quinta-feira, 12 de abril de 2007

Popeye – Biografia Flamenga


Muito antes do hoje eterno Urubu, o Flamengo teve outro mascote, o marinheiro Popeye. Para entender como o herói criado nos anos 20 pelo cartunista americano E. C. Segar e conhecido durante algum tempo no Brasil como Brocoió foi escolhido para representar o brasileiríssimo Flamengo é preciso voltar ao tempo da II Grande Guerra.

Nos anos 40 os conceitos de direito autoral e de propriedade intelectual só estavam plenamente consolidados nos Estados Unidos e em alguns poucos e altamente industrializados países europeus, que desde 1939 tinham problemas mais sérios com que se preocupar. Ao Sul de Tijuana simplesmente não havia legislação competente para proteger os produtos culturais que a indústria do entretenimento da América colocava na praça no ritmo frenético das suas linhas de montagem e começava a exportar em quantidades cada vez maiores para cada vez mais países.

No Brasil, assim como na Hungria e na Dinamarca, era comum e absolutamente legítimo fabricar e comercializar produtos com trademarks e copyrights conhecidos mundialmente sem que se tivesse que pagar aos detentores dos direitos sequer um centavo de royalties. Essa postura leniente dos americanos refletia uma política externa que buscava aliados em todo globo para a luta contra as potências do Eixo. Esse descompromisso quase mundial com a remuneração dos criadores de produtos culturais valia também para a música e para os livros.

Era fácil encontrar em qualquer armazém de Pirapora, Guayaquil ou Clermont-Ferrand a Goiabada do Mickey, os sabonetes Eucalol com suas figurinhas com jogadores de futebol, as incomparáveis Resistências para Ferros Elétricos Flash Gordon ou produtos de nomenclatura semelhante. Não se falava em pirataria industrial, os camelôs eram quase todos cegos ou deficientes físicos e ninguém, nem fabricantes nem consumidores, pensava em pagar nem um tostão para os detentores dos direitos autorais.

Foi amparado por essa liberdade legal, a que os cínicos se referem por tradicional esculhambação brasileira, que o sagaz cartunista argentino Lorenzo Molas, radicado no país há alguns anos criou por encomenda do Jornal dos Sports, então de propriedade de Mário Filho, os mascotes dos times cariocas. Parece que Molas não quis ter muito trabalho e pegou logo o que estava mais à mão. E o que estava mais à mão devia ser um exemplar da revista O Gibi porque Molas pegou emprestado os personagens das histórias em quadrinho que faziam mais sucesso naquele tempo. Por força desse empréstimo o mascote do Flamengo ficou sendo o Popeye, por sua força, perseverança e origem marítima comum, o do Botafogo, o Pato Donald por sua inteligência e boa sorte, o Vasco um vice-almirante português por sua, por sua...bem, por aí foi o argentino ischperto para entregar a encomenda à Mario Filho.

Com a crescente popularidade do Flamengo e o impacto de seus dois primeiros tricampeonatos no imaginário popular Popeye se incorporou naturalmente à iconografia rubro-negra. A sua imagem estava em todo tipo de produto, publicação e bricabraque, alcançando em pouco tempo total hegemonia de popularidade sobre seus co-irmãos mascotes e considerável identificação com a Nação Flamenga. Naquele tempo era costume carioca comemorar as conquistas com desfiles do time em carros alegóricos decorados com motivos flamengos. Benditos tri-campeonatos, por seis vezes o carioca se divertiu com o desfile do Pepeye gigante abraçando a curvilínea Miss Campeonato, toda gostosa em seu maiô bem comportado.

No fim da década des 50, com a cultura de massa norte-americana maciçamente difundida e altamente capilarizada em todo o planeta, a farra acabou. Os americanos agora queriam ser pagos. Poderosas corporações e os representantes legais de Walt Disney, E.C. Segar, dos poderosos syndicates americanos, como o King`s Features Syndicate, que distribui mundialmente tiras de quadrinhos como Fantasma, Popeye, Homem Aranha e Mandrake para milhares de jornais, apertaram o cerco contra o uso indevido de suas marcas registradas. Produtos foram apreendidos, multas foram expedidas e em pouco tempo apenas os mais dispostos a transgredir a lei continuaram a fabricar e distribuir material com as marcas protegidas. A partir daí, preocupados com as sanções legais os próprios clubes começaram a matar os seus mascotes criados por Molas. O Flamengo ia ter que se virar uns tempos sem mascote, porque a hora do Urubu ainda não havia chegado.

Ao fim dos anos 60, um pouco melancolicamente, Popeye foi saindo da cena rubro-negra e hoje sobrevive apenas nas incontáveis e valiosas coleções Flamengas. Indiscutível que quem pagou o preço mais alto nisso tudo foram os milhões de pequenos rubro-negros que ao longo de quase 30 anos foram coagidos inescrupulosamente por seus pais, mães e avós a comer intragáveis e insossos pratos de espinafre. Eu fui um dos muitos moleques que encarou toneladas daquele capim iludido pela dúbia e inverificável promessa de ficar forte como o Popeye do Flamengo.




Mengão Sempre

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