sexta-feira, 21 de agosto de 2009

COLUNA DE SEXTA-FEIRA - André Monnerat

Princípios do choque de ordem

Já faz um tempo que “faço campanha” pelo choque de ordem – uma operação sem a qual, em minha opinião, o Flamengo continuará enxugando gelo, sem nunca conseguir chegar onde gostaríamos. Hoje, o clube se permite conviver com problemas que afastam bons profissionais, encarecem acordose ainda servem de desculpa para que quem está lá nunca renda o que deveria. Do jeito que a coisa anda, é preciso gastar muito mais do que se devia para ter um desempenho que continua abaixo do que gostaríamos – e com isso a situação financeira piora e a bola de neve vai crescendo. O choque de ordem é isso: acabar com estes limitadores com que o Flamengo convive. Para isso, pode ser preciso dar alguns passos atrás, para que depois se consiga realmente andar para frente.

Pois bem. O primeiro princípio deste choque de ordem parece óbvio, mas é mesmo o compromisso número 1 que qualquer empregador sério precisa assumir com seus contratados: salários em dia.

Estou mais do que convencido de que os constantes atrasos de salários contribuem e muito no desempenho dentro de campo. Independente de qualquer corpo-mole nos jogos, o fato é que esse é o tipo de coisa que tira o foco durante a preparação. As notícias dos atrasos ainda ajudam a dificultar contratações e prejudicam a imagem do clube com possíveis parceiros - fora que isso se transforma em novas dívidas, que terão que ser pagas algum dia. Não honrar compromissos é prejuízo certo.

Fora isso, ainda há uma outra singela razão para que esse compromisso tenha que ser sagrado: honestidade. Se vocês não têm pena dos jogadores, podem ter certeza de que, sempre que lemos que seus salários estão um ou dois meses atrasados, os dos demais funcionários do clube, com rendimentos bem mais modestos, estão pendentes há mais tempo ainda. Imaginem-se tendo que desenrolar com o cara da Light pra ele não cortar sua luz, porque seu chefe não depositou o salário no dia certo e você não pôde pagar a conta, e vocês vão entender do que eu estou falando. Manter deliberadamente essa situação não é coisa de homem.

Nos últimos anos, convivemos com responsáveis pelo futebol do Flamengo reclamando das “bombas que estouravam” na Gávea e lhes impediam de trabalhar como gostariam – ao mesmo tempo em que deixavam outros tantos explosivos armados para seus sucessores. Assim, tudo o que eu peço neste momento aos atuais dirigentes é que cortem este círculo vicioso: não contribuam com a expansão do campo minado rubro-negro.

É claro que, para que o Flamengo tenha um time forte e pague suas contas em dia, é desejável que se aumente as receitas. E todos vamos concordar que o trabalho feito para isso tem sido mesmo muito, mas muito abaixo do potencial que o Flamengo tem, e isso tem que ser corrigido pra ontem. Mas o fato é que, de 2006 para 2008, as receitas operacionais do futebol do Flamengo (tirando venda de jogadores) cresceram em 45% - e as despesas aumentaram em 70%. São dados de balanço, divulgados pela própria diretoria.

Neste momento em que eleições se aproximam e o time está convivendo com inúmeros desfalques ao mesmo tempo em que vai caindo na tabela de classificação, há um impulso pela ida às compras. E uma intenção declarada está na contratação do volante Correa, o que já comentei no SobreFlamengo. Faço a pergunta: é realmente necessário? Vai mesmo fazer muita diferença? Seu custo será compatível com o benefício que se pode esperar do negócio? E, se é pra gastar, a sua posição deve ser uma prioridade?

Agora, vejam o seguinte. Boa parte dos torcedores diria hoje que a prioridade na hora de buscar reforços para o time deve ser um meia-armador. Acontece que, desde a venda de Renato Augusto – camisa 10 formado na base, vendido por bem menos que sua multa rescisória para pagar dívidas e salários atrasados -, o Flamengo já contratou para a posição Fierro, Sambueza, Éverton, Marcelinho Paraíba, Zé Roberto e Petkovic, se não estou esquecendo ninguém. E continuamos exigindo a contratação de um jogador para esta mesmíssima posição.

Um deles foi contratado ano passado, quando o time convivia com desfalaques e caía na tabela, como agora. Como vinha da Europa, sua liberação custou caro, seu salário era alto, mas o negócio foi feito no impulso, tentando salvar a campanha que ia ladeira abaixo. Mesmo com o novo reforço (e mais uma penca de outros, cada um com seu custo), a bagunça interna inegavelmente atrapalhou o rendimento e a vaga na Libertadores não veio; seus salários não cabiam no orçamento e, claro, atrasaram. Ele ficou insatisfeito, passou a render menos, a torcida andou descontando nele e o tal jogador acabou indo embora de graça, em troca apenas do perdão da dívida contraída com o próprio cara em poucos meses. Suas entrevistas sobre o clube não são nada agradáveis e a imagem do Flamengo saiu um tanto mais arranhada do episódio. E, hoje, há quem se lamente pela partida do tal sujeito, enxergando nele o tipo de jogador que poderia resolver o problema atual do time.

Pergunta: valeu a pena? Vamos repetir o mesmo filme?

Será possível que não se aprendeu nada?


• ANDRÉ MONNERAT trabalha com marketing e Internet e escreve também no SobreFlamengo

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