Alfarrábios do Melo
Olá, saudações rubro-negras a todos,
Inicialmente, peço desculpas a todos pelo atraso na postagem dessa semana, motivado por compromissos profissionais. De qualquer forma, como domingo tem Fla x bacalhau, resolvi falar de um jogo polêmico, cuja real história é contada hoje em dia de forma superficial. Trata-se do "jogo do ladrilheiro" de 1981.
A reconquista da hegemonia no RJ era quase uma obsessão entre os jogadores, muito mordidos com a perda do campeonato de 1980, ano em que a equipe não foi derrotada em nenhum clássico e acabou desperdiçando a chance de conquistar um inédito tetra por conta de tropeços contra times pequenos (o mais célebre, a fatídica derrota para o Serrano de Petrópolis, que virtualmente - e não definitivamente, como se propagou depois – alijou o time da competição). Os próprios jogadores depois reconheceram que aquele Estadual foi um dos poucos momentos em que a equipe foi contaminada pela soberba.
Passada a Libertadores, o Flamengo agora tinha o Vasco pela frente, na decisão do Estadual. Como havia vencido dois dos três turnos, e ainda ostentava a melhor campanha, o time entrou com uma vantagem absurda para os confrontos decisivos: podia empatar o primeiro jogo, era campeão. Se perdesse, haveria nova partida, e de novo com a vantagem do empate. Em caso de outra vitória vascaína, seria marcado um terceiro jogo, aí com igualdade de condições. Ninguém imaginava outro resultado. A cúpula rubro-negra também pensava em resolver logo a parada, pro time poder se concentrar no jogo de Tóquio. Mas o imponderável tornou as coisas muito mais difíceis do que o imaginado.
Primeiro, a morte de Cláudio Coutinho (que praticamente montou a equipe), às vésperas do primeiro jogo. O time, em choque, não resistiu e foi derrotado (0-2). Depois, na quarta-feira, um dilúvio que matou e desabrigou centenas de pessoas. Mas o espetáculo não poderia parar, e num campo enlameado, sem nenhuma condição de jogo, a partida foi decidida nos minutos finais, quando uma bola cruzada parou numa poça, em frente a Roberto Dinamite, que fez o gol da vitória vascaína (1-0). Parecia inacreditável, mas o Vasco empatava a série.
E assim, um fabuloso público de 161.989 pagantes se espremeu para assistir ao terceiro jogo, no qual o Flamengo havia perdido toda a vantagem adquirida ao longo do campeonato. Em caso de empate, a partida iria para a prorrogação e, caso necessário, pênaltis. Mas os jogadores rubro-negros foram para o jogo com um estado de espírito completamente diferente. Em lugar do abatimento de uma semana antes, a raiva e a vontade de dar o troco no rival. Em vez de chuva torrencial, uma bonita tarde de sol. O jogo prometia.
Tita, contundido, desfalcava a equipe. Para suprir a sua ausência, o treinador Carpegiani deslocou o versátil Lico para a direita e abriu Adílio para a esquerda. Leandro foi para o meio, entrando Nei Dias na lateral, montando formação parecida com a que derrotou o Cobreloa, em Montevideo.
Quem foi ao Maracanã naquele 06 de dezembro ou acompanhou pela TV pôde assistir, nos primeiros 25, 30 minutos, a uma das mais perfeitas exibições daquela equipe fantástica. O Flamengo simplesmente moeu, taticamente, tecnicamente e na raça, a boa e motivada equipe do Vasco, que mal passava do meio-campo. Tocando a bola em velocidade, movimentando-se em bloco e ganhando todas as divididas, o rubro-negro entrava na área vascaína com uma facilidade assustadora. E, talvez pela ansiedade e pela vontade excessiva, ia perdendo um gol atrás do outro. Zico desperdiçava gols que não costumava perder. Fora isso, a exibição do time era irretocável. A massa rubro-negra cantava e gritava a plenos pulmões. Naquele dia, as coisas realmente seriam bem diferentes.
