Olá, saudações rubro-negras a todos,
Hoje eu vou me permitir interromper a história do tetracampeonato brasileiro de 87 e fazer um breve exercício de, ahn, futurologia passada. E se tivéssemos ganho do Goiás? E se aquela falta do Pet tivesse ido na gaveta, se o Adriano tivesse antecipado o zagueiro e feito o gol, se a bola do Kleberson resvalasse na trave e entrasse, se a bola tivesse batido no beque deles e caísse na rede, essas coisas?
Consigo imaginar com nitidez o time saindo de campo aos gritos de “é campeão, é campeão!”, os jornais dando manchetes tipo “pintou o campeão”, comentaristas derramando-se em elogios, sinceros ou não, falando do “futebol diferenciado do Flamengo”, torcedores programando carreata no dia 07. Não duvido inclusive que aparecessem camisas ou faixinhas antecipadas exaltando o hexa.
E os jogadores, o time, a comissão técnica? Por mais que se evitasse, a coisa respingaria nos caras. Oras, é só analisar com cabeça fria a semana que antecedeu o jogo contra os goianos. Ok, houve treino, houve trabalho, houve concentração. Mas também vimos o Pet aparecendo em programa de entrevista, botando pé em calçada da fama, viajando à Bahia. Lemos o Adriano mencionar que o “título será o auge da carreira”, posar pra foto contando os gols que faltam pra ser artilheiro. Até o equilibrado Andrade, um dos pilares da arrancada, falava em “segredo do nosso sucesso” (que sucesso? Ganhamos algo?). Se essas demonstrações de “confiança” espirravam ANTES do jogo contra os goianos, pode-se imaginar o que ocorreria APÓS a liderança conquistada.
A história demonstra que esse momento de objetivo alcançado precocemente costuma ser letal para as pretensões flamengas. É só retroceder a 1998, quando, após sair da zona de rebaixamento e descontar uma diferença que parecia intransponível para a oitava vaga, com uma arrancada que incluiu vitórias como a goleada por 4-1 no todo badalado Corinthians de Luxemburgo, o time desandou ao ser derrotado pelo lanterna e rebaixado América-RN. Voltando um ano, temos o exemplo do Flamengo de Autuori, que após realizar uma partida impecável contra o embalado Vasco de Edmundo, Juninho e Evair, caiu diante do azarão Juventude em um Olímpico às moscas, perdendo toda a vantagem conquistada. Até mesmo os anos 80 nos reservam exemplos semelhantes. Em 1985, um Flamengo motivadíssimo com a volta de Zico partiu com tudo pra enfrentar o perigoso Bahia, tido como o principal obstáculo à classificação às Semifinais. Chocolate, 3-0, missão cumprida, festa. Mas havia um compromisso protocolar em Pelotas, e foi aí que um time acomodado e desconcentrado entregou a vaga.
Enfim, é lícito acreditar que poderia ocorrer algo parecido após o domingo. Time em festa, líder, melhor futebol, craque do campeonato, totalmente mimado pela imprensa, contra um Corinthians que vem treinando quieto. Essas circunstâncias costumam ser o calcanhar-de-aquiles do Flamengo.
O Flamengo sempre se notabilizou pelas conquistas tidas como improváveis. Em quase todos os seus títulos há passagens onde tudo esteve a ponto de ser perdido. Vive de emoção, de luta, de tornar real o impossível. Hoje o Brasil o olha com desconfiança, descrença, até algum escárnio. Até o Internacional de Mário Sérgio (Mário Sérgio!) é tido como concorrente mais sério por alguns. Jogadores perdedores, que tremem, que não treinam, treinador fraco e sem estofo pra decisões, clube sem estrutura, diretoria amadora etc etc etc. É sob essa rajada de pedras que os grandes campeões flamengos costumam ser forjados, emergindo vitoriosos após assimilarem em suas entranhas a dor profunda do revés temporário.
Amigos, haveremos de ver no domingo um Flamengo ferido, desacreditado, massacrado com a frustração da liderança perdida. Fosse outro time, poucos apostariam uma bandeira rasgada. Mas não o Flamengo. Aglutinados pela fé e pela força de uma nação que de tudo é capaz, veremos nossos jogadores rilharem os dentes, injetarem os olhos com o doce ódio dos vencedores, e morderem canelas, bola, grama e adversário em busca da vitória, da sobrevivência que será ao mesmo tempo sua glória. E aí nada irá segurar a força represada de uma nação ungida para esse momento.
Esqueçamos São Paulo, Goiás, mala preta, branca, arbitragens, STJD, PM paulista, essas coisas. O Flamengo tem uma decisão com o Corinthians. Não somos favoritos a nada. Não ganhamos nada. Perdemos a chance. O cavalo passou selado. Trememos.
E exatamente por esses motivos, seremos campeões.
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Para quem gosta de exemplos práticos, aí vão algumas passagens:
1981. Libertadores. O Flamengo empata com o Olímpia (1-1) no Maracanã e se complica na briga pela vaga à fase seguinte . Precisa vencer o Atlético-MG no Maracanã, mas empata (2-2) e não depende mais de si. Mas o Atlético empata em pleno Mineirão contra o lanterna Cerro Porteño (2-2) e devolve o Flamengo à disputa. No jogo-desempate, após grande confusão o Flamengo eliminou os mineiros.
1985, Estadual. Na última rodada da Taça Rio, o Flamengo precisa vencer o Vasco e torcer por um tropeço do Bangu contra o Botafogo. Mas o Bangu está invicto, e o Botafogo luta contra o rebaixamento. O rubro-negro vence por 2-0 e é ajudado pelo Botafogo, que numa jornada de superação arranca o 1-1 do time de Moça Bonita, forçando a realização de um jogo-extra, que o Flamengo vence por 1-0, ganhando assim o turno.
1992. Nas rodadas finais da Primeira Fase, o Flamengo vem em recuperação, buscando alcançar vaga entre os oito que irão à Fase seguinte. Numa atuação irreconhecível, perde para o Sport em pleno Maracanã (1-2) e cai a décimo. Numa recuperação impressionante, conquista sete dos oito pontos em disputa e se classifica, numa arrancada que acabaria no penta.
2000, Taça Rio. O Flamengo perde para o Americano (1-2) em pleno Maracanã e parece dar adeus ao bi estadual, especialmente após empatar com o favorito Vasco (3-3) que assim abre confortável distância na liderança. Mas o Vasco perde incrivelmente para América (1-2) e Fluminense (0-1), abrindo assim caminho para o Flamengo conquistar a Taça Rio e depois o próprio campeonato.
Uma boa semana a todos.
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