sexta-feira, 1 de maio de 2009

Em trâsito


Estou no aeroporto de Florianópolis, rumo ao Rio, depois de três horas de ônibus pela BR 282. Pensava eu, durante o trajeto, na loucura de uma viagem dessas, para noventa minutos de futebol. Deixar para trás o conforto de casa, do sofá em frente ao televisor, da cerveja gelada com seus terapêuticos 5% de teor alcólico, do abraço reconfortante da mulher amada. E admito que minha viagem é quase o Samba do Avião, com o Galeão logo ali, se comparada à de milhares de rubro-negros estão à espera do momento de cruzar o país em ônibus de linha ou excursão, dez, vinte, trinta horas espremidos, contando os minutos para subirem a rampa de acesso à arquibancada até serem tragados pela loucura do Maracanã.

E é assim desde que o Flamengo é o Flamengo.

Eu mesmo já fiz essa viagem de ônibus, doze horas até São Paulo, um pastel ligeiro no terminal do Tietê, mais seis horas até o Rio. Na bagagem duas camisas do Flamengo. Uma para o jogo, uma para a viagem de volta. Mas envelheci, ou algo assim, e agora vou de avião, com antecedência para um chope no Bracarense e um sanduíche no Cervantes.

Mas é uma loucura, dizia eu. Ora, é o Flamengo, mas antigamente era o Flamengo de jogadores que compensavam os sacrifícios da viagem. Lembro-me da final de 1991. Cheguei ao Rio ao meio-dia, debaixo de chuva. Da rodoviária fui para a Tijuca, para o bar Salete, de insuperável empadinha e geladíssima cerveja de garrafa. Dali para o jogo, um Fla-Flu imortal. Perdemos o primeiro tempo, mas Júnior voltou do intervalo possuído. Quatro gols rubro-negros, o último do Maestro, depois de tabelar com Zinho. Júnior, quase quarenta anos, Flamengo em estado puro. Mesmo naquele dilúvio todo, mesmo com a desvantagem no placar, Júnior pegou todo o time do Fluminense, mais a sua pequena torcida, mais os vitrais de Álvaro Chaves e o espectro de Sobrenatural de Almeida, afundou a todos num saco de estopa, deu um nó na ponta e soltou-o à deriva pelos riachos transbordantes da Tijuca.

Zico parou, Júnior parou, e Belchior tem razão, eu digo que depois deles não apareceu mais ninguém. Eu só percebi isso em 1999, quando Romário abandonou um jogo mancando, e o Flamengo se viu reduzido a um bando de caios, fábaianos, fabões e pimentéis. Ganhamos o jogo e a taça no berro das arquibancadas e eu percebi que nunca mais voltaria ao Maracanã pelos jogadores, mas por nós mesmos, nós que não mudamos de camisa, nós que somos o Flamengo desde sempre e sempre seremos.

Embora cada um de nós saiba, em seu íntimo, que os jogadores que hoje estão no Flamengo valem menos que uma camisa pirata tremulando no varal do vendedor ambulante, cruzamos o país como se a qualquer momento pudesse irromper área adentro um Valido, um Rondinelli, um Moderato. Não há nenhum candidato a ídolo no Flamengo de hoje, mas qualquer um deles pode alcançar a imortalidade que concedemos, por exemplo, a Petkovic. Por isso estaremos lá, porque somos o que restou do Flamengo, porque precisamos encher o Maracanã não mais para ver a exuberância rubro-negra de Zico e Júnior, mas para gritar bem alto que o Flamengo é tão forte quanto forte for o berro de seu povo.

Meu vôo está sendo chamado.

Flamengo Net

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