terça-feira, 15 de setembro de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana, encerro a segunda parte da Saga do Penta, com o capítulo final da conquista do Brasileiro de 1982. Todas as partes podem ser lidas aqui. (o Brasileiro de 1980 está disponível aqui). Há links nos negritos. Então, boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1982 – Final

Após superar o Guarani, o Flamengo estava novamente nas finais do Brasileiro. Após uma década perseguindo o título, o rubro-negro começava a estabelecer uma intensa intimidade com as decisões de títulos nacionais, o que ainda duraria cerca de uma década. Mas, nesse campeonato de 1982, o desafio seria duríssimo. O Campeão do Mundo estaria de frente com aquela que talvez fosse a única equipe capaz de realmente ameaçar sua conquista, o Grêmio de Ênio Andrade.

O multicampeão treinador gaúcho havia implementado uma mentalidade vencedora e altamente competitiva no Grêmio, que alinhava com uma das melhores equipes de sua história. O meia Paulo Isidoro e o volante Batista, no auge, comandavam o elenco, juntamente com o zagueiro uruguaio De León e o goleiro Leão, apontado por unanimidade o melhor goleiro do campeonato e que só não estava na Seleção por opção de Telê Santana. Além do quarteto, o time mesclava a experiência do zagueiro Vantuir e do atacante Tarciso com a juventude dos laterais Paulo Roberto e Paulo César, além dos volantes China e Bonamigo. Fora a cereja do bolo, o “artilheiro de Deus” Baltazar, atacante perigosíssimo. Um time capaz de tropeçar contra Maringá, Vitória e São José em jogos sem importância, mas que, nos momentos decisivos, eliminara Vasco e Fluminense, além de atropelar o Corinthians de Sócrates nas Semifinais, com duas vitórias contundentes (2-1 e 3-1). Equipe que atuava com a mesma desenvoltura no Olímpico, Morumbi ou Maracanã. Não por acaso, o atual campeão brasileiro.

Primeiro jogo da Final, o Maracanã borbulha de gente, 138 mil. O Flamengo vem completo, com Figueiredo, agora titular, na zaga. O Grêmio, também sem problemas, com o jovem Tonho ganhando de vez a posição na ponta no lugar de Júlio César “Uri Geller”, que não vem em boa fase. A partida começa tensa, truncada, e assim segue por todo o primeiro tempo. Desde o início, a torcida e o time se dão conta de que terão muita dificuldade para superar o bloqueio montado por Ênio. Se no jogo contra o Guarani o ataque flamengo entrava na defesa adversária como faca quente em manteiga, dessa vez o time mal consegue atravessar a intermediária. O Grêmio não cede nenhum palmo de grama. Cada jogador flamengo que recebe a bola tem que se livrar de um ou dois antes de pensar. É uma marcação implacável, quase desumana. Cauteloso, Carpegiani não solta de vez a equipe. Receia os contragolpes mortais, que abateram Flu e Corinthians. E o Flamengo vai vivendo seu drama, mal consegue criar chances de gol, bate na parede gremista. Mas não pipoca, briga por cada bola. O gremista Vantuir entra desatento numa dividida. Quebra a perna. Sai, entra Newmar, a defesa segue sólida. Acaba o primeiro tempo, um denso 0-0. Segundo tempo, Carpegiani começa a abrir o time, sai Lico, entra Chiquinho. O Flamengo melhora um pouco, começa a se aproximar da área gremista, arrisca chutes de longe, mas Leão está bem na partida. O tempo vai passando, as chances de gol são escassas e forçadas, o Grêmio não sai de sua defesa, parece acuado, vai montando sua armadilha. Agora Adílio dá a Chiquinho, que acerta lindo passe a Zico, o Galinho fuzila, mas a bola faz beicinho e sai por cima. A torcida finalmente se inflama, o time vai pra cima, parece a senha pra mais uma vitória dramática. Mas o adversário está calmo. E sente a hora do bote. Bola perdida no ataque flamengo, lançamento rápido a Paulo Isidoro. O Tiziu bate Andrade na corrida, entra na área, chuta cruzado, Raul espalma, o garoto Tonho vem na corrida, aproveita o rebote, pica, inocula a peçonha. Faltam sete minutos, o Grêmio cala o Maracanã. O Flamengo, tal como o São Paulo em 1981, cede ao seu entusiasmo, abre a guarda e leva duro golpe do traiçoeiro inimigo.

Falta pouco tempo, mas ainda há tempo. Os jogadores flamengos enchem-se de brios, pegam a bola no fundo do gol e vão à luta. Na hora, a torcida rubro-negra percebe e diz presente, começa a gritar. Carpegiani manda a cautela às favas. O time vai todo à frente, não tem mais defesa. Vai exercer uma pressão que costuma ser insuportável. Mas o Grêmio suporta, seu sistema defensivo é uma casamata. Chiquinho cruza, Zico ajeita de cabeça, o próprio Chiquinho mergulha, Leão faz bela defesa. Agora, Tita se livra de três botinadas, dá a Zico, que mete uma caneta em Newmar, deixa com Adílio, novamente Zico, daí a Chiquinho, que livre chuta pra fora. A nação enlouquece, agora não tem mais tática, é só coração. Só resta um minuto. A caravana gaúcha, até então calada, começa a cantar, sente a vitória ali pertinho. Apenas mais uma volta no relógio. “ai, ai, ai, ai, tá chegando a hora...”, cantam. Não se canta vitória contra o Campeão do Mundo. Júnior é lançado na esquerda, ganha na raça de Paulo Roberto. Cruza. Zico aparece. Não o craque, não o gênio, mas o deus, que levita, flutua no ar para ganhar de Newmar e, num lance de absurda habilidade, emendar de rosca na saída de Leão, pra implodir a parede gremista, empatar o jogo, ensandecer todo um povo e fazer os gaúchos engolirem o “ai, ai”. 1-1, a decisão continuava empatada. Agora, a pedreira no Olímpico.

