segunda-feira, 4 de agosto de 2008

TEXTO DA SEMANA - Alessandro Romano

Pés no chão

Em um determinado momento, o hexacampeonato chegou a parecer uma questão de tempo. Era só aguardar monótonas semanas de vitórias protocolares até dezembro. Moleza para quem tinha o melhor elenco, o artilheiro, a defesa menos vazada, o ataque mais positivo, o líder em roubadas de bola, o meia com maior número de trivelinhas para os lados do campo, tudo. Tudo era nosso. Parecia que havíamos subornado o cara da estatística. Mas por várias vezes me perguntei quem era o eventual substituto do Juan. E do Léo Moura? E do Ibson? E do Renato Augusto, nosso único meia de criação? E do Marcinho, nosso único atacante que conseguia chutar a bola na direção do gol?

Confesso que esse vazio de respostas me fazia parar para pensar um pouco. Mas, se ninguém se preocupava com isso, não era eu quem seria o chato. Era só ligar em qualquer mesa-redonda da TV para ser facilmente convencido de que era muito mais fácil o Bangu vencer a Libertadores 2009 do que o Flamengo perder a liderança. Ego massageado, ao diabo com aquelas perguntas. Cabeça de torcedor é assim mesmo.

O que não se admite é que as cabeças de dirigentes bem remunerados, que não tiram a palavra "planejamento" da boca nem para escovar os dentes, sejam rigorosamente iguais à minha, já me desculpando com ela pela ofensa. As irresponsáveis vendas-relâmpago, que dizimaram o poder ofensivo no meio do campeonato, quando estávamos no topo depois de 15 anos de longo e tenebroso inverno, seriam surpreendentes se não conhecêssemos as figuras que comandam o futebol do Flamengo. Ou se não tivéssemos tido a oportunidade de ler o esclarecedor e educativo último post de Lucas Dantas. E eu não quero parecer ignorante logo na primeira vez em que escrevo para o Blog.

O fato é que tivemos uma tabela extremamente favorável no início do campeonato, quando enfrentamos diversas equipes recheadas de reservas no Maracanã. Equipes que, com seus plantéis titulares, tinham tudo para engrossar o caldo. Inter, Santos e Fluminense são exemplos para os esquecidos. O mérito foi saber aproveitar com competência e disparar na ponta. Só que no primeiro combate verdadeiro tomamos de 4 do São Paulo, num Maracanã lotado. E sem cerveja para anestesiar. O resultado logo seria tratado como um jogo “atípico”, como se de dez partidas como aquela fôssemos vencer nove. Lembro de me questionar se só eu vi o Flamengo ser dominado durante quase a totalidade do jogo por um São Paulo desfalcado. Mas quem era um maluco tentando enganar o cérebro com cerveja sem álcool para agüentar o Souza, como eu, para ir contra tudo que ouvia e lia? Mas, em algum lugar, a ausência daquelas respostas lá de cima me incomodava.

Hoje, mais clarividente depois de assistir ao time apanhar três vezes seguidas no Maraca para times rigorosamente inexpressivos como Vitória, Botachoro (sim, apanhamos, só não perdemos porque eles realmente pipocam diante do Manto) e os reservas do Cruzeiro, percebo que Angelim é um desfalque quase fatal. Que, se o Juan tomar o terceiro cartão, melhor nem assistir à partida seguinte. Que o único atacante minimamente ameaçador era um terceiro homem de meio-campo improvisado na frente, chamado Marcinho. Que o único meia de criação era um cara que passou 90% do seu tempo na Gávea improvisado no ataque, o Renato Augusto. E que o craque que se supôs para substituí-lo é assíduo freqüentador das churrascarias da Barra, não corre e não marca por se considerar “pic...”!

Ah, então era esse o melhor elenco do Brasil?! Os cartolas acharam que sim. Resolveram aproveitar toda essa fartura e fazer uma caixinha. Jogamos fora uma grande chance, em troca de uma boa grana, que, segundo Kleber Leite, foi insuficiente para trazer o mundialmente respeitado Éverton. A propósito, se ganhássemos o Brasileirão, quanto valeria o Renato Augusto em janeiro mesmo? Melhor nem pensar nisso.

Mas a queda do cavalo, se não te deixar tetraplégico, pode ser útil e trazer bons ensinamentos. Para mim, o maior deles no momento é botar a cabecinha no lugar e os pezinhos no chão, já que não conheço outra forma de caminhar. São Paulo, Inter, Cruzeiro, Palmeiras, Grêmio e até o Botafogo têm elencos mais COMPLETOS que o nosso. Pelo menos, todos têm meias e atacantes.

No momento, o objetivo tem que ser a vaga na Libertadores. Se acontecer outro aborto na natureza como no ano passado, ou surgirem magistrais reforços-surpresa, ótimo, vamos para o hexa. Mas, agora, não podemos distanciar do G-4. Nunca. Essa, sim, é uma meta de acordo com a nossa realidade. Esqueçam o papo de melhor elenco, melhor isso, melhor aquilo. Nosso time atual não é melhor em nada. Tem é que botar a faca nos dentes, correr pra burro, marcar pressão... Isso não tem acontecido e a apatia da torcida nos jogos em casa é melhor do que qualquer indicador. E pegar logo os melhores para cristo não vai resolver. Alguém sabe me dizer quem substituiria Ibson e Léo Moura e quão negro seria o futuro da nossa já parca criação ofensiva?

Fecho com aquela velha ladainha, que ninguém agüenta mais mas parece tema de sermão que deveria ser eternamente ouvido no nosso amado e pessimamente administrado clube: pontos corridos é campeonato para clube com estrutura, planejamento e finanças não-caóticas. Fora disso, é acidente.

E, só para não deixar de registrar, deveria haver uma lei que enquadrasse como crime o que o Caio Junior fez ontem com o Erik Flores. Escalar o promissor menino numa fogueira desgraçada, fora da sua posição de origem, num jogo extremamente nervoso e decisivo, e dispondo de outros atacantes mais experientes, é atitude de quem se propõe a gerenciar a meninada das divisões de base?

* Alessandro Romano, 29 anos, é oficial da Marinha e mora no Rio de Janeiro.

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