Alfarrábios do Melo
Olá, saudações rubro-negras a todos. Espero que esse seja meu último post narrando “A Saga do Penta”. Que a partir da semana que vem essa série mude de nome. Mas, atenção: NÃO GANHAMOS NADA AINDA.
As outras partes podem ser acessadas
aqui. Nos negritos, links para vídeos. Boa leitura.
Campeonato Brasileiro de 1987 – Parte 04 Após a chinelada sobre o Palmeiras, o Flamengo embarca rumo a Salvador, para o difícil duelo contra o perigoso Bahia. Na bagagem, a certeza de que finalmente a base estava montada, cimentada pelos elogios recebidos após a estupenda atuação no Maracanã. Mas o jogo na Fonte Nova estava longe de ser tranqüilo e o time precisava da vitória, pois a briga com o Botafogo e o próprio Palmeiras ainda estava acirrada.
O time baiano mantinha a base que surpreendera o país um ano antes, com um belíssimo 5º lugar. Rogério, Zanata, Leandro e Sandro compunham uma formação perfeita para a regência de Bobô, a estrela. Mas em 1987 a mistura havia desandado, e com o acúmulo de maus resultados o tricolor baiano estava fora de qualquer chance de classificação. Mas ainda era traiçoeiro, capaz de façanhas como a vitória sobre o Fluminense (1-0) em pleno Maracanã, ou do triunfo sobre o Palmeiras (1-0) no Parque Antarctica (resultado que mais tarde se revelaria valioso para o Flamengo). E estava motivado, babando pra enfrentar o Flamengo de Zico.
A noite enluarada ajudou, e a Fonte Nova se engalanou com 64 mil torcedores para presenciar a partida, metade deles flamengos. O Flamengo começa bem, impondo ritmo cadenciado e bom toque de bola, mas o Bahia logo parte espevitado ao ataque. A Fonte Nova vira um caldeirão, festeja até lateral. A pressão aumenta, o gol parece iminente. Córner. Bola alçada na área, a zaga flamenga rebate. Sobra com Sandro, que emenda, fulminante, à queima-roupa, no cantinho direito. O estádio pula, antecipa a festa por um gol ainda não consumado. Sim, porque antes de ir às redes a bola ainda precisa passar por Zé Carlos. E o grande goleiro grande voa, flutua, abre as asas de condor e alcança o infinito, roçando o projétil que ainda lambe o poste e sai pela linha de fundo. Ninguém acredita no que acaba de acontecer.
O Bahia segue atacando, mas perde ímpeto. O Flamengo começa a sair da toca, o jogo agora está mais equilibrado. Indefinido. Então, acontece o lance mágico, decisivo. O rubro-negro encaixa um ataque, a bola é lançada na direita, vai à área até Zico, que está de costas pro gol. O Galinho ajeita o corpo e acerta uma bicicleta fabulosa, didática, de almanaque. A bola explode com violência no travessão e sobe, se perde. Mas ninguém presta atenção à bola. O estádio silencia, ainda se ouve o sibilar da trave vibrando. E depois irrompe unânime em caudalosos aplausos, transmuda-se em um grande Teatro Municipal. Zico, o gênio criador, é entusiasticamente ovacionado por uma multidão que retrocede até os tempos românticos e simplesmente saúda a arte, independente de raça, credo, sexo ou time de futebol. O Galinho agradece com um aceno tímido e segue a luta. Mas ali o jogo já estava decidido. O Bahia perdia sua principal arma, a sua ardente e vibrante torcida, rendida pelo futebol de Zico.
O Flamengo tomou as rédeas da partida, entrou na segunda etapa bem mais agressivo e chegou sem dificuldades aos gols, primeiro com Zinho (aproveitando o rebote de um escanteio) e depois com Bebeto (que roubou a bola do zagueiro Pereira na entrada da área e quase entrou com bola e tudo). Podia ter ampliado, num chute do volante Flávio (que substituiu Zico) que acertou a trave, mas a conta fechou mesmo nos 2-0. Agora, era partir pra São Paulo e enfrentar o Corinthians, outra pedreira.
O time paulista vinha em grave crise, ocupando com todas as honras a lanterna da competição. Sua torcida, após derrota para o Atlético em casa, havia protagonizado cenas lamentáveis, ao invadir o campo e ameaçar fisicamente os jogadores (especialmente o ex-palmeirense Jorginho). Além disso, falava-se que a torcida palmeirense, ainda recordando o que ocorrera no Rio, iria recepcionar “calorosamente” os torcedores flamengos na estrada. Por tudo isso, o jogo era tido como de alto risco, e cogitou-se inclusive tirá-lo de São Paulo.
Mas felizmente nada de mais grave acontece. Quanto ao jogo, o Flamengo demonstra incrível personalidade e domina toda a partida.
O time está pronto, joga e se impõe como vencedor. Cria oportunidades com a mesma facilidade com que as desperdiça. Mas o gol, após certa demora, vem numa jogada de Renato, que enlouquece o lateral Edson e cruza na medida para Ailton tirar do goleiro e abrir o placar.