O Grêmio tinha o favoritismo do mando de campo, mas a sensacional reação do Maracanã dera moral ao Flamengo. Experimentado, o time não temia o Olímpico. E soube trancar a partida, da mesma forma que os gaúchos haviam feito no Maracanã. É bem verdade que o Grêmio criou as melhores chances, exigiu de Raul, chegou a mandar uma bola na trave, mas o time de Carpegiani mostrou que também sabia atuar de forma competitiva, imprimindo forte marcação, e com boa atuação de sua defesa, segurou o empate em 0-0, frustrando os 74 mil que superlotaram o estádio. Pelo regulamento, seria necessária uma terceira partida para, enfim, decidir o campeão.

“1-0, gol de Nunes”. Zico espalhava, pra quem quisesse ouvir, seu palpite pra decisão. O Flamengo, nos três dias que antecederam a final, saiu de Porto Alegre e foi relaxar em Canela, com direito à presença das esposas dos jogadores. Os gremistas seguiam confinados em sua concentração, acumulando a já insuportável tensão de uma final que se arrastava. E o resultado do estratagema flamengo logo se faria sentir. Surpreendendo a todos, Carpegiani mandou o time partir pro ataque desde o início, como se no Maracanã estivesse. Os gremistas, que esperavam um adversário acuado, sentem e, nervosos, começam a distribuir pontapés a rodo. O Flamengo, solto e leve em campo, passa a fustigar o gol de Leão, criando chances. O goleiro gremista, tenso, acerta cotovelada em Nunes, que lhe mete o dedo na cara. O clima é hostil, a pancadaria parece inevitável. Tita recebe passe na esquerda, dois gremistas, ávidos de porrada, acertam-se mutuamente, mas um terceiro voa na canela de Adílio. Falta cobrada rápido, bola com Zico, que atravessa o meio das pernas de Vilson Tadei e rola macio, serve um prato de caviar em bandeja de prata a Nunes, que vai repetir 1980 e se tornar o verdugo dos sonhos adversários, com um tiro áspero e rascante, desenhando no gramado do Olímpico um rastro de fogo, carbonizando a ilusão gaúcha de se tornar maior do que o maior do mundo. Nunes, o artilheiro, o enviado, cumpre sua missão, faz virar realidade a premonição do divino Zico e dá outro título brasileiro ao Flamengo.

Mas calma, ainda tem jogo. E o tricolor gaúcho atira-se ao ataque com fúria embrutecida, a sanha dos animais selvagens. Leandro sente, dá lugar ao garoto Antunes. O time de Ênio Andrade acossa a cidadela flamenga, mas tropeça em sua ansiedade e nas defesas de Raul, em grande tarde. O jogo parece sob controle, a não ser pela atuação de um garoto, que substitui Tarciso, vetado de última hora. Um menino, quase estreante, 19 anos, que dá enorme trabalho a Júnior. Seu nome, Renato Portaluppi, dono de uma agilidade que parece incompatível com seu corpanzil. Mas mesmo Renato não é capaz de superar a volúpia da defesa flamenga, a sede de um time que não parece nunca saciado com títulos, sempre quer mais. E o jogo vai se encaminhando pro final. Num último suspiro, o Grêmio ataca. Córner. Bola na área, cabeçada forte, Raul faz (mais) uma bela defesa, espalma. Na sobra, Paulo Isidoro briga, dá de calcanhar, a zaga tenta afastar, Renato chega aos esbarrões e empurra a bola pra cima. A partir daí, irrompe uma sinfonia de socos, chutes e empurrões, uma disputa medieval pela bola, que apenas flutua sobre o inacreditável sururu armado na pequena área. Cerca de DEZ jogadores se engalfinham, é briga de rua, e ali está sendo decidido o título. Em uma fração de segundos, todo o estádio se levanta, caem flamengos e gremistas empilhados dentro do gol, corpos em batalha. Marota, a bola apenas assiste ao rebu, até ser esmurrada por um desesperado Raul, que num soluço consegue mandar ao inferno a ameaça à vitória e ao título flamengo. Depois do animalesco lance, os gremistas se convencem de que não ganharão nem na marra. E esmorecem. E viverão o trauma da derrota em casa, que amargam até hoje. Soa o apito, 1-0, e o Flamengo é mais uma vez campeão brasileiro. Um título merecido e anunciado desde a primeira rodada, após a virada histórica sobre o São Paulo. Título pro melhor jogador, longe, do campeonato, Zico, de quebra ainda artilheiro com 21 gols. Título que consolida a força do melhor time do mundo, o auge da Era Zico, e que marca uma façanha jamais igualada no futebol brasileiro.

Sim, porque nesses tempos de estratégias de marketing e intensas tentativas de autopromoção, onde tríplices coroas e números bonitinhos (seiquelá-3-3 etc) se espalham com a velocidade do pensamento, até hoje nenhum, rigorosamente nenhum time foi capaz de acumular tantos títulos em seqüência, simultaneamente. Campeão Estadual, Brasileiro, Continental e Mundial. Campeão de todas as esferas, universal, onipotente e onipresente campeão.


O verdadeiro e autêntico Campeão de Tudo.

Flamengo Net

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