O Vasco ainda resistiu 20 minutos. Numa cobrança de escanteio, Adílio recebe e chuta errado. A sobra vai para Lico, que se livra do marcador e joga na área. Nunes dá um peixinho estranho, a bola bate no rosto de Zico e fica com Adílio, que fuzila, despejando nas redes vascaínas todo o peso da força de um time mordido pelas derrotas inesperadas nos jogos anteriores. 1-0. A torcida rubro-negra, que não parava de berrar, foi à loucura. Mas o Flamengo não reduziu o ritmo, e antes que o adversário se recuperasse do golpe, Zico avança pela intermediária e lança Júnior, livre. O goleiro Mazarópi percebe e sai do gol, mas Júnior consegue a dividida. A rebarba vai para Nunes, que vê a meta vazia, e mesmo num ângulo complicado consegue acertar o gol, num chute de enorme precisão. O Artilheiro das Decisões colocava 2-0 no placar, aos 24’. Êxtase no Maracanã.
Aí, com dois gols de vantagem, o Flamengo começa a cozinhar a partida, pois o time estava às vésperas de uma viagem longa, e vinha de uma seqüência de cinco jogos decisivos. Mesmo assim, o Vasco não consegue ameaçar, e o primeiro tempo termina mesmo em 2-0 para o rubro-negro, o que ficou de excelente tamanho para o bacalhau, dada a enorme superioridade flamenga.
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“Chora, não vou ligar/ chegou a hora/ vais me pagar/ pode chorar, pode chorar.”
Mas ainda era cedo (ou parecia). O treinador vascaíno Antônio Lopes tenta uma cartada, trocando o inoperante atacante Amauri pelo desengonçado Ticão. E, faltando sete minutos para o final, Ticão aproveita uma falha de posicionamento da zaga rubro-negra, recebe passe de Roberto Dinamite e emenda, diminuindo para 2-1 e acendendo a adormecida torcida vascaína (que passa a cantar o “João de Deus”, espécie de hino arco-íris da época, depois adotado pela torcida do Fluminense). Tudo parecia apontar para um final dramático. Mas foi aí que aconteceu o fato que eternizaria de vez essa decisão.
Logo depois do gol vascaíno (aos 39’), um espevitado torcedor do Flamengo invade o gramado, para festejar seus heróis e o título (naquela época, invasões desse tipo eram comuns em grandes jogos, a partida entre Flamengo e Botafogo da Taça GB já havia presenciado algo do tipo). O sujeito (depois identificado como Roberto Pereira, ladrilheiro) entrou no campo e começou a correr a esmo. O árbitro Alvimar Gaspar dos Reis demorou a perceber a invasão, e com isso acionou o policiamento com atraso (a intervenção dos policiais só era possível após pedido do árbitro). Mesmo assim, a presença do invasor no campo só iria retardar um ou dois minutos do jogo. Quando tudo parecia mais ou menos contornado, o lateral vascaíno Gilberto dá um chute no torcedor, provocando a ira dos jogadores do Flamengo, que voaram para cima do agressor, causando a confusão que verdadeiramente atrasou o reinício do jogo. Todos os jogadores se envolveram no sururu, que por pouco não acabou em pancadaria generalizada. As duas torcidas, num momento único, uniram-se e 160 mil pessoas passaram a entoar:
“Porrada, porrada”
Felizmente, o tumulto foi contornado e o jogo pôde ser reiniciado. O árbitro estendeu o jogo por quatro minutos (e não dois, como muitos alegam), e nesse tempo o Vasco não produziu absolutamente nada, refém do toque de bola do Flamengo, que soube administrar o nervosismo adversário. Fim de jogo, vitória rubro-negra por 2-1. O Flamengo era, novamente, campeão estadual, título que conquistava pela quarta vez em cinco anos.
“Pode chorar, pode chorar.”
Após a partida, ao invés de curtir o seu PENTA-VICE campeonato estadual, façanha inédita jamais igualada por nenhuma outra equipe, o Vasco apelou para uma patética choradeira, alegando que a entrada do ladrilheiro teria sido armada, pois o Vasco pressionava bla, bla, blá. Mas eram contraditos pelos fatos. Nunca houve pressão nenhuma, o time achou um gol e logo depois houve a invasão, o goleiro Raul pouco foi exigido naquele dia. E sobre o incidente, como já foi dito era algo lamentável, mas comum na época. Além disso, melar o jogo ali era algo que interessava a quem estava perdendo, não ao Flamengo. E por fim, o torcedor agitou, mas quem criou o tumulto foi o próprio time do Vasco, ao agredir o rapaz, que só queria ver seus heróis de perto...Enfim, a choradeira era livre e a taça estava na Gávea. O Flamengo era o Melhor do Rio (e da América, do Mundo...)
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