Com o gol, o Flamengo recua e toca a bola. Isso atrai o Corinthians,
cheio de brios, mordido com as vaias da própria torcida. O time se entrega desesperado à luta, e é recompensado com um gol do garoto Marcos Roberto, após bonita tabela com Edmar. O empate não é ruim e o rubro-negro não quer correr riscos, prefere tourear o ferido adversário. Mas ainda há tempo para uma jogada fantástica de Andrade, que tabela com o Galinho, aplica um
desmoralizante chapéu em Wilson Mano e emenda com carinho no canto. Mas a bola faz bico, e no derradeiro momento resolve abanar-se pro lado e sair caprichosamente pela linha de fundo.
Sob aplausos,
o jogo termina mesmo em 1-1. O resultado é bom pro Flamengo, que vai pra última rodada disputando vaga apenas com o Palmeiras, que vem de vitórias sobre Botafogo e Grêmio. Mas o rubro-negro só estará fora se perder pro Santa Cruz no Maracanã e os paulistas tirarem a invencibilidade do Atlético-MG no Mineirão. Parecia mamata, mas a vaga não viria sem algum drama.
Domingo, Maracanã, 67 mil. Carlinhos, preocupado com a excessiva empolgação, prende o time, quer um jogo paciente e inteligente. O Santa Cruz vem em boa fase, mostra ser um time perigoso, exerce intensa marcação no meio, mostra solidez e consciência. O Flamengo sente. A torcida se inquieta, quer chocolate. Mas o Santa Cruz briga, luta, vive uma batalha. Estranho ímpeto. Renato é bem marcado, o time perde mobilidade. Bebeto está mal, nada acerta. Resta Zico, que passa a pedir todas as bolas, está muito a fim de jogo. E começa a se destacar. Acerta uma meia-bicicleta no travessão (terceiro lance semelhante em três jogos), depois faz bela jogada e manda a bomba, defendida pelo ótimo goleiro Birigui. Com a jogada de Zico a torcida se anima, o time avança, perde a cautela, e aí acontece o que Carlinhos mais temia: abre espaço atrás, e num fulminante contragolpe, os pernambucanos conseguem um pênalti. O Maracanã congela. Uma vívida brisa de tragédia perpassa todo o ar,
que se torna pesado. O atacante Dadinho, artilheiro do time, prepara-se pra cobrança. Corre pra bola, bate forte, à meia-altura. Zé Carlos voa, não alcança, mas a bola vai fora! A massa explode, grita como se fosse gol, tira toneladas de pressão dos ombros, aliviada.
O segundo tempo começa e presencia um Flamengo muito mais vibrante e aguerrido. A conversa no vestiário deve ter sido forte, porque mal sopra o apito a bola é lançada a Leonardo na esquerda, que ajoelha um marcador no chão e cruza, sem muita precisão. Mas a zaga se atrapalha e rebate a bola nos pés de Zico, que com simplicidade emenda pro gol. O Flamengo abre o placar. Meio caminho parece andado. Mas o roteiro se repete, o time se empolga demais, vai à frente e cede espaços. O tricolor trama pelo meio, bola com Dadinho que recebe livrinho e chuta. A bola espirra na defesa e sobra com Cardim, que entra completamente livre e tira de Zé Carlos. 1-1. Começa tudo de novo.
Com o gol de empate, o Flamengo mostra maturidade e não se afoba. A torcida não gosta muito, mas a equipe está consciente e não quer correr riscos. No Mineirão, o Atlético vence o Palmeiras por 1-0, o que tranqüiliza. E com calma, o time vai se impondo. Inicia a blitz final. Após perder vários gols, Zinho rabisca pela defesa, passa por três, entra na área sem pedir licença, até ser derrubado. Pênalti, o Maracanã finalmente se solta. Zico, que não é Dadinho, fuzila rasteiro, no canto, nega a Birigui o direito de sair na foto. Flamengo 2-1, vaga garantida. O time toca a bola e espera o final. Mas antes do apito, o bônus. Falta na entrada da área, adivinha quem vai bater? O camisa 10 da Gávea ajeita com carinho. O ângulo não é bom, mas não existe lado nem tempo ruim pro gênio. Ele olha, pensa, calcula e ordena a bola percorrer uma trajetória sedosa, aveludada, rumo ao ângulo direito de Birigui, que é incapaz de se mover senão os olhos, que acompanham o inverossímil farfalhar da pelota nas redes, num abraço que faz a Nação ajoelhar-se em coro louvando seu herói maior. Zico, Zico, Zico, três vezes Zico. Foi a última vez que o Galinho marcou três vezes num só jogo.
Mas contra o Flamengo nunca há favoritos.
* * *
Seja na Terra, Seja no MarAndré Dahmer e Arnaldo Branco são os autores da série de tirinhas "Seja na Terra", publicada durante o primeiro semestre no jornal rubro-negro Vencer. Os cartunistas gentilmente cederam ao Blog da FlamengoNET o direito de reprodução do trabalho aqui no Blog. Para saber mais sobre a dupla, visite os sites: www.gardenal.org/mauhumor e André Dahmer - http://www.malvados.com.br/
|