sábado, 20 de junho de 2009

Nosso Mundo é Flamengo - por Paulo Lima*

Tempos modernos difíceis. Relembremos o passado. Ainda que nunca se o tenha vivido.

É mal de quem queria ter nascido alguns anos antes. Meus pais se casaram em 1970 e tiveram a infeliz ideia de só me gerarem 10 anos depois. O prejuízo por este hiato sinto especialmente por um aspecto: não ter visto o melhor dos Flamengos, com a geração de Zico e cia. Tivessem me produzido uns três anos depois (convenhamos, é tempo muito bom para aproveitar o matrimônio a sós) do matrimônio, digamos – o que seria 1973 - eu teria visto o Mundial de Tóquio com oito anos. E não venham me dizer que não lembramos do futebol nesta idade. Jamais me esquecerei do vizinho vascaíno ordinário que me ligou logo após o gol do Cocada (escutado pelo rádio).

Após essa digressão, e mediante o contínuo interesse em resgatar essas glórias nunca vistas, deparei-me com um recente artigo no “Daily Mail” http://www.dailymail.co.uk/sport/football/article-1190861/Maradona-Pele-Cruyff-George-Best--The-Alternative-List-Boffins-pick-10-footballers-time.html, um respeitado jornal britânico, que publicou uma lista alternativa dos 10 melhores jogadores da história. Alternativa apenas porque uma anterior havia sido divulgada. Mas nada que invalide sua importância.

Fato é que a segunda relação contém Zico como o décimo maior. Para nós, nada de anormal. Aliás, anormal, sim, pois em nossos corações trata-se inquestionavelmente do número 1. Mas vivendo a mente europeia e especialmente a inglesa, podemos atribuir que a conquista de 81 sobre o poderoso Liverpool ainda faz do Galinho um esportista mágico, à frente de seu tempo.

Sim, porque os outros nove são nomes consagrados, por terem brilhado em um ou mais clubes e/ou também por suas seleções.

O que chama a atenção é justamente Zico não ter alcançado glórias significativas com a Amarelinha – fez parte de uma geração maravilhosa, que seduziu o mundo, mas fato é que nem Copa América venceu. E ainda sim está no top ten. Copa Roca não vale.

Ou seja, sem paixão, e baseando-se na lista do Daily Mail, sou levado a afirmar que ZICO foi o maior jogador de clube em todos os tempos.

Serei contestado por essa assertiva, principalmente pelos leitores não rubro-negros. Mas vamos aprofundá-la.

Trocando em miúdos: o Galo foi o maior jogador de clube da história do futebol porque foi o que melhor conseguiu, em apenas uma agremiação, atingir o melhor nível e o reconhecimento mundial sem ter conquistas expressivas pela Seleção.

É claro que na Udinese ganhou a propagação necessária para consolidar seu já conhecido nome internacionalmente, mas nada fez de diferente ou melhor do que na Gávea – tanto é que, embora tenha encantado os italianos, não ganhou títulos significativos por lá. No Kashima, onde foi percursor, é ídolo. Mas sem nenhuma J-League no currículo.

Sendo assim, concluo a explicação dizendo que Zico figura neste top ten não por sua vida e obra com a Amarelinha, e sim pelos títulos de destaque e evidência com que conduziu um dos maiores scratches futebolísticos do planeta.

Como base comparativa, vejamos os outros nomes.

Pelé foi o Rei do Santos. Mas também o foi pela Seleção, com três Copas. Ou seja, a trajetória na Seleção foi tão ou mais decisiva para ser considerado o maior de todos.

Maradona já seria descartado por ter brilhado por dois clubes (Boca Juniors e do Napoli), além de ter liderado a seleção argentina na conquista do Mundial de 86.

Di Stéfano, foi um monstro no Real Madrid e por ele se notabilizou como “o Pelé que nunca jogou uma Copa”. Mas, antes disso, venceu dois Campeonatos Argentinos pelo River Plate e três Colombianos pelo Milionarios. Foi o grande nome dessas equipes na década de 40 e, por isso, considero que tenha sido arrebatador e decisivo para a história de mais de um clube.

