terça-feira, 18 de agosto de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana, sigo contando a história da conquista do segundo Brasileiro do Flamengo, em 1982, quando o desfecho das partidas em Porto Alegre era bem diferente. As partes anteriores podem ser acessadas aqui. Há links para vídeo nas partes em negrito. Então, boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1982 – Parte 03

O Campeonato chega à sua Segunda Fase. O Flamengo, após as duas exibições de gala contra o São Paulo, é a grande sensação da competição, confirmando o favoritismo que lhe fora imputado antes do início do torneio. Para a fase seguinte, os 32 times restantes são divididos em oito grupos de quatro. O Flamengo cai justamente na chave mais difícil, juntamente com Atlético-MG, Internacional e Corinthians, que ganhou uma das vagas da Taça de Prata. O primeiro jogo seria contra os paulistas, no Morumbi.

1981 havia sido um dos mais negros anos da história do Corinthians. Com campanhas ridículas no Brasileiro e no Estadual, o time se viu obrigado a disputar a Taça de Prata, uma espécie de Segunda Divisão que dava direito de acesso no mesmo ano, uma composição esdrúxula que acomodava os interesses de federações menores. Assim, em 1982 o time paulista superou seus problemas internos e montou uma equipe arrumadinha e competitiva, onde o gênio Sócrates era acompanhado pelos talentosos Wladimir, Zenon, Zé Maria e o garoto Casagrande, que vinha marcando muitos gols. Um time embalado por uma longa invencibilidade, que conquistara com facilidade uma das vagas para a Segunda Fase da Taça de Ouro. E que agora estava diante de seu desafio maior, enfrentar o melhor time do mundo.

E o público não decepcionou. 91 mil pessoas apinharam o Morumbi para assistir à volta dos corintianos à Primeira Divisão. O Flamengo, desfalcado apenas de Raul (substituído por Cantarele), volta ao palco em que encantara o país 11 dias antes. Mas dessa vez enfrenta um adversário determinado e aplicado taticamente, que exerce forte pressão e sai na frente com Wladimir, aproveitando uma cobrança de escanteio. O time sai pro jogo, encontra dificuldades com a pesada marcação corintiana (Eduardo, Biro-Biro e Paulinho formam um cinturão), mas chega ao empate ainda na primeira etapa, após jogada belíssima iniciada por Lico e Júnior, que é finalizada num passe de Tita a Zico, que se livra de Wagner Basílio e, mesmo fora da área, apenas rola suavemente pro gol, deixando estático o goleiro César. Coisas de gênio...

No segundo tempo, os dois times respeitam-se mutuamente e preferem não correr maiores riscos. No fim, o 1-1 agrada a todos. O Corinthians, por sair vivo de um choque contra o Flamengo. E o rubro-negro, por ter somado um pontinho fora de casa. Mas não tem moleza nesse grupo, o jogo seguinte vai ser contra o Atlético-MG, velho conhecido de batalhas recentes. E, nos treinos antes da partida, a equipe sofre duro golpe, perde Nunes, com uma entorse no joelho. Previsão, um mês fora dos gramados.

“Bumbum paticumbum prugurudum!” O Império Serrano acabava de ganhar o Carnaval com um samba-enredo de nome estranho, mas que arrebatara crítica e público. A música era o grande sucesso do verão carioca, e naturalmente foi levado ao Maracanã pela torcida do Flamengo, que recebeu seus heróis ao som do samba de Beto Sem Braço e Aluísio Machado. Mas o time precisaria de muito incentivo naquele domingo de março.

O Atlético não tinha a mesma força dos anos anteriores, mas seguia com a base formada por João Leite, Luisinho, Toninho Cerezo, Reinaldo e Éder. Para o encontro no Maracanã, o Galo não contaria com Cerezo e Luisinho, mas mantinha viva a sede de vingança pela perda do título de 1980 e pela eliminação da Libertadores em 1981, momentos em que, ao se ver superado pelo Flamengo, apelou para expedientes extra-campo, buscando na catimba e no posterior choro pós-derrota a explicação para seus insucessos. Pena, pois possuía boa equipe, que poderia ter criado mais problemas caso o time pensasse apenas em jogar bola.

E foi pensando apenas em praticar futebol que a equipe mineira começou melhor a partida no Maracanã. E com apenas 15’, após rondar a área flamenga, fez 1-0, quando Reinaldo, em posição bastante duvidosa, aproveitou o rebote de uma cobrança de falta de Éder na trave. O Flamengo começava atrás do marcador.

Para suprir a ausência de Nunes, Carpegiani recorreu a Reinaldo, atacante potiguar que se destacara no Náutico. Mas Reinaldo não conseguia dar ao time a mesma movimentação de Nunes, e o Flamengo passou a encontrar enorme dificuldade para entrar na defesa mineira. Para piorar, perde Figueiredo (que substituía Leandro), expulso por jogo violento. O adversário encaixa contragolpes que passam a ser um tormento para a defesa rubro-negra. Os 71 mil torcedores berram, lançam o time à frente, mas a equipe passa a praticar um futebol previsível. Sem Nunes, o Flamengo deixa de ser um time diferenciado e passa a ser uma equipe apenas muito forte. Mas é Flamengo, e não se abate, vai à luta. Carpegiani vai pro tudo ou nada, põe Vítor e o ponta Chiquinho, saem Andrade e Reinaldo. O time melhora, parte pra cima, mas agora esbarra nas defesas de João Leite, em uma das suas melhores atuações na carreira. O sujeito simplesmente pega tudo. O Atlético é cada vez mais perigoso nos contragolpes, mas Mozer começa a se destacar, corta sistematicamente as investidas dos mineiros, multiplica-se em uma defesa inteira. Agora temos 28’ da segunda etapa. O estádio não respira, o Flamengo não pode admitir nem o empate, e ainda está perdendo, e com um a menos. O time briga, desordenado, é pura valentia. Falta. Júnior alça na área, Mozer dá um salto impressionante e toca de cabeça. Adílio entra de sola e empurra pro gol. 1-1, o Maracanã estremece. O time mal empatou, e a virada já é iminente. O Atlético se encolhe, já não consegue sair de seu campo, acuado pelos dez homens flamengos mais 70 mil, que empurram a bola para a área mineira, a bola resvala na defesa, córner. Já são 36’. Júnior bate alto, Mozer, o nome do jogo, decola, apóia-se nas costas de Adílio e fulmina João Leite de cabeça. O Maracanã vai abaixo, arrepia-se em uma explosão de alívio e euforia. Os mineiros esboçam reclamar, talvez tenham visto falta de Mozer em Adílio... a multidão em êxtase entoa o “bumbum paticumbum prugurudum”, feliz com a alma moleque de uma equipe que vai driblando suas dificuldades com samba, suor e bola no pé. Final, Flamengo 2-1.

