terça-feira, 28 de abril de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos,

O texto dessa semana é inspirado em um comentário feito outro dia pelo colega Lauro Moraes, que com certa razão alegava que os anos pós-92 tinham pouco a lembrar de positivo. Sem querer entrar no mérito dessa questão, trago aqui uma agradável recordação de uma partida que nem faz tanto tempo assim, onde o Flamengo goleou o poderoso Real Madrid. E o torneio em que foi disputado esse jogo acabou tendo uma importância maior do que parece à primeira vista. Então, boa leitura.

“Baile al Madrid” e o prelúdio do tetra-tri

1997. O Flamengo não vivia bom momento no Campeonato Brasileiro. Após três derrotas consecutivas e o fiasco no Torneio Centenário de Belo Horizonte (onde, após golear o Benfica por 5-2, acabou eliminado por um time de reservas do Cruzeiro), o treinador Sebastião Rocha (o “Tião”) foi demitido, entrando em seu lugar Paulo Autuori. Curiosamente, na despedida de Tião do comando técnico da equipe, o Flamengo talvez fez sua melhor partida até então, massacrando o Atlético-MG em pleno Mineirão com categóricos 4-2 (estava 4-0 até cinco minutos antes do final).

Autuori teria uma boa oportunidade de conhecer o elenco. Em uma das pausas do Brasileiro, o Flamengo obteve permissão para disputar alguns amistosos na Espanha. Ele herdava do limitado Tião (uma malsucedida tentativa de reeditar a experiência com Carlinhos) uma equipe arrumadinha, feijão-com-arroz, mas pouco criativa e muito dependente de contragolpes. Sem muito tempo para implantar alguma alteração relevante, o novo treinador já tinha uma “pedreira” pela frente, o forte Real Madrid, em Palma de Mallorca, num torneio que ainda contaria com a participação do Mallorca (o anfitrião) e do Vitória-BA, que vinha desenvolvendo uma agressiva estratégia de marketing com o patrocínio do Banco Excel-Econômico e trazia como atrações os atacantes Bebeto e Túlio.

O time merengue ainda não era formado pelos “galácticos”, mas possuía uma verdadeira constelação de craques, um dos times mais fortes da Europa, formado por jogadores como o talentoso atacante espanhol Raúl, o incansável volante holandês Seedorf, o cerebral meia iugoslavo Mijatovic, o croata Suker, atacante letal que estava no auge (seria artilheiro da Copa do Mundo no ano seguinte) e o vigoroso lateral italiano Panucci. Todos titulares absolutos de suas seleções nacionais, coadjuvados por alguns bons nomes, como os zagueiros Sanchis e Karanka (que estreava naquele jogo), o goleiro Cañizares (depois titular da seleção espanhola) e o atacante Amavisca. Esse time era o atual campeão espanhol e um dos favoritos à conquista da Copa dos Campeões da Europa, hoje UEFA Champions League (confirmaria o favoritismo ganhando o título europeu daquele ano).

Hoje, parece inacreditável que um time escalado com um meio-campo formado por Jamir, Jorginho, Maurinho e Lúcio possa um dia ter feito frente ao poderoso Real Madrid. Mas era isso que Autuori tinha à mão, além de uma zaga com Júnior Baiano e Luís Alberto, as laterais com Fábio Baiano e Gilberto, e o ataque com Sávio e Renato Gaúcho, que aliás voltava para sua quarta passagem pelo clube, substituindo Romário, que voltava ao Valencia após seis meses de empréstimo ao Flamengo.

O início do jogo mostrou um Real Madrid mais agressivo, determinado, tocando bem a bola, tomando a iniciativa da partida e levando perigo em vários momentos ao gol de Clemer. O Flamengo parecia assustado com o poderio do adversário e por vezes apelava para a violência. Uma bonita tabela entre Raul, Suker e Mijatovic, redundando num forte arremate de Amavisca rente à trave, arrancou aplausos do público. O gol merengue parecia questão de tempo.

Mas, aos poucos, o rubro-negro foi encaixando a marcação e entrando no jogo. E, com inteligência, começou a aproveitar as falhas da defesa adversária, explorando principalmente a ótima fase de Sávio, que começou a impor uma correria alucinada em cima do seu marcador, o fraco lateral português Secretário (um dos poucos reservas naquele jogo). E foi justamente numa jogada de Sávio, aos 22 minutos, que o Flamengo abriu o marcador. Ele apanhou uma bola na esquerda, passou por Secretário e cruzou na cabeça de Maurinho, inapelável, sem defesa. O Flamengo fazia 1-0, para surpresa do público presente em Mallorca.

O Real Madrid não absorveu o golpe, pareceu sentir o gol. O time avançou suas linhas e passou a pressionar o Flamengo em seu campo, mantendo uma absurda posse de bola, com toques rápidos, um jogo realmente bonito de assistir. Mas os comandados de Autuori já estavam no jogo, e o gol deu maior motivação ao Flamengo. Com muita disciplina tática, os brucutus Jorginho e Jamir, ajudados por Fábio Baiano e Maurinho, que pouco subiam, montaram um verdadeiro “cinturão” na intermediária flamenga, de forma que os merengues tinham a bola, mas não conseguiam chegar na área brasileira. Era o tal “falso domínio” de terreno.

