terça-feira, 4 de agosto de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana eu quero dar continuidade à história da conquista do pentacampeonato brasileiro pelo Flamengo, algo que parece, infelizmente, distante da realidade do time atual, que se notabiliza mais pelos fiascos dentro de campo e pelas picuinhas fora dele. Enfim, inicio nesta semana a história do Brasileiro de 1982 (lembrando que o Brasileiro de 1980 pode ser lido aqui). Há links para vídeos nos trechos em negrito. Então, boa leitura.

O Campeonato Brasileiro de 1982 – Parte 01

1982, janeiro. O Flamengo, poucas semanas antes, tornara-se Campeão Mundial Interclubes, na memorável final contra o temido Liverpool, provocando um verdadeiro carnaval em todo o país, em pleno mês de dezembro. Fim de férias e de festa, hora de voltar ao trabalho, à luta, e de brigar pelo único título que faltou no perfeito ano de 1981: o Campeonato Brasileiro.

O time era o mesmo do final da temporada anterior, com exceção da saída de Baroninho (sem ambiente no elenco) e das chegadas dos promissores atacantes Popéia (ponta-direita vindo do Internacional-RS) e Reinaldo (centroavante trazido do Náutico). O treinador Carpegiani mantinha a escalação-base que hoje soa como música para os ouvidos flamengos: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior, Andrade, Adílio e Zico, Tita, Nunes e Lico. Havia ainda Vítor, volante reserva de luxo, espécie de décimo-segundo jogador que substituía qualquer um do meio e do ataque (exceto Nunes), dotado de tamanha qualidade técnica que chegou a ser cogitado por Telê Santana para ir à Copa do Mundo daquele ano (vivia sendo convocado). Outro reserva útil era o zagueiro Figueiredo, capaz de entrar no time e manter o nível das atuações da zaga.

O Brasileiro de 1982 seguia sendo disputado por 40 clubes, agora divididos em oito grupos de cinco. Os três primeiros de cada grupo, mais quatro equipes repescadas, passariam à Segunda Fase, juntando-se a quatro times oriundos da Taça de Prata, espécie de Segunda Divisão camuflada que naquele ano teria a presença ilustre do Corinthians. Assim, a Segunda Fase contaria com 32 equipes.

Ao Flamengo coube a companhia de Treze-PB, Ferroviário-CE, Náutico-PE e o seu adversário da estréia, o forte São Paulo, bicampeão paulista e vice brasileiro. Feriado de São Sebastião, quarta-feira à tarde, e 85 mil torcedores vão ao Maracanã saudar os campeões do mundo. O jogo tinha tudo para ser sensacional, com uma verdadeira constelação de craques povoando o gramado do Maracanã. Dos 22 jogadores que alinharam para a partida, nada menos que 14 (sete de cada lado) vinham sendo utilizados ou testados por Telê na Seleção (e nessa lista faltavam Tita, que não jogaria, machucado, Vítor, que estava na reserva, e Darío Pereyra, que atuava na Seleção Uruguaia). Do time titular de Telê, nada menos que SEIS jogadores estavam em campo (Zico, Leandro, Júnior, Waldir Perez, Oscar e Serginho). Enfim, um duelo de altíssimo nível, muito comentado na época.