Irão me dizer que o destino de Cryuff pela Holanda foi tão cruel como o de Zico no Brasil (muito embora tenha sido vice mundial em 74). Mas o gênio da Laranja Mecânica dividiu seu apogeu entre o Ajax e o Barcelona.

Zidane foi o mago da Juve, do Real Madrid e dos Bleus em 98 no Mundial, em 2000 na Euro…

Beckenbauer era o Kaiser de Munique, tamanha a identificação com o Bayern. Mas levou uma Copa para casa em 74. Por isso está onde está.

George Best, talvez o nome mais que melhor rivalizaria com Zico sob os critérios adotados na comparação, também entrou para a história do Manchester United como fez o Galo com o Flamengo. Além disso, por ser norte-irlandês, nunca jogou uma Copa. Mas creio que não vence o Galo por 3 aspectos: a) teve menos títulos de expressão que o nosso 10 (dois nacionais e uma Champions League – perdeu o Mundial para o Estudiantes – contra quatro Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial de Zico); b) teve uma carreira menos extensa em seu clube (dez anos contra 16 do Galo). c) ao contrário de Zico, não é tido como o grande nome da história de seu time – antes dele há certamente Bobby Charlton (isso se a história não apontar alguém das recentes gerações, que vez por outra dominam a Europa e o mundo há dez anos).

Ferenc Puskas tornou-se tão ídolo do Real Madrid (três Champions League, um Mundial, cinco Ligas Espanholas) que se naturalizou espanhol. Mas é também o maior jogador da história do Honved, uma espécie de Santos da Hungria, onde arrebatou cinco campeonatos nacionais. Apesar da frustração do vice na Copa de 1954 pela Hungria, foi campeão olímpico por essa seleção dois anos antes, o que também contribui para sua proeminência mundial.

Platini, o nono nome, foi craque do Saint Étienne e do Juventus. E merecia melhor sorte pela França, muito embora tenha erguido pelos Bleus a Copa Européia de 82.

E então, racionalmente falando, concordam com a afirmação?

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É verdade que muitos nem colocariam Zico no top ten. A primeira lista do jornal saca o Galo, empurrando para a 11a posição, e coloca Bobby Charlton. Bairrismo explica.

De toda forma, outros nomes poderiam aparecer, como os brasileiros Garrincha, Ronaldo, Romário, ou o alemão Matthaus, o português Eusébio, o goleiro italiano Zoff….

Mas para entender as razões de Zico estar e ser reverenciado pelos ingleses, é simples: além de, como reporta o Daily Mail, ser “um sublime driblador, passador criativo e finalizador clínico, além de expert em faltas e chutes poderosos e precisos. Era um clássico camisa dez, um jogador que criava chances e marcava gols com a mesma perfeição”, Zico foi o artífice da derrocada do gigante Liverpool em 81.

Em um artigo de 2001, que lembrava os 20 anos do Mundial do Flamengo, a revista britânica “When Saturday Comes” http://www.wsc.co.uk/content/view/3136/29/ , especializada em futebol, afirmou que o time da terra dos Beatles supostamente seria “o rei do mundo nos anos 80”, não fosse aquele camisa 10 dos “Brazilian red and blacks”.

Em uma fantástica descrição de como batemos os poderosos e encantamos o planeta, o artigo recorda as desculpas esfarrapadas dadas pelos jogadores e técnico do Liverpool após o acachapante revés. Chegaram a alegar cansaço, mas o autor recorda que era o Flamengo a estar no fim da temporada – era o 77o jogo do ano.

Se interessar aos amigos, posso trazer a tradução completa do artigo no meu próximo texto aqui no blog.

“Ele tinha um primeiro nome [com a grafia] à inglesa – Arthur (e não Artur) Antunes Coimbra – mas o resto dele, naquele dia, era o melhor do Brasil” – WSC, Outubro/2001.

Viva Zico.


* Paulo (Henrique Caruso) Lima, 29 anos, residente em Nova York (NY), é servidor público federal e ex-repórter ("Falquinho") do Diário LANCE! (entre 2001 e 2008), e escreve também no Mundo Flamengo (www.mundoflamengo.com)







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