Meu pai e o gol
Quando comecei a me apaixonar pelo Flamengo, o "olhar" que essa paixão me dirigiu para me capturar foi na forma de uma bola estofando uma rede e uma multidão explodindo. Sim, foi pelos idos de 1974, 1975, a velha história que conto, meu velho, que não está mais neste mundo, me levando pelo braço e se referindo a um garoto chamado Zico, dizendo que ele já tinha mais de 20 gols no campeonato e que ele ia longe. Era a saída de um Flamengo x América.
Filmes. Eu queria muito que esse momento não fosse minha vida, e sim apenas um filme, para que eu pudesse ver essa cena novamente. Ver meu rosto de esperança, e meu velho, que até então vivia de seus Didas, Evaristos e Babás, confiante em uma nova fase - anos depois, viria aquele período, e de 79 a 83, como já me cansei de contar em outras ocasiões, eu e meu velho vivemos dias inesquecíveis, do gol do Rondi até a conquista do mundo, ele me acordando gritando "Nunes, gol do Nunes", eu lutando contra o sono para ver o Flamengo - na época, com 12 anos, só mesmo a Sala Especial do SBT e a expectativa de ver uma mulher nua me faziam ficar aceso até depois da meia-noite.
Eu queria que tudo isso fosse um filme, para eu poder ver várias vezes seguidas, viver essa emoção. Até porque, em 1983, todos nós perguntamos junto com o Moraes Moreira "como é que eu fico/nas tardes de domingo/sem Zico/no Maracanã?". Sei que não deve haver licença poética para a morte, nem mesmo uma explicação. Mas em janeiro de 1984, meu velho deu a resposta para essa pergunta do Moraes, simplesmente partindo deste mundo sem Zico nas tardes de domingo. Claro, o Galinho voltou, mas aí é outra (linda) história, não são aqueles anos de 1979 a 1983.
Hoje, minha maior tristeza é simplesmente perceber que o meu time não quer saber de gols. Nos últimos seis jogos (Mau, me corrija, não tenho certeza), foi apenas um gol, o do Ibson, na sofrida vitória sobre o Guarani. Vasco, Santos, Juventude, Botafogo e Atlético Mineiro não precisaram apanhar nenhuma bola nossa no fundo das redes.
Para mim, Flamengo era diversão, felicidade, paixão. Hoje, ver um jogo do meu time é apenas irritação, tédio, enfado, cansaço mental, enfim, ver jogos do Flamengo é uma aporrinhação inevitável como pegar um ônibus lotado (quando você não tem dinheiro para o táxi).
Me sinto como um prisioneiro. Perde-se duas Copas do Brasil, e o que vem? Já sabemos que a única coisa que faremos até dezembro é lutar contra o rebaixamento. Não há mais nada a ser conquistado - a não ser, talvez, a tal Copa Sul-Americana que eu nem sei se existe mais (voltei a trabalhar com Cidade e não mais com Esporte desde dezembro), que é o mesmo que nada.
Depois, vem o tal Estadual que lota um Fla-Flu ou outro, a Copa do Brasil de novo, e o Brasileiro, campeonato no qual a gente tenta dizer "está tudo no mesmo nível". Só não sei que outro time consegue fazer só UM gol em seis jogos.
Sei que estarei mais do que nunca ao lado do time na cada vez mais provável Série B do ano que vem. Mas eu bem que queria não ver mais nenhum jogo este ano. É mais ou menos como uma tentativa de homenagear o meu velho. Ele certamente não gostaria que eu consumisse coisa tão prejudicial a saúde quanto futebol sem gol.
Onde quer que ele esteja, espero que sempre haja um gol do Rondi ou do Nunes acontecendo - afinal, é na Eternidade que eles foram parar. Aqui, neste mundo de começo e fim, só nos resta torcer pelo destino menos pior.
quinta-feira, 29 de julho de 2004
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