Alfarrábios do Melo
Flamengo e os "encaixes". Novo caso?
Olá, saudações rubro-negras a todos.
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Os jogos dessa semana mostraram a inesperada ascensão de um jovem de quem se falou muito em 2008, o garoto Erick Flores. A entrada dele no time mostrou um moleque incisivo, driblador, com personalidade, totalmente diferente do menino vacilante, que atuava aos tropeções, oprimido pelo peso de uma responsabilidade imposta de forma inábil por Caio Júnior. Como resultado, o time inteiro melhorou, alguns jogadores passaram a render mais e as vitórias agora são convincentes. Teria o time encontrado a peça que faltava para o encaixe? Ainda acho cedo, foram apenas dois jogos, mas a coisa tem que começar de alguma forma. Falando em começo, vamos ver alguns exemplos, ao longo do tempo, de times que começaram de forma claudicante e, apenas com a entrada de uma ou outra peça, tornaram-se vitoriosos.
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1981. Desde que havia assumido a direção técnica, substituindo o polêmico Dino Sani, o treinador Paulo César Carpegiani ainda não conseguira fazer o time render de forma satisfatória e consistente. A equipe era muito forte, tanto que estava nas finais da Libertadores, mas sempre que se via exigida contra um adversário mais qualificado os seus pontos fracos eram expostos, como nos empates contra Atlético-MG (dois jogos em 2-2, ainda sob o comando de Sani), Vasco (1-1), Fluminense (1-1) e na derrota para o Botafogo (1-2). O grande problema de Carpegiani estava na montagem de um eficiente sistema de cobertura para os avanços dos laterais Júnior e Leandro, muito fortes no apoio, mas sem características defensivas. O fim do ano se aproximava, o time estaria às voltas com duas decisões importantes, e a irregularidade das suas atuações (dependia muito dos lampejos de Zico) preocupava. Até que, após uma decisiva conversa com os líderes do elenco (Zico, Júnior, Raul), Carpegiani decidiu mexer no time. Baroninho, que atravessava boa fase e era um dos artilheiros da equipe, foi barrado, entrando o talentoso meia Lico em seu lugar. Lico seria responsável por ajudar na cobertura às subidas de Júnior, ajudaria o time a valorizar a posse de bola (gostava de cadenciar o jogo) e faria o time atuar de forma mais compacta, aproximando-se da concepção original de jogo do ex-treinador Cláudio Coutinho. O primeiro teste dessa nova formação? Botafogo, 3º turno.
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O que aconteceu depois foi história. As peças do time se encaixaram como numa máquina, o Flamengo enfiou os históricos 6-0 na cachorrada, depois meteu mais 6 no Americano, 3 no Fluminense e daí por diante. Ganhou o RJ, a América, o Brasil, o Mundo e o que apareceu pela frente.
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1983, Campeonato Brasileiro. O Flamengo vivia momento turbulento, após a demissão de Carpegiani, já bastante desgastado com alguns jogadores, imprensa e torcida. Depois de uma experiência mal-sucedida com Carlinhos, o clube decide apostar em Carlos Alberto Torres, que iniciava sua carreira de treinador (lembrando que já havia acreditado em Coutinho e Carpegiani, com sucesso). Andrade e Lico, machucados, estão fora do campeonato. Torres, ao analisar as atuações da equipe, que havia sido eliminada precocemente da Libertadores após perder para Bolívar e Grêmio, e se classificara a duras penas para a Terceira Fase do Brasileiro em um grupo contra Palmeiras, Americano e Tiradentes-PI, resolve promover a entrada dos garotos Élder e Júlio César, que atuavam como meias marcadores (com certa liberdade no apoio). Os dois jovens, juntamente com Vítor (no time por conta da contusão do titular Andrade), formariam um cinturão, que novamente tornaria possível a Júnior e Leandro apoiarem o ataque com consistência. Assim, Robertinho (ex-Fluminense), que fora contratado para o lugar de Tita (emprestado ao Grêmio), era preterido, bem como o ponta-esquerda Edson. Adílio passaria a realizar função parecida com o que fazia Lico, ajudando mais na marcação e ocupando o lado esquerdo do campo. Logo na estréia, parada indigesta, contra o Corinthians de Sócrates, no Maracanã.