É, mas quem pagou ingresso para ver o campeão do mundo acabou vendo apenas uma equipe em campo na primeira etapa: o São Paulo. Na noite anterior, todo o elenco flamengo foi autorizado a participar das gravações de um disco de Jorge Ben (hoje Benjor), mas a coisa atrasou e acabou atrapalhando a preparação dos jogadores para a partida. Como resultado, o Flamengo entrou em campo disperso, desconcentrado e apático. Melhor para o tricolor paulista, que não tinha nada com isso e passou a dominar amplamente, com Renato e Mário Sérgio regendo a equipe, que justificava o apelido de “Máquina”. O São Paulo entrava fácil na defesa rubro-negra. Sem movimentação, o ataque flamengo era presa fácil para Oscar, Darío Pereyra e o aplicado Almir, que não deixava Zico respirar. Movimentando-se com muita inteligência, o meia Renato (reserva de Zico na seleção) encontrou seu espaço no lado esquerdo da defesa carioca, e foi por ali que enfiou uma bola preciosa para Serginho ganhar de Marinho e tocar na saída de Raul, São Paulo 1-0. Confiante, o time paulista seguiu dominando toda a primeira etapa. Atônita, a torcida rubro-negra não encontrava forças para fazer o time reagir. O Flamengo parecia adormecido. E literalmente assistia ao show de Renato, que enjoava de servir bolas açucaradas para Serginho. E, de tanto insistir e perder gols, o tricolor acabou chegando ao segundo, ainda na primeira etapa, quando Renato entrou pela direita, livrou-se de Mozer e Andrade e cruzou para Serginho, livre, apenas escorar para o fundo das redes. São Paulo 2-0, aos 41’. Fim da primeira etapa, e o escore estava de excelente tamanho para o Flamengo. Uma biaba de três, quatro, não seria nada absurda, tal o volume de jogo apresentado pelos visitantes. A torcida presente ao estádio sequer conseguia esboçar reação, uma vaia aqui ou ali, mas o silêncio impressionava.

Cabisbaixos e vagarosos, os jogadores flamengos foram tomando o caminho do vestiário. Ninguém dizia nada, premido de vergonha. Até que alguém pediu a palavra, clamou por vergonha na cara, seguiram-se palavras de ordem e incentivo, os jogadores entreolharam-se e juraram reação. Pelo menos na atitude.

Volta o time, começa o segundo tempo. Carpegiani tira o apagado ponta-direita Chiquinho e coloca Vítor, que passa a grudar em Renato, liberando Andrade. Adílio passa a ocupar a ponta-esquerda e Lico vai atuar mais solto no meio, revezando-se com Zico na criação, com liberdade para chegar junto com os laterais no apoio. Uma alteração que mexia em toda a estrutura do time, mas à qual os jogadores já estavam acostumados desde a época de Coutinho.

Aguerrido, o time finalmente entrou no jogo. A alteração de Carpegiani mostrou-se acertada, o time conseguiu encaixar a marcação e a movimentação na frente começou a confundir a defesa adversária. Mas o São Paulo ainda ameaçava, perdia chances. A torcida percebeu que o Flamengo estava entrando no jogo e começou a empurrar o time à frente. A partida tornava-se equilibrada, aberta. Uma aura de suspense começava a se formar, surgia a sensação de que a equipe que chegasse primeiro ao gol seria a vencedora. A goleada são-paulina parecia iminente, tal como a virada flamenga. Só faltava um gol, um mísero tento para acender o rastilho de pólvora.

Ele viria aos 13’. Júnior infiltra pelo meio, dá a Zico, que procura Lico. O catarinense apenas escora para o Galinho, que vem na corrida e fuzila Waldir Perez, Flamengo 1-2. Agora o Maracanã é um caldeirão, a torcida se inflama, põe o time à frente, a equipe se arrepia, toma conta do jogo, agora é o melhor time do mundo que está em campo. O treinador Formiga, do São Paulo, comete o erro de recuar seu time, ninguém resiste ao campeão do mundo em sua defesa. Os jogadores se mexem de forma alucinada, parece algo de outro planeta. O tempo vai passando, o tricolor se defende como pode, mas o empate é iminente. Agora são 25’, o barulho ensurdece. Lico vem pela meia-direita, dá a Marinho, que está curtindo uma de ponta. O zagueiro cruza fraco, a zaga rebate mal, sobra com Adílio, que tenta entrar driblando e é desarmado, Zico consegue ganhar a sobra e ajeitar para Andrade, que emenda de primeira, rasteiro, no canto direito, indefensável. É o empate, o Maracanã vai abaixo. Ninguém no estádio (talvez nem os são-paulinos) duvida da virada, que parecia inatingível e agora é o desfecho que surge inevitável, próprio de um campeão mundial.

