terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana o HEXACAMPEÃO brasileiro inicia sua jornada em busca do título da Libertadores. Assim, essa semana trago a história de uma conquista flamenga em âmbito continental. Libertadores-81? Não. Mercosul-99? Também não. Ué, qual então? Bem, vamos à leitura.

O Torneio Hexagonal do Peru

1959, janeiro. O Flamengo acaba de disputar o triangular final do Carioca de 1958 (o tal supersuper), e não consegue o título. Mas não há tempo para lamentações, pois a equipe parte para Lima, no Peru, onde irá disputar um torneio envolvendo a nata do futebol sul-americano. É o Hexagonal do Peru, uma boa prévia do que seria um torneio envolvendo algumas das principais forças da América do Sul, com a participação de equipes do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Peru (não havia disputa da Taça Libertadores).

O Peñarol era o favorito, pois vinha em grande fase, tendo iniciado a marcha para o pentacampeonato uruguaio. Base da seleção uruguaia, seus destaques eram os atacantes Spencer e Luís Cubilla, o meia Miguez (veterano de 1950), o xerife Nestor Gonçalves (sucessor de Obdulio Varella) e o goleiro Maidana. Um timaço.

A maior ameaça para os “carboneros” parecia ser o River Plate, que também vivia sua era dourada. Recentemente, conquistara o tricampeonato argentino, fechando uma impressionante marca de cinco títulos nacionais em seis anos. Uma máquina onde brilhavam as figuras do goleiro Carrizo e do atacante Labruna, que até hoje figuram entre os maiores ídolos da história do clube. Como coadjuvantes, o bom time do Colo-Colo e os anfitriões, o Alianza (clube mais popular do Peru) e o Universitario (o campeão peruano da época).

Enquanto isso, o Flamengo, apesar da recepção calorosa, não era dos mais cotados. Desde a desmontagem do “Rolo Compressor”, o clube, que já vivia dificuldades financeiras, jamais conseguiu reposições à altura. Para o lugar de Joel, Rubens, Evaristo, Índio, Paulinho, Zagalo, o treinador Fleitas Solich tinha que se virar com os esforçados Milton Copolilo, Othon, Luís Carlos, Manuelzinho. Os experientes Pavão, Jadir, Jordan e Dequinha compunham a espinha dorsal da equipe, além de seu devastador ataque, formado pelo leve e ágil Dida e pelo robusto e goleador Henrique, uma das mais fantásticas duplas da história flamenga, um dueto que assinalara 59 gols na temporada anterior.

A estreia é justo contra o Peñarol. Cansado e desfalcado de Dida e Pavão, o rubro-negro não resiste ao volume de jogo dos uruguaios e é derrotado (0-2). A imprensa derrama litros de tinta em louvor ao “aguerrido e majestoso” futebol do Peñarol. O Flamengo, pelo futebol opaco e pouco produtivo, é afastado da lista dos candidatos ao título. Mas logo o tom das reportagens iria mudar...

Os uruguaios confirmam a boa impressão, ao golear o Colo-Colo por 5-0. Mas na “decisão antecipada” contra o River Plate, os argentinos se impõem e vencem (2-1), colocando fogo na disputa, que incandesce de vez quando o Universitario aproveita o estádio lotado e, de forma surpreendente, vence o River Plate (2-1).
O Flamengo, com Dida e Pavão de volta, silencia os peruanos e vence o Universitario por 2-0, gols de Henrique e Moacir. A seguir, derrota o Colo-Colo por 4-2 (gols de Luís Carlos, Moacir e Babá 2), mostrando um futebol mais solto. O rubro-negro volta à briga pelo título, mas é preciso passar pelo forte River Plate.

E é contra os argentinos que o Flamengo faz sua grande partida. Leve e técnico, o rubro-negro enlouquece a pesada defesa argentina, que sofre com a correria da molecada flamenga. E os gols vão saindo, especialmente com Henrique, em grande jornada. No final, o Flamengo assombra, com uma contundente chinelada de 4-1 sobre o poderoso River Plate, gols de Luís Carlos, Henrique (2) e Babá e, sob intensas palmas do público, elimina o time argentino.

