Mengão Fuderosão Penta TRI Campeão do Morro e do Asfalto
Penta TRI é um artigo raro, não é todo dia que se conquista um desses. E até nós, rubro-negros laureados e acostumados a ganhar toda hora ficamos emocionados com taças, hegemonias, blá-blá-blá. A esbórnia tricampeã que se espalhou pela cidade e pelo país parece até que não tem hora pra acabar. É esbórnia das mais justas e bem fundamentadas. Passamos o rodo de uma maneira tão impiedosa que nem os fregueses encontram motivos pra reclamar. Eles foram obrigados a entubar mais essa.
Infelizmente a fila anda e, precisamos ter a grandeza de admitir, na semana que vem ninguém mais vai se lembrar do TRI. Porque o futebol é assim mesmo, o destino dos títulos e das taças depois de conquistadas é ficar pegando poeira lá nas salas de troféus enquanto a vida continua do lado de fora a toda a velocidade.
Mas até a fatal efemeridade do futebol às vezes se rende à permanência. Principalmente a permanência de certos valores e princípios característicos de cada torcida que terminam por formar o caráter e identificar esses torcedores. Por exemplo, a arrogância fanfarrona dos rubro-negros, tão criticada pela arco-íris, já faz parte da nossa maneira de ser. É um comportamento natural em todo rubro-negro, que já nasce sabendo e não precisa treinar pra isso.
O rubro-negro nasceu marrento em 1895 e já tirava onda no tempo em que não tínhamos um carioquinha sequer. Quando não ganhamos na bola nós festejamos a torcida, a nossa espetacular seda na Gávea ou a velocidade dos barcos da nossa flotilha. O rubro-negro faz festa, e essa é apenas uma das nossas muitas características. Temos muitas outras, até mais nobres.
Já reparou que o Flamengo é feito de aço e revestido de teflon? Não adianta tentar tirar onda com o Mengão, em nós não gruda nada. A não ser que a gente mesmo queira. Vejam o exemplo do Urubu. Os então já pequenos chorafogueses explanavam seu injustificado racismo nos anos 60 tentando nos xingar de urubu. Naquela época o preconceito racial ainda não dava cadeia e os pobres torcedores sem título podiam abusar dele pra compensar as frustrações de serem pequenos, morarem longe e terem uma camisa feia. Nos chamar de urubu era uma forma de tornar pejorativo aquilo que é motivo de orgulho: a ligação do Flamengo com a raça negra oprimida, mas que se levanta através dos séculos.
Mas nem isso eles conseguiram, porque outra nobre característica flamenga é o seu orgulho pelas suas raízes, por mais modestas que sejam. O que a torcida do Flamengo fez foi pegar a ofensa despropositada e transformá-la num cumprimento. O Urubu virou mascote, símbolo da torcida que só aceita duas cores como suas: o vermelho e o preto. Nós temos orgulho da nossa melanina. E os racistas que se danem.
O incrível é que 40 anos se passaram e a rafaméia chorafoguense ainda não aprendeu. Como tampouco aprenderam os dolicocéfalos viceínos e florminencistas. Continuam a tentar nos atingir com alusões pouco lisonjeiras ao nível de urbanização dos nossos locais de moradia. Como se alguém na torcida do Flamengo pudesse se envergonhar em ser identificado com a favela. Ontem mais uma vez tentaram nos ofender com esse papo de favela. A torpeza de sua covardia voltou como o bumerangue do apocalipse sobre as 18 cabeças ocas fantasiadas de zebra.
Eles gritam "favela" com uma convicção vazia, como se o fato de um trabalhador honesto morar em um local de pouca urbanização pudesse ser motivo de vergonha. Sim, porque nós sabemos que 99% de quem está na favela é trabalhador honesto, bem mais honesto do que o colarinho branco que anda viajando para lá e pra cá às custas do erário. Florminensistas então, que adoram as elites, são pródigos em fazer jogos de palavras com as origens populares do Mengão - o mais brasileiro dos times.
Muito pelo contrário, o Flamengo tem orgulho da sua favela, assim como tem orgulho das suas raízes mulambas. Aliás, não há necessidade de sermos prolixos. O Flamengo tem orgulho. E isso basta. Se pela imbecilidade incurável de uns poucos frustrados a cidade continua cingida pela linha imaginária que separa o morro do asfalto o Flamengo não tem nada com isso. O Flamengo é beijo da boca do lixo na boca do luxo e quem não enxerga o imenso valor disso não merece mesmo torcer por ele.
O Rio de Janeiro só é locomotiva intelectual deste país porque o asfalto e a favela se misturam. Usamos a gíria da favela. Temos amigos na favela. Vemos filmes de favelas, lemos livros de favelas. E aí? Com que cara o Mengão ficaria de fora disso tudo?
Todos os penta tricampeões que se espalham de norte a sul do globo têm o mesmo valor, tenham nascido nos asfalto ou na favela. Parabéns a todos os negões, paraíbas, louros, pixains, chinas, pardos, mestiços e arianos de dreadlock que se deixaram tocar pela chama flamenga. Uma chama que carboniza preconceitos e transforma as injustiças em fumaça. Parabéns pelo Penta TRI, rubro-negros crioulos de todas as cores.
Enquanto permanecermos do lado certo essa chama não se apagará.
Agradecimentos especiais ao brilhante polemista Gustavo de Almeida, da Jihad Rubro-Negra, pela sugestão de pauta e weltanschauung.
Mengão Sempre
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