E o melhor time do planeta segue em cima, sem dar espaços, simplesmente sufoca o adversário. O poderoso São Paulo parece um madureira, um olaria. Agora a cascata de gols perdidos é rubro-negra. Nada consegue parar Zico e Lico. Temos agora 36’. O time sai jogando, bola com Lico, daí a Zico, um toque desconcertante de calcanhar a Lico de volta, agora Lico está na esquerda (qual a posição dele, afinal?), dá a Júnior, projeta-se, recebe na frente, espera Júnior chegar ao fundo e lhe serve com açúcar. Júnior, por sua vez, cruza “com as mãos” na cabeça de Zico, que só escolhe o canto e decreta o que já estava escrito desde a volta do intervalo. Flamengo 3-2 São Paulo. Uma virada sensacional, que já agita o campeonato logo em seu início. Decididamente, era uma estréia digna de um campeão mundial. Aí, foi só administrar e curtir a festa de uma galera feliz.

Na seqüência, o Flamengo foi a Recife enfrentar o Náutico, pedreira diante de 30 mil no Arruda. Começa até bem, com um golaço de Leandro, mas o combativo time da casa avança a marcação e sufoca a saída de bola flamenga (um tipo de jogo contra o qual aquele time sempre encontrava dificuldades). E, aproveitando-se de três falhas de Raul (em atuação desastrosa, talvez a sua pior no clube), vira o jogo para 3-1, gols de Douglas e Hêider (que anos mais tarde atuaria no Mengo), duas vezes. Aí os pernambucanos, eufóricos, partem para administrar o resultado em contragolpes, dão a posse de bola ao Flamengo, erro do qual nenhum time saía ileso. Nenhum time, rigorosamente nenhum, conseguia atuar em seu campo e resistir à movimentação e ao toque de bola do Flamengo, que parte pra dentro do Timbu e, em apenas 17 minutos, com uma atuação insana de Zico, vira para 4-3, com um gol de Lico e dois do Galinho (o último, por sinal, é rigorosamente igual ao do título da Libertadores, de falta). Mais uma virada espetacular, Náutico 3-4 Flamengo.

Passam-se apenas duas rodadas e o campeão do mundo já é apontado como o grande favorito à conquista do Brasileiro. As duas viradas assombram a crônica, que derrama litros de tinta em louvor aos craques do time. E os jogos se seguem, goleadas em cima do Treze (5-0, com um gol de placa de Zico) e do Ferroviário (3-0, três do Galinho, um deles escorando um cruzamento de bicicleta de Júnior. Era um time globetrotter). Depois, uma mini-excursão ao Nordeste, onde o Flamengo estabeleceu o maior público da história do Estádio Ernani Sátiro, em Campina Grande-PB (41 mil), e jogou o suficiente para abater o Treze por 3-1, e sofreu com a catimba e a violência do Ferroviário, vencendo mais uma, agora por apertados 2-1 diante de quase 50 mil no Castelão.

Vem o jogo contra o Náutico, no Maracanã. O time, já classificado e sentindo um certo cansaço nitidamente se poupa e aceita a marcação do aplicado time pernambucano, comandado por Pepe. No final, o empate em 1-1 gera muxoxos entre os 23 mil pagantes, mas o Flamengo segue invicto.

Restava apenas o último jogo da Primeira Fase, contra o São Paulo, no Morumbi. O tricolor ainda não havia digerido a derrota no Rio, e prometia o troco. Uma atmosfera de revanche permeava o estádio, 70 mil ingressos vendidos. O jogo valia o primeiro lugar do grupo.

E, por mais incrível que possa parecer, seria ainda mais espetacular que o anterior.

(Créditos vídeos: www.flamuseu.blogspot.com e www.youtube.com/user/rafaelcpedro)

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