quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O BOM FILHO A CASA TORNA

* Por Osvaldo Tinhorão

Eu sei, todos nós temos preocupações mais nobres com que nos ocupar, e nos dias que correm o Brasil inteiro acompanha, fascinado, a epopéia rubro-negra lá no alto da tabela. Mas os amigos hão de perdoar esta minha frescura de não falar no assunto, para não atrapalhar a sorte, e dirigir minha atenção por um momento ao fundo da tabela.

Amigos, parece que agora é oficial: o pavoroso tricolor pernambucano (preto, vermelho, amarelo, combinação de inexcedível mau gosto), o lamentável Sport Club do Recife acaba de conquistar um lugarzinho em seu habitat natural, em 2010: a segunda divisão. Antes que me acusem de diminuir indevidamente o antipático Ixpó, só me permitam assinalar que são eles mesmos que o confessam, ao bordar duas estrelinhas douradas e uma prateada em cima de seu escudo: a prateada para a Copa do Brasil de 2008, as outras duas para 1987 e 1990.

Digam o que quiserem de 1987, a mim me parece que festejar essa conquista com uma estrela igualzinha à que recorda a segunda divisão de 1990 é gesto dos mais eloqüentes: denuncia que, no fundo, eles lá sabem a real importância do “título” de que ainda hoje se pavoneia o irrelevante Homero Lacerda. A confissão de parte, relevo de prova.

Pois muito bem. Caiu o Sport, e em vez de fazer passeatinhas histéricas a sua minúscula torcida devia era regozijar-se pela chance de bordar outra estrelinha na camisa, que são as únicas a seu alcance: as da segunda divisão. (Essas e as da Copa do Brasil, um torneio tão irrelevante que andou sendo vencido por agremiações do quilate do Criciúma, Juventude, Paulista de Jundiaí e Santo André. E do Sport, claro.)

Dirão os senhores que estou sendo muito duro com quem nunca pôde aspirar seriamente rivalizar com o Flamengo, e que só existe no mapa como nota de rodapé a recordar a esculhambação que era a CBF de Nabi Abi Chedid e Otávio Pinto Guimarães. É possível, e eu mesmo admito que a melhor receita para lidar com essa gente exótica é a que o meu amigo Arthur Muhlenberg batizou de o maluco do ônibus: o torcedor do Sport é como o bêbado ou o doido que se senta ao nosso lado no ônibus, e em seguida começa a pronunciar incongruências sobre o clima, o crime, la vie, l’amour et la mort. É fingir que não é com a gente e vamos embora.

Mas eu sou um escroto, e teimo em achar que quem, com onze perebas inapeláveis, pretende usurpar a glória de Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho, Leonardo, Andrade, Adílio, ZICO, Renato, Bebeto e Zinho (dez jogadores de seleção, contra nenhum deles) -- quem tem essa pachorra precisa que lhe esfreguem na cara, vez por outra, a sua própria insignificância. E que ocasião melhor que esta?

Além dos motivos propriamente futebolísticos, há os outros, cívicos. Sem jamais ter alcançado um único feito de que o Nordeste possa orgulhar-se, essa malta resolve tratar-nos de “vergonha do Nordeste”. Em seu provincianismo míope, não lhes ocorre que um pernambucano, cearense ou potiguar possa sentir-se acima de tudo brasileiro, e expressar sua brasilidade na mais nacional de todas as instituições, que é o Clube de Regatas do Flamengo. Flamengo onde o Nordeste sempre encontrou motivos para orgulhar-se de si mesmo e de suas contribuições à grandeza pátria, na figura de um Júnior (paraibano), um Dida ou um Zagallo (alagoanos), um Nunes, Aldair, Toninho, Bebeto ou Obina (baianos), um Ronaldo Angelim (cearense), um Dequinha (potiguar), um Iranildo ou Almir (pernambucanos).

Desafio o Sport escalar seleção nordestina semelhante!

Fato é que, descontada a ignorância sobre os méritos alheios, só pode considerar os demais como “vergonha do Nordeste” quem se arroga condições de orgulhar a toda a região. Está longe de ser o caso do pavoroso Sport Club do Recife, que só pôde pretender comparar-se aos grandes quando quis levar na mão grande um título que tem dono, e é do Flamengo. Dirão os paranóicos e os ressentidos que há muito de preconceito nessa indiferença unânime de todo o Brasil à gloríola do Sport em 1987. Essa gente existe às pencas na Ilha do Retiro, e atinge orgasmos cívicos ao som de “Nordeste Independente”. Fosse verdade, no entanto, e o Brasil inteiro não se lembraria com carinho da epopéia do Bahia em 1988, o Bahia de Bobô, Charles e Zé Carlos, o primeiro clube nordestino a sagrar-se campeão brasileiro, passando pelo Fluminense e pelo Internacional. E pelo Sport.

Mas hoje nem é preciso lembrar 1987 para negar ao Sport qualquer pretensão de orgulhar a Pernambuco ou ao Nordeste. Basta lembrar que, nos delírios de grandeza dessa choldra, 2009 era o ano de ouro, o annus mirabilis do Sport. O ano em que, vestido de camisa dourada, o valoroso Leão do Norte avançaria, irresistível, pela Libertadores e plantaria a bandeira pernambucana no centro do gramado de Tóquio (ou dos Emirados Árabes, onde seja).

Calhou que, se algum simbolismo tinha a camisa dourada, era apenas a lembrança do Módulo Amarelo, da segunda divisão, onde o Sport se sente em casa e aonde agora regressa, bom filho que é. Para, quem sabe, bordar mais uma estrelinha amarela no peito, em dezembro de 2010.

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