terça-feira, 24 de março de 2009










Alfarrábios do Melo
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O Flamengo e as reformulações recentes
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Nas últimas semanas, em função das más atuações de uma equipe que insiste em não engrenar e da crise financeira que assola o clube, vem tomando corpo, de forma geral, uma noção generalizada de que é necessário renovar o elenco, arejar o grupo de jogadores, contar com atletas da base e sem tanto renome, obtendo-se assim uma folha de pagamento mais enxuta e tornando a instituição mais “governável”, além de reaproximar o clube de suas raízes históricas.
Analisando-se a história recente do Flamengo, várias reformulações desse tipo já ocorreram, com resultados diversos. Houve momentos em que o trabalho acabou em título brasileiro, outros em que quase levou o clube para o buraco. Pode-se identificar cinco momentos marcantes, onde se levou a cabo essa tentativa de reformulação geral. Vejamos então, em linhas gerais, como isso ocorreu:
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1984. A “geração Zico” já dava claros sinais de que chegava ao fim. O próprio Galinho e Júnior haviam sido negociados para a Itália, Raul havia se aposentado e alguns jogadores, como Tita e Nunes, enfrentavam processo acelerado de desgaste com a torcida. Além disso, Andrade e Lico viviam às voltas com contusões e Leandro atravessava um processo de fadiga. Restavam Adílio e Mozer, que atuavam regularmente. Diante desse quadro, iniciou-se um trabalho de renovação do elenco que duraria até 1986, onde vários jogadores oriundos das divisões de base passaram ao time principal, dos quais se destacaram o goleiro Zé Carlos, o zagueiro Aldair, o lateral Adalberto, o volante Ailton, o meia-atacante Zinho e os atacantes Bebeto e Alcindo. Houve outros nomes aproveitados sem tanto destaque, como o zagueiro Guto, os volantes Bigu e Valtinho, o meia Gilmar e o atacante Vinícius, entre outros. Completando essa base, vieram jogadores promissores a custo baixo, caso dos laterais Jorginho e Heitor. Esse grupo acabaria formando a essência do time campeão brasileiro de 1987 (ainda teria tempo de revelar o excepcional lateral Leonardo), e teria todas as condições de alçar vôos mais altos (era considerado candidatíssimo ao Brasileiro de 1989) se não tivesse perdido vários jogadores importantes em negociações precipitadas, e muitas vezes desastrosas (o caso de Bebeto é emblemático).
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1991. Apenas Júnior (de volta do exterior) era remanescente do time dos anos 80. Mesmo a equipe que fora remontada na segunda metade da década já perdera seus principais jogadores, restando basicamente apenas Ailton (já perseguido pela torcida) e Zinho. Houve uma tentativa de reposição com jogadores renomados e caros (Edu Marangon, André Cruz, Darío Pereyra, Bobô, Borghi, Josimar, Nelsinho etc), que redundou em completo fiasco. Mas uma safra de brilhantes jogadores, que haviam conquistado no ano anterior a Copa São Paulo (enfiando 7-1 no Corinthians em um Pacaembu lotado) estava pronta para subir. O lateral Piá, o zagueiro Júnior Baiano, os meias Djalminha e Nélio e os atacantes Paulo Nunes e Marcelinho juntavam-se a nomes como o zagueiro Rogério e o volante Marquinhos, revelados anos antes. Mas a ânsia por resultados tornou o início bastante difícil. O time começou o ano sofrendo algumas goleadas, e só se arrumou com a entrada dos experientes Gilmar e Wilson Gottardo, que juntamente com Júnior passaram a servir de referência para os garotos. Juntando-se a essa mescla jogadores talentosos e/ou úteis, como Uidemar, Gaúcho e Charles Guerreiro, o grupo logo deu resposta, levantando o Estadual daquele ano e o Brasileiro do ano seguinte. Era uma equipe equilibrada, que carecia apenas de alguns jogadores mais experientes para alçar vôos mais expressivos. Mas, demonstrando uma falta de visão inacreditável e inconcebível, a diretoria do clube foi se livrando de todos os seus jogadores mais promissores, um a um, a preço de banana. E o destino nem era a Europa, mas o futebol paulista. Como resultado, nova reformulação teve de ser tocadas às pressas, dali a apenas três anos.
