quinta-feira, 21 de outubro de 2004


Junior, 1000 jogos - Texto 14 - Um lugar na imortalidade - Por Juan Saavedra*

Quinze anos de futebol profissional parecem ser o fim da linha para 99% dos jogadores. Menos para exceções como Leovegildo Lins Gama Junior. Fora Toninho Cerezo, seu contemporâneo, sou incapaz de lembrar-me de outro nome com um final de carreira tão consagrador.

Melhor para a nação rubro-negra. Depois de cinco no exterior, ele voltou para o Flamengo e só para o Flamengo. Corria o mês de agosto de 1989 e a notícia de seu retorno, de certo modo, foi como um bálsamo para dar conforto à dor gerada pela saída de um atacante que saíra pela porta dos fundos do clube.

No entanto, cabe a confissão, a alegria de ver Junior novamente na Gávea era acompanhada de uma ponta de descrédito. Talvez porque nomes da mesma geração, como Sócrates e Falcão, não tenham sido nem sombra do que eram quando voltaram aos gramados brasileiros. Aos 35 anos, seria o retorno de Junior à velha casa apenas o cumprimento de um rito? O canto do cisne de um craque do passado?

Junior tratou de afastar a desconfiança. E logo na sua reestréia. Foi num Pacaembu lotado, valendo vaga na semifinal de uma competição criada naquele ano, a Copa do Brasil. Depois de vencer no Maracanã por 2 a 0, o Flamengo seguia para São Paulo com uma boa vantagem: podia perder para o Corinthians por um gol de diferença. Ou até por dois, caso marcasse ao menos uma vez.

Os paulistas tinham a base da equipe que seria campeã no ano seguinte, e começaram mandando no jogo. Logo abririam o placar. Zico empatou ainda no primeiro tempo e a vaga parecia garantida. O jogo, porém, engrossou no segundo tempo e os corintianos fizeram o segundo, o terceiro até que Neto marcou o quarto aos 39 do segundo tempo. Uma decepção que não durou mais do que três minutos. Aos 42, Junior provou do que era capaz. Numa bola sobrada após um chutão, recebeu, avançou e balançou o barbante: Flamengo 2 a 4, uma daquelas derrotas épicas com sabor de vitória e gritos ecoando pelo Rio de Janeiro.

O título da Copa do Brasil só viria no certame seguinte, mas ali, precisamente naquele 12 de agosto de 1989, Junior mostrou que agüentava, sim, correr os 90 minutos e que não seria mais um a encerrar a carreira de forma melancólica - risco de quem não sabe a hora certa de parar.

Jogo a jogo - e foram mais de 200 - mostrou que voltara para fazer história. Depois daquele gol, marcou mais 31 vezes. Gols decisivos, gols emocionantes, gols que valem uma vida. Ganhou Copa do Brasil, Estadual, Campeonato Brasileiro, levou para casa a Bola de Ouro de 1992 aos 38 anos, e foi lembrado para a seleção.

Quis o destino que seu último gol no palco preferido fosse contra o Fluminense. Foi no anoitecer de 25 de abril, num tiro certeiro de fora da área, sem deixar a bola cair, indefensável. Golaço, 3 a 2 de virada, perto do fim do segundo tempo. Não valeu título, vaga, nada. Apenas um momento final de genialidade, desses que ficam para a eternidade, gravados na nossa alma.

Ali, ao balançar pela última vez as redes no Maracanã, Junior fez mais do que calar tricolores. Junto à uma torcida enlouquecida ele fez a celebração final, bebeu do cálice sagrado, tomou o elixir da juventude e ganhou um assento na imortalidade, na memória de quem ama o Flamengo e o futebol bem jogado.

Que seja ele o nosso Alex Ferguson, e fique na Gávea por mais 10, 15 ou 20 anos.

Que faça do Flamengo um clube à sua imagem e semelhança: a da vitória como resultado do talento, do trabalho e da perseverança inabalável.

E se sua paciência não for suficiente para encarar tantos problemas e pressões, se os dirigentes do presente e do futuro não tiverem a mesma visão e sabedoria dos donos do Manchester United, tudo bem. A sua missão já foi cumprida, Junior. Tudo o que vier é lucro e a Nação agradece.

* Juan Saavedra, 36, carioca, é jornalista e microempresário na cidade de Curitiba.

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