E assim o Real foi se desequilibrando, desconcentrando, caindo na armadilha do Flamengo. Até que, aos 35’, Secretário (ele de novo...) tenta sair jogando e perde a bola para Gilberto. O lateral, com velocidade fulminante, avança e serve a Lúcio, que só tem o trabalho de tocar mansamente por entre as pernas de Cañizares. O Flamengo fazia 2-0, e o placar já começava a fazer justiça pela consistência tática do time.

O segundo gol esfriou o time espanhol, e pouca ação foi vista ainda no primeiro tempo. Mas, no retorno do intervalo, o Real Madrid voltou com muita volúpia, disposto a impor uma blitz no início. E realmente criou várias chances de gol, obrigando Clemer a trabalhar intensamente. Numa delas, houve um incrível bate-rebate na área flamenga, onde os madridistas tiveram CINCO chances claras de gol na mesma jogada, sem conseguir marcar. Mas o Flamengo continuava perigoso nos contragolpes. Sávio era um tormento constante, levava o pobre Secretário à loucura. O Real Madrid coloca Zé Roberto (que hoje defende o Bayern Munique) em campo, para tentar compactar mais o meio, mas o Flamengo continua sólido. A zaga, especialmente Júnior Baiano (na melhor fase de sua carreira), corta todas, por cima e por baixo. Jamir chuta até a bola. O time está competitivo, concentrado, e disposto a sair de Mallorca com a vitória.

O Real Madrid vinha sentindo a marcação flamenga, não esperava ser superado de forma tão flagrante pelo adversário. E o que era desequilíbrio começou a se tornar descontrole. O badalado Suker, que vinha dando trabalho, mas estava rendendo pouco, irritou-se com a forte marcação que recebeu e acabou expulso por jogo violento (aliás, Renato Gaúcho, que pouco produzia, mas era útil prendendo os zagueiros, vinha dando uma aula de catimba). Enquanto isso, Sávio deitava e rolava no ataque, arrancando risos dos espanhóis. Só faltava o gol. E ele veio, já aos 30’ da etapa final, quando Lúcio lançou Sávio, que foi derrubado na área por Secretário (sempre ele!). Aliás, o comentarista Mário Sérgio, “empolgado” com a atuação de Secretário, mandou essa: “esse não vai ser chefe nunca!”. Enfim, Sávio cobrou com categoria, no ângulo, decretando o placar, luminoso, brilhante, estelar, com todas as letras: FLAMENGO 3-0 REAL MADRID.

Depois do terceiro, o Real desistiu do jogo e fechou o time para não aumentar o vexame e o Flamengo se deu por satisfeito. Mas ainda houve tempo para Lúcio perder um gol feito, sozinho diante de Cañizares, e do árbitro anular equivocadamente um gol de Maurinho. De qualquer forma, o Flamengo se impunha, mostrando à Europa a força do seu nome. “Baile al Madrid”, “Lección de Savio e de conjunto carioca”, “Flamengo siempre superior a Real” foram algumas manchetes de jornais espanhóis no dia seguinte.

Depois dessa partida, o Flamengo acabou vencido pelo salto alto e pelo bom time do Mallorca (que terminaria o Espanhol em quinto e seria finalista da Copa do Rei), por 0-2. Mas aquele torneio ainda teria alguns desdobramentos que poucos perceberam à primeira vista. A “exibição” de Secretário apressou a contratação de Roberto Carlos pelo Real Madrid, fazendo Panucci voltar à posição de origem. A atuação de Sávio também selou a sua contratação, no final do ano, pelo próprio Real Madrid, em transação que envolveu os jogadores Rodrigo Fabbri e Zé Roberto. E Sávio ainda repetiria o “show” uma semana depois, ao enfiar 3 gols no Valencia, com Romário e tudo.

Mas a história ainda aprontou outra. Humilhado pela derrota contundente, o Real Madrid mandou os reservas para a decisão do terceiro lugar, contra o Vitória. E nesse jogo, um jogador comeu a bola, fez dois gols (um deles de placa, após driblar a defesa toda) e foi disparado o melhor em campo na goleada de 5-1 dos espanhóis. Seu nome? Dejan Petkovic.

Em vias de perder Bebeto, que já conversava com o Cruzeiro para a disputa do Mundial Interclubes, a diretoria do Vitória interessou-se por aquele irrequieto sérvio, mandou um representante a Madrid e, com surpresa, constatou ser possível levar o jogador para Salvador, o que efetivamente aconteceu ainda naquele ano.
Pois bem, isso leva à seguinte conclusão: se o Flamengo não tivesse imposto aquela surra ao glorioso Real Madrid, o time merengue iria à final com o Mallorca com o time titular. Petkovic não teria a oportunidade de aparecer, não chamaria a atenção do Vitória e dificilmente teria vindo ao Brasil. São as armadilhas que o destino prega.

Sim, porque naquele despretensioso torneio amistoso, disputado em terras européias, pode-se dizer que teve início a trajetória de Petkovic no Brasil e conseqüentemente no Flamengo.

Assim, de certa forma, ali começou a ser escrita uma história.

A história do tri.

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