terça-feira, 29 de maio de 2012

Alfarrábios do Melo



Saudações flamengas a todos.

Eu estou farto de Joel, do morcego e da caterva da Patrícia, que semana passada se esmerou em fazer luzir sua incompetência visceral. Aliás, as peripécias dessa gestão (cof, cof...) têm feito muita gente se distanciar de sua essência flamenga.

Estamos em 2012. É um ano emblemático, em que deveríamos celebrar 100 anos da existência do Flamengo terrestre, aquele que fez irromper uma Nação. A partir de hoje, inicio uma pequena série contando um pouco do que foi o nascimento do futebol do Flamengo.

Boa leitura.

E Se Fez o Caos

1911, novembro. O mais nobre Salão das Laranjeiras está engalanado, repleto de figurões da mais alta sociedade carioca. Champagnes refinados escorrem em delicadas flûtes, acepipes preparados com ingredientes importados das mais seletas regiões de França correm por mãos curiosas, os pesados lustres de cristal iluminam vibrantemente o impecavelmente polido chão de mármore, levemente azulado pelo magistral reflexo que emana dos belíssimos vitrais suspensos nas suas paredes. Todos vestem white-tie e casaca, alguns cortejam discretamente as belas moçoilas ornadas com rendas e sedas diversas, muitas delas entretidas com os acordes de Chopin e Bach que entorpecem espíritos. É dia de festa no Fluminense Football Club.

Mas o clima é tenso.

O Jantar de Comemoração do Título Municipal não conta com a presença de praticamente todo o time campeão. É o cru desfecho de um intenso embate político onde a falta de habilidade tornou inevitável o crescimento de um movimento de cisão. O Fluminense é campeão, mas um campeão sem time. Retrocedamos.

Agosto. Convocada, a Assembléia precisa decidir quem irá substituir as vagas abertas no Ground Committe. Esse Comitê é o responsável por toda a gestão do futebol no campo, num escopo que abrange, entre outras tarefas, a escalação de jogadores, a definição de esquema tático e o regime de treinos. Na sua composição figuram representantes da Diretoria e Sócios, além do Capitão e de mais um jogador da equipe. Uma das vagas foi reposta com rapidez. Mas a outra vaga, destinada a um atleta, será alvo de um acalorado debate e um agudo movimento de articulações, um embate declarado entre a elitista direção do clube e o grupo de jogadores.

A diretoria resolve indicar o Sub-Capitão, Oswaldo Gomes, alinhado com os ideais do clube. A princípio, os jogadores (que também possuem direito a voto na Assembleia) não discordam e parecem apoiar a iniciativa. No entanto, o Capitão Alberto Borgerth percebe que a ideia é isolá-lo, uma tentativa de esvaziar sua importância dentro do grupo. E já pensa em agir.

Borgerth é um dos artilheiros e principais jogadores do fortíssimo time montado pelo Fluminense. Além de exímio atleta, destaca-se por sua liderança natural, carismática e altamente contestadora. Não aceita ordens ou meras imposições grafadas em papel. Quer saber, conhecer o motivo das ordens e contra-ordens que habitam o cotidiano do time. Dotado de uma lucidez política extraordinária, sabe que os enfatiotados “donos” do Fluminense detestam sua postura contestadora de jovem. E percebe que o momento do confronto é chegado.

Com a indicação de Oswaldo Gomes, a voz de Borgerth se tornaria mais isolada dentro do Ground Committe, e o Capitão consegue demonstrar aos outros jogadores (muitos deles colegas seus de Faculdade) o risco de aceitar o cenário imposto. Matreiramente, é construída a candidatura de outro jogador, Joaquim Guimarães. A eleição é renhida, disputada, apertada voto a voto, e após empate no primeiro turno os diretores conseguem, após adotar um conveniente critério de desempate por idade (não previsto no Estatuto), emplacar o nome de Oswaldo Gomes. A retaliação aos jogadores não demorará.

Setembro. O Fluminense está às portas do título, bastando uma vitória simples contra o frágil Rio Cricket, o que deverá ser mera formalidade para uma equipe que até aqui venceu todos os jogos. O Ground Committe se reúne e, para estupefação geral, lança a escalação para a partida. Alberto Borgerth, titular absoluto do ataque tricolor, está barrado para a entrada do ZAGUEIRO Ernesto Paranhos, que atuará improvisado na frente. É uma manobra grotesca, gratuita, uma tentativa de demonstração de força pela força que é recebida da pior forma possível pelos jogadores.

