destaque, em um par de meses estará aprontando as malas para ir pra Arábia, Coréia, Tanzânia ou onde for. Se quiser impedir mesmo esse tipo de coisa, não só com Obina mas com tanto jogador que se vai para o exterior aparentemente antes da hora, haja contusão pro Senhor providenciar.
Vou dizer: é complicado se acostumar com o que o futebol se tornou hoje em dia.
Primeiro, se acostumar com o fato de que o Flamengo queria vender seu maior ídolo - como um dirigente do clube confirmou. Obina era o homem responsável por nossos gols, em um ano de Libertadores. Era quem motivava a torcida a ir ao estádio. Era o cara que gerava maior espaço pro clube na mídia nos últimos tempos - até blog narrando as férias dele na Bahia o Globo.com colocou no ar. Mas, mesmo assim, o Flamengo queria mandá-lo embora em troca de, parece, cinco milhões de reais (já descontando a parte do empresário, claro).
O Flamengo ganha bem mais que o dobro disso por ano com seu contrato com a Petrobras (hahahaha), umas três vezes isso com a TV, mais o contrato com a Nike, mais o da Nova Schin, mais as bilheterias, produtos licenciados e por aí vai. Está pra fechar contrato com a Warner. Lança em breve seu sócio-torcedor com projeção de um milhão por mês de receita. Ou seja: 5 milhões não é nenhuma fortuna dentro da ordem de grandeza das finanças rubro-negras; é possível pensar que uma boa campanha ou até um título de Libertadores pudesse render bem mais que isso. Esse dinheiro não ia ser solução pra nada.
Mas, ainda assim, queriam vendê-lo. Porque está previsto no orçamento do ano. Aliás, a quantia seria mais ou menos um terço do previsto com vendas de jogadores pra esse ano, pelo que saiu por aí. Quem mais estão tentando empurrar pro exterior pra completar esse valor?
Temos que nos acostumar com isso, parece. Aguentamos o Jônatas morcegando por anos e anos; bastou uns seis meses de bom futebol e, quando ele começava a nos dar alguma satisfação em campo, se mandou pro possante Espanyol. Outros tantos nem esquentaram lugar no Flamengo antes, se mandaram após o primeiro brilhareco. Obina seria mais um. É o jeito de se administrar futebol nos dias de hoje. E nos dizem que não tem jeito, é assim mesmo. Fazer o quê?
E além de pensar no lado do clube, também penso no do jogador. Tá certo, a carreira é curta, sempre há a possibilidade de a fase boa não se prolongar ou, ainda, de uma contusão abreviar seu potencial de fazer dinheiro. É só olhar a carreira de um Pedrinho da vida. Se ele, logo antes da primeira contusão, tivesse aceitado uma proposta qualquer da Ucrânia, todos diriam que estava errado. E aí?
Mas caramba. O Obina ganha, segundo notícias, 80 mil por mês. Joga no time mais popular do país, era ídolo, vivia seu melhor momento, disputava uma competição de destaque internacional. Até pensar em seleção não era nada demais, pra daqui a um tempinho; o Dunga está se mostrando um técnico afeito a experiências e o ataque vive um momento de entressafra. Se até o Jônatas (ou Moraes, ou sei lá mais quem) foi convocado, porque ele não?
E, além disso, o cara acabou de ser pai, tem uma filha bebê. Iria carregá-la pro meio da neve, pra um time onde ficaria esquecido. Caramba, o cara é da Bahia! Vai fazer o quê no gelo? Mais pra frente, seguindo bem, poderia arrumar uma proposta melhor pra sair, já que não tem jeito de imaginar jogador de destaque fazendo carreira no país.
Mas ele ia embora agora, mesmo assim.
Temos que nos acostumar com isso.
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