Última rodada, Flamengo (6), Peñarol (6), Universitario (5) e Alianza (4) ainda disputam o título. O rubro-negro enfrentará o Alianza e um estádio lotado e inflamado. Na preliminar, Universitario e Peñarol empatam (2-2), e assim uma vitória simples dará o título ao Flamengo. Mas nenhuma vitória flamenga é simples.

Vítima da violência dos argentinos, Dida está fora da decisão. Em seu lugar, Fleitas Solich mais uma vez surpreende e coloca o jovem Manuelzinho, que vem de seis meses de inatividade. Obscuro, o garoto era mais uma das exóticas apostas do Feiticeiro. E mais uma vez a estrela de Don Fleitas cintilaria.

Começa a partida, e como esperado o Alianza parte pra cima, vai pro abafa. O Flamengo tem sérias dificuldades, em função da pressão infernal dos peruanos. O forte calor, o clima pesado, o barulho ensurdecedor, tudo transforma o estádio num caldeirão. Que atinge o limite do suportável quando o Alianza abre 2-0, ainda na primeira etapa. Os peruanos dominam amplamente, perdem uma chance atrás da outra. O Flamengo, perdido, ergue as mãos aos céus quando o primeiro tempo termina. Escapa de uma goleada histórica.

Começa a segunda etapa. O Flamengo, mais calmo, começa a colocar a bola no chão, avança suas linhas, já parece bem melhor em campo. Mas a ducha de água fria vem aos 9’, quando o Alianza abre 3-0 no placar, fazendo novamente a multidão explodir em festa, risos e cantos. Mal sabiam os peruanos com quem estavam lidando.

O terceiro gol crispa, inflama, fere de morte os brios flamengos. O rubro-negro parte enlouquecido à frente, animal agonizante. Os olhos flamejam, a respiração arfa, a boca está ávida de sangue. E aos 10’, numa blitz alucinante, faz seu primeiro gol, com Manuelzinho. Parece apenas um gol de honra. É o início do vendaval.

A torcida peruana ainda canta, mas já se percebe o medo exalando de suas entranhas. O Alianza está encurralado, assustado com a impressionante capacidade de reação do Flamengo, que transforma a partida num arrepiante jogo de ataque contra defesa, bombardeia a meta peruana com todas as suas forças, busca retirar da humilhação o triunfo dos vencedores. O Alianza vence por 3-1, mas é o Flamengo quem se agiganta, acua, imprensa, encurrala, mostra sua ancestral alma guerreira. E o inexorável, o inevitável, o que está escrito vai acontecer. O obscuro Manuelzinho torna-se um semideus da bola, e aos 15’ marca o segundo gol. O estádio está em silêncio. Todos parecem saber o desfecho. E é rápido. Fulminante. Flamante. Flamengo. Aos 16’, o mesmo Manuelzinho, o anônimo Manuelzinho, vive seu dia de gigante e empata a partida. 3-3, um feito assombroso para qualquer mortal. Não para o Flamengo e sua fome de título. Os jogadores do Alianza parecem anestesiados, imergem numa letargia catatônica que os faz contemplar o adversário vivendo a alegria de ser rubro-negro ali, em sua própria casa, diante de sua gelada torcida. Os peruanos dão a saída, perdem a bola. O Flamengo segue num tropel suicida, galopa mais um alucinante ataque, a bola perereca na área e encontra Henrique, sempre Henrique, o goleador Henrique, que fuzila e decreta a inacreditável virada. Aos DEZESSETE minutos, Flamengo 4-3 Alianza.

Exausto após aqueles OITO minutos transcendentais, o Flamengo gasta a bola no restante do tempo. Assombrado, o Alianza não mais ataca. Seus jogadores assustam-se com a força quase mística de seu oponente. Nunca viram algo semelhante. Nunca se haviam colocado entre o Flamengo e um troféu.

O Flamengo é o Campeão do Torneio Hexagonal do Peru. Acaba de se impor contra algumas das principais equipes da América do Sul, num ano em que a Libertadores ainda não existe. Vence a desconfiança e a chacota, mostra que o brilho Flamengo não se restringe a uma cidade, a um estado, a uma nação.

A força do Flamengo não conhece fronteiras.

Flamengo Net

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