Quebrando todo e qualquer tipo de protocolo, o time simplesmente risca o nome de Paranhos e devolve a tábua com a escalação ao Ground Committee. A forte crise derruba um membro do Comitê e obriga a Assembleia de Sócios a intervir, confirmando a escalação original e mantendo Borgerth barrado. Revoltados, os jogadores ameaçam entrar em greve, mas resolvem, pela honra pessoal, defender o título do Fluminense antes de qualquer atitude mais concreta.

Antes da partida, a foto (que será a oficial do título) é tensa, os jogadores apresentam semblantes fechados, crispados. Cumprem sua obrigação, goleiam o Rio Cricket por 5-0 e confirmam o campeonato para as Laranjeiras. Mas ninguém comemora. Vai explodir a bomba.

Poucos dias depois, Alberto Borgerth, juntamente com o goleiro Baena, os zagueiros Píndaro e Nery, os médios Galo e Lawrence e os atacantes Orlando, Amarante e Gustavo de Carvalho anunciam que estão se desligando, em caráter irrevogável e irreversível, do Fluminense. Informam que irão cumprir a tabela que resta (partida contra o América), e após o jogo não pertencerão mais ao quadro do clube das Laranjeiras. Vários amigos e parentes tentam demover os atletas, mas a decisão já está tomada. Está desmontado o supertime do Fluminense.

Enquanto o Jantar Comemorativo segue esvaziado no suntuoso Salão Nobre das Laranjeiras, Borgerth discute com seus colegas o destino do grupo dissidente. Ideias como reativar o Rio Football Club (espécie de segundo time do Fluminense) ou fundar o São Paulo Football Club (por conta da origem de muitos dos jogadores) logo são descartadas. Também não é aceita a sugestão de ingressar no Botafogo, o maior rival do tricolor. Os jogadores não querem ser vistos como párias ou traidores. Pensa-se no Paysandu, mas o ultra-conservador clube somente aceita ingleses. Até que Borgerth se encontra com José Agostinho Pereira, principal idealizador da criação do Flamengo, clube de remo já vitorioso em seus 16 anos de vida. Da conversa surge a ideia.

Por que vocês não vêm para o Flamengo?”

Sim, o Flamengo. A ideia parece perfeita. O Flamengo é um clube amigo, muitos jogadores remam lá, inclusive o próprio Borgerth é Patrão (uma espécie de Capitão) em uma guarnição e já foi campeão pelo rubro-negro (sim, os jogadores se dividem entre o futebol e o remo nestes tempos amadores). Borgerth lança a sugestão, que é acolhida com entusiasmo pelos colegas.

Vamos para o Flamengo.”

Mas antes é preciso convencer os remadores e sócios do Flamengo, que a princípio são contrários à ideia de se abrir um Departamento para a prática de um esporte que julgam efeminado. As conversas são intensas, incessantes, e a ajuda de José Agostinho acaba se tornando decisiva. O fato de muitos remadores serem amigos e colegas da turma de Borgerth também ajuda a amaciar a Diretoria flamenga.

É Véspera de Natal. Os debates são acalorados, mas o consenso logo surge. O Remo aceita a chegada dos atletas rebeldes, mas impõe algumas condições, sendo o uso de uniformes diferenciados a mais famosa. Nasce o Departamento de Esportes Terrestres do Flamengo. O futebol carioca ganha um novo protagonista. Vai ter início a mais rica trajetória de uma instituição esportiva já surgida no Brasil, uma saga de dor, luta, brio, glória, amor, ardor e muita, mas muita emoção.

Alberto Borgerth, juntamente com seus companheiros, será destaque, craque, goleador, campeão, ídolo. Anos mais tarde, largará o futebol para se dedicar à profissão de médico, como é praxe no amadorismo dos anos 1910. Alguns anos depois, voltará ao Flamengo, onde será presidente, mostrando a mesma veia contestadora e desafiadora de seus tempos de jogador. Conseguirá reconstruir um time em ruínas e estará à frente do clube em um dos mais importantes e celebrados títulos de sua história, o Carioca de 1927. Seu nome estará gravado, para sempre, na Galeria dos mais ilustres rubro-negros.

Porque Alberto Borgerth nasceu Flamengo. Mesmo antes do Flamengo nascer.


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