quarta-feira, 18 de julho de 2012

O foco das urnas e o Flamengo Maior

Sou Flamengo, pergunte-me como. Nos momentos mais difíceis dos últimos anos – e diga-se, muitos fora da administração atual – eu repeti ad nauseaum o slogan dos vendedores da Herbalife. Perca peso, pergunte-me como é peso leve perto de “Sou Flamengo, pergunte-se como”. Porque tem sido cada vez mais complicado ser Flamengo, sim. A cada dia, o rubro-negro convicto tem que ser mais guerreiro e reafirmar seu rubro-negrismo de forma impiedosa para com os outros. Porque, senhores, estamos atravessando uma longa turbulência. E este texto aqui é mais ou menos para tentar entender, junto com os senhores (claro, com aqueles que não estiverem comentando sobre a vinda do Riquelme ou a escalação do Welinton ou do Léo Moura), por que é tão difícil ser Flamengo hoje.

Começo com uma constatação: vivemos tempos em que toda empresa separa as atividades-meio das atividades-fim, terceirizando grande parte das “meio” a fim de focar na “fim”. É uma tendência natural: você enxuga quadros e despesas de manutenção dando a outra empresa determinada missão. Atende a conceitos de economia de tempo e de gestão de pessoas. Faz parte. 

Em política, este pragmatismo já existe há muito tempo, mas de outras formas, sem a divisão em meio e fim. A “empresa”, neste caso, ou seja, o político, ele descarta áreas onde sua popularidade já bateu no “teto”, e investe forte na área onde ele só tende a crescer – geralmente amparado na falta de informação geral e nas reações emotivas ao seu marketing pessoal. Com isso, o político enxuga seus quadros de cabos eleitorais, seus investimentos em material de campanha e economiza na gestão de pessoal. É fácil: para que um candidato a vereador que se criou em Campo Grande vai investir em Copacabana? O voto no Brasil ainda não é distrital (talvez nunca seja), mas nós informalmente há alguns anos começamos a praticar o distritalismo, o que é bastante saudável. Cada vez mais o cara vota no candidato do bairro, da região – e a representatividade da cidade melhora. Mas o fato é que para economizar no investimento, o político foca onde ele pode crescer.

Por que estou lembrando tudo isto? Ora, vocês já devem ter entendido: Patrícia Amorim já sabe que o futebol jamais será sua área eleitoral. O futebol é sua Copacabana, e seu curral eleitoral é na Gávea. Na Gávea mesmo. Na sede do parquinho e, segundo Renato Maurício Prado, do parquímetro. Para alguém com a visão do vereador, do candidato profissional, 35 milhões de torcedores que não votam (e que se votassem, não votariam nela) interessam muito, mas muito menos do que 1500 pessoas que estacionam o carro dentro do Flamengo para economizar uns trocados (mesmo que metade das 1500 nem torça pelo clube). Reportagens como a recentemente publicada por um site de esportes, mostrando um dirigente como “prefeito da Gávea”, nada mais são do que reprodução da idéia-força proposta pelo marketing rubro-negro – que se não é eficiente para obter patrocínio máster ou vender bem o clube, é bem eficiente nas estratégias políticas. Sim, o site publicou que o “prefeito da Gávea moralizou tudo, melhorou a sede”, e é exatamente o que o sócio precisa ler para votar de novo na presidente atual. O sócio sem sangue nas veias, o sócio que não está nem aí para qual divisão o Flamengo está. Não importa. O que importa é ter os votos suficientes para a manutenção no poder.

Alguns poderiam defender: “Ora, mas o Flamengo é um clube sim, precisa ter uma sede voltada para seus sócios, que pagam mensalidade”. Me desculpem. Mas o Flamengo é MUITO MAIS do que um clubinho onde se vai comer coxinha na beira da piscina. O Flamengo é um estilo de vida, é um modo de enxergar a vida, é a história de milhões de pessoas. O Flamengo é pai e filho subindo a rampa do Maracanã ou ouvindo Waldyr Amaral narrando o gol do Rondinelli. O Flamengo é Zico, Júnior, Andrade, Leandro. O Flamengo é Dida, Evaristo, Leônidas da Silva atirando diamantes negros na cara do racismo. O Flamengo é Valido com febre usando a testa fervendo para disparar uma bola de fogo contra as redes do Vasco. O Flamengo é o abraço que a gente dá no desconhecido, é o desdentado tendo sua única alegria na vida, é a favela abraçando o asfalto, é Geraldo Assoviador de meias arriadas mostrando as canelas de craque, é Adílio costurando nas defesas adversárias e ganhando o apelido carinhoso de “Neguinho Bom de Bola”, é Biguá, Bria e Jaime sendo recitados por nossos pais, nossos avós, nossos irmãos. O Flamengo é a caixa de madeira onde a memória guarda lágrimas e risos.

Meu grande medo é esse: a objetividade, o foco no “voto” e na “manutenção do poder” estão dando ao Flamengo uma gestão que desconhece o futebol. Desconhece inclusive que é através do Alto Rendimento do futebol que clubes como o São Paulo, Internacional e o próprio Corinthians incrementaram suas sedes sociais e aumentaram o quadro societário. Uma gestão que não entende que a venda de um só bom jogador formado em casa pode dar verbas para obras de vulto para o clube social – mas para formar este bom jogador é preciso investir nas divisões de base de forma decente, é preciso montar um time que não queime os jovens, é preciso ter um técnico que não sacaneie a prata da casa. 

E não é só venda de jogador: somos uma nação de 35 milhões. A marca Flamengo é uma garantia de milhões de bons consumidores, agregando valor a qualquer outra marca ou produto, desde cortador de charuto até elixir paregórico. Mas esta marca FLAMENGO só pode ter valor e impacto, adivinhem,  por causa do futebol – não é por causa da limpeza do espelho d’água da piscina ou da máquina Nespresso da cantina.

Por tudo isso, meu medo vem vencendo a esperança. Não acho que o Flamengo vá cair para a segunda divisão deste Brasileiro – não tenho dúvidas de que isso não vai acontecer. Mas meu medo é algo muito pior – é o Flamengo se tornar um concorrente do Caiçaras ou do Piraquê, e não do Real Madrid, Barcelona ou Arsenal. Meu medo é, em nome do pragmatismo eleitoral, toda a História deste que é o clube mais amado do mundo ficar em segundo plano por causa de uns 2 mil que querem frequentar a sauna no fim de semana. O Flamengo já deveria estar pensando em 2013, já deveria pensar na Libertadores, já deveria pensar, como lembra sempre o João Henrique Areias, no trio CT-Time-Estádio.  O Flamengo tem que disputar a Libertadores todos os anos. E ganhar uma vez a cada seis anos pelo menos. E ganhar um Brasileiro a cada oito anos – e ficar entre os seis primeiros todos os anos. Este é o Flamengo Maior do Mundo.

Meu medo é o Flamengo não pensar em ser ainda maior – porque sempre foi uma sina, uma sina espetacular do Flamengo, é o fato de que as leis da Física impediam o Flamengo de ser menor e de parar de crescer.

Resta saber se as leis da Física vão resistir à matemática eleitoral da atual presidente.

Gustavo de Almeida, jornalista, 44 anos, escreve sobre amenidades no blog Eclipse (http://interney.net/blogs2/eclipse/) e sobre o Flamengo no twitter @gustones






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