sexta-feira, 19 de setembro de 2008

TEXTO DA SEMANA - O dia em que dividimos a Fonte Nova

* Por Adriano Melo

Corria o Campeonato Brasileiro de 1987 (podem chamar de Copa União, Módulo Verde etc, mas o que se disputava era efetivamente o título nacional daquele ano). O grande favorito para a conquista do título era o Atlético-MG de Telê, Luizinho, João Leite, Sérgio Araújo e afins, que já vencera o primeiro turno e estava garantido nas semifinais. O Flamengo, após um início bem vacilante, tinha trocado o treinador e parecia, na reta final da disputa do segundo turno, ter encontrado sua formação titular, ou “encaixado” a escalação, como se diz hoje. A equipe vinha de uma boa seqüência de resultados e disputava a segunda vaga do grupo com o Palmeiras, em uma briga ponto a ponto. A partida seguinte seria contra o temível Bahia e sua apaixonada torcida.

Moro em Salvador desde pequeno. Nos anos 80, jogo do Mengo pela TV era festa, normalmente a gente precisava se virar pelo rádio, mesmo. Então, era evidente que eu tinha que ir à Fonte Nova. Seria a única oportunidade de assistir ao Zico atuar profissionalmente ao vivo (das outras vezes que o Flamengo ou a Seleção haviam jogado na Bahia, o Galinho estava machucado, suspenso ou jogando no exterior).

Jogar contra o Bahia na Fonte Nova era sempre complicado. A torcida gritava alucinadamente, comemorava até arremesso de lateral, pressionava os adversários de forma sufocante, independente de o time estar bem, mal, ter craques ou barangas no elenco. Uma massa que eu já vi colocar 50 mil para torcer contra o Operário de Várzea Grande numa quarta-feira à noite, em jogo periférico de Brasileirão. E para esse jogo os baianos estavam especialmente animados, pois o time deles também vinha melhorando e recentemente havia “aprontado” em cima do Palmeiras em pleno Parque Antarctica.

E foi então que eu pude presenciar do que o Flamengo e a sua torcida são capazes. Quando eu cheguei no estádio, e à medida que o horário da partida se aproximava, percebi uma coisa inimaginável para qualquer mortal: a Fonte Nova estava dividida! Faixas e faixas, de diversas procedências (RJ, SE, RN, PB etc), e os tricolores, tão ciosos de sua fanática torcida, tiveram que engolir a presença de mais de 30 mil rubro-negros no estádio! Atônitos, eles se perguntavam: de onde vem tanta gente?

Houve momentos em que eu me senti em casa, com uma inflamada galera rubro-negra abafando os gritos nativos, e ao invés de ouvir o costumeiro “Baêa, baêa”, escutava o pulsante “Mengôôôôôô” empurrando o Flamengo, mandando o time pra frente, como se no Maraca estivesse. Nunca, em quase trinta anos acompanhando futebol, eu vi nada parecido acontecer no templo do futebol baiano.

O jogo? O Mengão venceu sem muitas dificuldades, com excepcionais atuações do trio Zico, Renato e Bebeto que garantiram o placar de 2-0 e a continuidade da arrancada que o levaria ao tetra. Mas a vitória que mais me marcou foi o triunfo no “duelo das torcidas”, no dia em que o Flamengo obrigou a fanática torcida do Bahia a “chegar pro lado e dar uma licencinha”.

* Adriano Melo, 36 anos, mora em Salvador , onde é analista-tributário.

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