Apesar de mais uma sensacional virada, as dificuldades encontradas pelo Flamengo na partida contra o Atlético mostram a Carpegiani que a ausência de Nunes será muito sentida. O time retroage exatamente dois anos no tempo, quando se viu sem centroavante no início do Brasileiro de 1980 e empilhou atuações pífias, até que o João Danado assumisse a 9 e ajudasse a equipe a arrancar pro seu primeiro Brasileiro. Agora Nunes está fora, e as opções no banco não animam.

Vem a partida contra o Internacional, no Maracanã. Carpegiani coloca Vítor e Andrade no meio, soltando Adílio, Tita e Lico e adiantando Zico na frente. Não dá certo, o time esbarra na retranca montada por Cláudio Duarte e não sai de um frustrante 1-1. A seguir, vai ao Mineirão e enfrenta o Atlético-MG. Mais uma formação diferente, agora o garoto Edson entra na ponta-esquerda, também não agrada, entra Anselmo, que faz até gol, mas não impede a derrota (1-3), em grande atuação do meia atleticano Renato. O Atlético finalmente consegue algum êxito (apesar da sua discutível relevância) para se lembrar em gerações futuras.

A classificação flamenga está ameaçada. O quadro não é pior porque o Corinthians dispara na frente, vencendo todos os seus jogos e roubando pontos de Atlético e Internacional. Agora o time vai ao Beira-Rio lotado (41 mil), precisa pelo menos do empate. Anselmo é mantido, movimenta-se bem mas é facilmente marcado. Mesmo assim, o Flamengo, mais agressivo, sai na frente com Zico, de cabeça. O Inter é caricatura dos tempos de Falcão, mas ainda assusta, pressiona, abusa das bolas altas para Geraldão. Num desses cruzamentos, a bola passa pelo grandalhão atacante e sobra para o zagueiro Mauro Pastor, que erra a cabeçada, mas o movimento engana Raul e a bola entra devagar, é o empate. Com o gol, o Inter vai pra cima de vez, põe o Flamengo nas cordas. Já é o segundo tempo. O ótimo lateral Edevaldo (reserva de Leandro na Seleção) coloca a bola na cabeça de Geraldão, que tira do alcance de Raul. O Inter faz 2-1, o Flamengo parece perdido em campo. Anselmo agora sai, entra Reinaldo. O Flamengo joga a sua vida, conta com o erro estratégico do Inter, que recua. Não se recua contra o campeão do mundo. O rubro-negro melhora, volta a dominar o jogo, troca passes, ronda o gol de Gilmar Rinaldi. Restam 15’. Lico começa a jogada, deixa com Adílio, daí a Zico, que só dá um tapa pra Reinaldo mandar a bomba, linda jogada! O Flamengo empata, num gol que lembra o de Jairzinho contra os ingleses em 1970. O empate agrada, o time gasta o tempo, espera o final, mas o Inter não desiste, tenta agredir, precisa da vitória, abre espaços. Não se dá espaços ao campeão do mundo. Agora restam 3’. O Flamengo retoma a bola, vem tocando, os gaúchos só cercam. Tita recebe na esquerda e passa a Vítor (que entrara no lugar de Andrade). O volante acerta a bomba e cala o Beira-Rio, definindo o placar e a vitória por 3-2, mais uma espetacular virada. E também a classificação antecipada, beneficiado por mais uma vitória corintiana (2-1 no Atlético).

Com a vaga no colo, o Flamengo enfrenta o Corinthians na última rodada. Seja pelo caráter amistoso da partida, seja pela forte chuva que assolou o Rio de Janeiro, seja pelo horário ingrato (quinta-feira à noite), o fato é que apenas 24 mil torcedores foram ao Maracanã acompanhar o tira-teima entre os dois melhores times do “grupo da morte”. E assistiram a uma partida morna, com as duas equipes nitidamente se resguardando (o Corinthians inclusive poupara Sócrates). E o Flamengo, por atuar em casa, tomou a iniciativa e chegou ao placar de 2-0, gols de Zico (de pênalti) e Tita, resultado que derrubou a invencibilidade de 23 jogos dos paulistas.

O Flamengo, assim, passava às Oitavas-de-Final. Iriam começar os jogos em mata-mata, e o primeiro adversário seria o Sport de Recife, equipe mediana que vinha fazendo uma campanha apenas razoável. O confronto parecia não assustar, e muitos já davam a classificação como certa.

Ledo engano.

Créditos vídeos: www.flamuseu.blogspot.com e www.youtube.com/user/aleflamengo

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