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Além do carisma de Torres, que motivou os jogadores de cara, as alterações por ele promovidas mostraram-se plenas de êxito. O time enfiou 5-1 no “Timão” (em jogo onde o medíocre árbitro Roque Gallas anulou TRÊS gols legítimos do Flamengo) e arrancou para a conquista do tri brasileiro.
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1986. O Flamengo começa o ano com Zico, Sócrates, Leandro, Bebeto & Cia, trucida o Fluminense por 4-1 (jogo da Zicovardia, parte 2), mas perde seus principais craques para a Seleção, que irá disputar a Copa do Mundo no México. Além disso, Mozer e Leandro estão às voltas com contusões, de forma que o treinador Sebastião Lazaroni tem que apelar para vários garotos. E é no meio-campo onde estão os maiores problemas. Lazaroni precisa de um meia de ligação, pois resolve avançar Adílio, que já não tem a mesma dinâmica defensiva. Recorre a Valtinho, Gilmar, Júlio César, todos sem sucesso. O time perde a Taça Guanabara para o Vasco e está em maus lençóis na Taça Rio, após derrota para o Botafogo (1-2). É preciso mudar, e rápido. Até que, num despretensioso jogo contra a Portuguesa da Ilha do Governador, ele resolve testar na posição o jovem Ailton, que vinha sendo utilizado como lateral-direito reserva de Jorginho. Com um pulmão privilegiado, Ailton dá nova cara ao time, faz dois gols na vitória de 5-0 e ganha a posição no ato. A equipe, mais equilibrada, arranca para o título da Taça Rio e do Estadual. E Ailton passaria a ser um dos “intocáveis” da equipe titular por vários anos.
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1987. O Flamengo patina no Campeonato Brasileiro. O time faz péssima campanha na Primeira Fase, troca de treinador logo na segunda rodada (Carlinhos no lugar de Antônio Lopes), mas mesmo assim a equipe não engrena. O maior problema é o comando de ataque, onde Kita e Nunes simplesmente não conseguem render. Estáticos, não dão dinâmica ao time, que perde em mobilidade e joga um futebol pesado. Carlinhos insiste com Kita, depois com Nunes, depois novamente com Kita. Até que perde a paciência e resolve efetivar Bebeto na função, aproveitando o retorno de Zico. A solução não era inédita (Bebeto já havia jogado nessa posição com Lazaroni), o próprio Carlinhos já a utilizara na vitória contra o Vasco (2-1), mas não saíra totalmente convencido de sua validade. Mas, diante da inoperância dos atacantes “de ofício”, o Violino dessa vez resolveu fazer nova tentativa. O resultado? O time voou em campo contra o Palmeiras (2-0) e, jogando um futebol muito mais leve, partiu para a conquista do Tetra Brasileiro. Bebeto, que já atuara como meia avançado, meia de ligação e ponta, finalmente encontrava sua posição, fazendo vários gols, o que o alçou finalmente à condição de atacante de primeiro nível.
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Enfim, há mais exemplos (a entrada de Marques no lugar de Djair em 1996, a barração de Júnior Baiano no Estadual de 2004, a colocação de Jônatas como primeiro volante no Brasileiro de 2005, a “tropa de choque” de Joel Santana em 2007, entre vários outros), mas não quero tornar a leitura cansativa. O fato é que muitos desses “estalos” acabaram sendo decisivos na conquista de títulos, fuga de rebaixamento ou conquista de vaga para a Libertadores. E muitas vezes é assim que grandes equipes começam a ser formadas, com a entrada daquela peça que estava faltando.
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Houve momentos, no ano passado, em que a entrada do Airton na equipe ameaçou ser esse diferencial, mas o time acabou sucumbindo à falta de estrutura interna e esfarelando-se à medida que a reta final do Brasileiro se aproximava. Agora, temos o Erick Flores. Será a entrada dele o toque que faltava para fazer esse time do Cuca funcionar? Torno a repetir antes que me chamem de apressado ou iludido, que ainda é cedo para saber, o Flamengo enfrentou apenas dois adversários relativamente inexpressivos, mas também é inegável que o fez de forma diferente, mais convincente, mostrando ampla superioridade. Até o Josiel, que estava quase escorraçado (prestes a perder a vaga para um desconhecido), começou a fazer gols como um Nunes, um Gaúcho. É inegável que algo mudou. E para melhor. Será o suficiente para o time voltar a empolgar?
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Só os jogos futuros dirão.
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Uma boa semana a todos,
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