A conversa é franca, direta, no olho e no fígado. Jogadores são cobrados, variações técnicas e táticas são discutidas. Tita, que desperdiçara o pênalti decisivo, é afagado. Está inconsolável, havia convertido 24 penalidades nos treinamentos, sem errar nenhum. Mas recebe todo o apoio do grupo, mais tarde será defendido publicamente por unanimidade. A cerveja escorre junto com palavras de incentivo e a convicção que todos eles têm. Os rapazes da Gávea se reconhecem bons. Sabem ser os melhores. E almejam conquistar tudo. Não admitem, não se conformam, não suportam a derrota. E se proíbem fracassar dali em diante. Está selado o Pacto do Barril.
terça-feira, 29 de novembro de 2011
Alfarrábios do Melo
O
Pacto do Barril
1977.
A noite ferve na badalada Zona Sul carioca. Bares e discotecas se
agitam freneticamente com o incessante movimento de corpos e copos, a
feérica profusão de luzes e o magnético som dos Bee Gees, que
embala sábados e sonhos.
Num
dos seus bares uma mesa está repleta. Mas o ambiente não é
festivo.
O
Barril 1800, um dos estabelecimentos mais tradicionais da boemia
carioca à beira-mar, recebe os principais componentes do elenco do
Flamengo. Tulipas, garotinhos e caldeiretas jorram profusas, mas
ninguém está ali para comemorar. Há muita roupa a ser lavada.
O
time acaba de sair derrotado de uma disputa por pênaltis contra o
Vasco, que dá a São Januário um Estadual que não via há sete
anos. Todos ali na Gávea sabem que a cobrança será intensa. O
trabalho de base, que teve início nos primórdios dos anos 70, teima
em não dar resultados. O Flamengo já amarga três anos sem
conquistas, jejum considerado insuportável pela diretoria e pela
torcida. A sensação é que a base de garotos, formada por Zico,
Júnior, Rondinelli e mais recentemente encorpada por Tita, Adílio e
Júlio César, entre outros, é talentosa mas não resiste aos
momentos decisivos. E a segunda derrota nos pênaltis para o mesmo
adversário é tida como inaceitável. Alguma medida será tomada.
A
iniciativa parte de Rondinelli, e logo é abraçada por Carpegiani, o
principal líder do elenco e seu jogador mais respeitado. É preciso
uma reunião. De imediato. Nada de remoer. Nada de esperar as
críticas, as reportagens, o massacre. É necessário que o grupo,
sozinho, encontre suas respostas.
Do
Maracanã, o Flamengo segue direto para o Arpoador, onde o Barril
1800 está à espera.
A conversa é franca, direta, no olho e no fígado. Jogadores são cobrados, variações técnicas e táticas são discutidas. Tita, que desperdiçara o pênalti decisivo, é afagado. Está inconsolável, havia convertido 24 penalidades nos treinamentos, sem errar nenhum. Mas recebe todo o apoio do grupo, mais tarde será defendido publicamente por unanimidade. A cerveja escorre junto com palavras de incentivo e a convicção que todos eles têm. Os rapazes da Gávea se reconhecem bons. Sabem ser os melhores. E almejam conquistar tudo. Não admitem, não se conformam, não suportam a derrota. E se proíbem fracassar dali em diante. Está selado o Pacto do Barril.
As
críticas logo surgem, pouca gente entende como um time derrotado
resolve armar uma chopada momentos após a partida, mas a força da
conversa é tão retumbante que a diretoria, sem muita alternativa e
endividada, decide dar mais tempo ao elenco. Os jovens valores
flamengos terão um ano para mostrar capacidade de conquistar
títulos.
O
relógio está correndo. O tempo é curto.
Pano
rápido.
1979.
Flamengo e Vasco disputam uma espécie de final antecipada do
Terceiro Turno do Estadual. O Flamengo joga pelo tricampeonato, o
Vasco precisa da vitória para forçar uma decisão. A partida
começou alucinante, o Flamengo abriu 2-0 mas cedeu o empate ainda na
primeira etapa. Mais cautelosos, os times voltam do intervalo menos
expostos. Já pelo meio do segundo tempo, o Flamengo ataca, a bola
vai de Carpegiani a Toninho, que cruza alto. Tita, que substitui um
contundido Zico e anda em fase exuberante, salta, inclina o corpo e
consegue golpear a bola, que ganha uma trajetória marota e encobre
Leão. O Flamengo faz 3-2. Com um gol de Tita, o Flamengo é o
tricampeão estadual (bastando apenas uma formalidade matemática).
Tita, o craque do campeonato, o artilheiro da reta final, consuma a
maior hegemonia da história do futebol carioca. O Flamengo vence o
sétimo turno seguido. Não tem adversários. O time está pronto
para explorar novos limites.
O
Pacto do Barril segue vivo e pulsante.
PS
– após o Pacto do Barril, o Flamengo, entre 1978 e 1983, irá
disputar oito partidas decisivas contra o Vasco. Sairá vencedor em
sete delas.
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