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1994 (segundo semestre). Praticamente todos os jogadores campeões de 1992 foram negociados. Apenas Rogério, Nélio, Paulo Nunes e Charles Guerreiro permaneciam no elenco, além do goleiro Gilmar, que acabara de conquistar o Mundial nos EUA e estava encerrando a carreira. No primeiro semestre, um “time de aluguel”, formado por medalhões como Valdeir, Carlos Alberto Dias, Boiadeiro e Charles Baiano, havia feito um estadual apenas razoável, não sendo capaz de impedir o campeonato do Vasco. No segundo semestre o clube, sem dinheiro, recorreu às divisões de base, mas o fez de forma apressada. Passaram a ter chances mais freqüentes os zagueiros Gelson Baresi e Índio, os volantes Fabinho e Fábio Baiano, o meia Hugo (não confundir com o que hoje joga no São Paulo), o meia-atacante Rodrigo Mendes e os atacantes Magno e Sávio. Essa equipe até iniciou o Brasileiro de forma surpreendente (chegou a meter 5-2 no Corinthians, no Maracanã), mas sucumbiu diante da inexperiência e terminou o campeonato de forma melancólica, perdendo a maior parte dos jogos. Dos jogadores revelados, somente Sávio atingiu o status de ídolo, em função de um talento diferenciado, que aliás ficou patente na vitória de 2-0 sobre o poderoso Palmeiras (de Rivaldo, Roberto Carlos, César Sampaio etc) no Maracanã, a melhor atuação da equipe naquele ano, comemorada com uma intensidade entristecedora (o time passava a comemorar vitórias, não títulos). No ano seguinte, com a volta à política de contratações caras e rumorosas (Romário, Branco, Wanderley Luxemburgo etc) o trabalho de renovação foi abandonado.
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2002. O Flamengo, de volta à Libertadores, montou uma equipe que, no papel, parecia forte, com Leonardo (de volta, agora como meia), Juninho Paulista (na época em grande fase), Petkovic, Leandro Ávila, o goleiro Júlio César, Athirson e Juan. Mas a falência da ISL tornou caóticas as finanças do clube. Para piorar, Leonardo e Leandro Ávila se contundiram gravemente e Petkovic foi afastado por indisciplina. Após a medonha campanha na competição continental, o clube viu-se obrigado a se desfazer de Juan e Leandro Machado. Juninho Paulista integrou-se à Seleção de Felipão, e depois voltou ao Atletico Madrid, dono de seu passe. O ambiente era de confusão absoluta. O time ocupou as últimas posições do Torneio Rio-SP e quase foi rebaixado no Estadual daquele ano. Quebrado, recorreu à efetivação de jovens como o lateral Alessandro, o zagueiro André Bahia, o volante Rocha, os meias Felipe Melo e Andrezinho e o atacante Roma. Completando o elenco, jogadores baratos, como os atacantes Liedson e Zé Carlos, o volante André Gomes e o meia Hugo (esse sim, o que hoje joga no São Paulo). Os mais experientes, o goleiro Júlio César, o zagueiro Fernando, o volante Fábio Baiano e o meia-lateral Athirson. Esse time até ensaiou fazer um Brasileiro digno, mas problemas de contusão e a intensa pressão sobre os jogadores fizeram com que a ameaça de rebaixamento permanecesse viva até a penúltima rodada. Mas, pelo ano desastroso, permanecer na Série A ficou de excelente tamanho.
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Por fim, 2005. O time, que já não era grande coisa (havia escapado de rebaixamento no ano anterior) perde Júlio César, Athirson, Jean e André Bahia, além de dispensar Felipe. Ou seja, saiu todo o time-base. Logo no início do ano, o talentoso Ibson também foi negociado. Sem dinheiro, o jeito foi trazer jogadores medianos e obscuros, como Marcos Denner, André Santos, Adrianinho, Ricardo Lopes, Caio etc. O grande reforço do início da temporada acabou sendo o promissor atacante Obina, destaque no Vitória. Da base, foram aproveitados o goleiro Diego, o lateral André, o volante Júnior, o meia Fellype Gabriel e os atacantes Bruno Barbosa e Emerson (que depois preferiu ser chamado de Geninho), entre outros. Alguns veteranos, como Zinho, Júnior Baiano e Fernando, além de nomes como Da Silva e Jônatas, completaram o grupo, que fez campanha vergonhosa no Estadual e só não foi rebaixado precocemente porque conseguiu se reforçar com jogadores mais qualificados a tempo, como Renato, Leonardo Moura, Diego Souza e Ramirez.
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Desses episódios, dá para perceber que, para que um trabalho de reformulação seja bem sucedido, é fundamental saber esperar pelos resultados. A renovação de 1984, que foi a melhor conduzida, levou dois anos para trazer respostas, mas em compensação deixou um time inteiro pronto. Quando a coisa foi feita aos trambolhões, a situação do time (e do clube) acabou se agravando e vários nomes promissores foram queimados, rendendo bem mais em outros clubes. Ou seja, no fim das contas, cai-se no lugar comum de sempre: planejar é fundamental.
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Boa semana a todos,

Flamengo Net

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