segunda-feira, 21 de julho de 2008

TEXTO DA SEMANA - Max Amaral
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Eu sou um chato
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Minha mãe, para minha enorme felicidade, não entende nada de futebol.

Quando eu tinha cinco anos de idade, ela me comprou uma camisa do Flamengo pensando que era do Fluminense - time do meu pai. Quando se deu conta do erro, já era tarde: eu já havia me convertido e acabei por me tornar o único flamenguista em uma família de botafoguenses e tricolores, uma verdadeira ovelha negra.

Isso aconteceu ali por 71, 72, e eu cresci brigando com meus irmãos e primos e sendo consolado pelo surgimento do grande time de Zico e companhia.

E, caras, foi sensacional!

Éramos eu e o Flamengo contra o mundo, e o mundo se curvava a nós. Eu via aquele grupo dar shows. Eu via torcidas adversárias aplaudindo nossos jogadores. Eu via meus tios vibrando com gols feitos pelo Flamengo contra seus próprios times. Eu lia Nelson Rodrigues, Arthur da Távola, Armando Nogueira, Ruy Castro, Luis Fernando Veríssimo e outros que tais falando do Flamengo com respeito, admiração e poesia. Eu ouvia os jogos em um radinho de pilha, Jorge Cury e Waldir Amaral pintando com palavras quadros assombrosos na imaginação daquele garoto no interior de Minas. E eu via nossos maiores ídolos sendo vaiados em pleno Maracanã quando não correspondiam ao que se esperava deles ou, no mínimo, não rendiam todo o seu potencial.

Esquisito isso, não? Como é que pode ter qualquer importância na vida de uma pessoa um grupo de sujeitos com camisas coloridas correndo atrás de uma bola? O que é que liga você àquela camisa colorida? Mesmo sem profundas explicações filosóficas, esse amor estranho – e que ousa dizer seu nome – continuou ao longo da minha vida, as vezes mais, outras vezes menos apaixonadamente, como acontece com todo amor que se preze.

E quando meu filho nasceu, um dos primeiros presentes que dei para ele – juntamente com uma girafinha de pelúcia amarela - foi uma camisa rubro negra. É melhor não dar chance ao azar.
Uma história comum de um torcedor comum, não é mesmo?

Não exatamente.

Por que minha ligação solitária com o Flamengo das décadas de 70 e 80 me transformou em um tipo específico de torcedor: eu virei um chato.

E é como um chato que eu digo que estou profundamente revoltado com o time.

É fácil falar isso agora, após a frustração dos últimos jogos, não é mesmo?

Afinal, vencemos jogos fazendo um golzinho salvador aos 47 do segundo tempo. Contra o Atlético Mineiro, empatamos um jogo que poderíamos ter vencido ainda no primeiro tempo. Contra o Vasco, dominávamos o jogo mas deixamos que eles entrassem perigosamente em nossa área várias vezes durante o primeiro tempo. Aquele timeco ameaçando nossa meta! Depois disso, 180 minutos sem fazer um gol sequer contra dois times ridículos. Duas derrotas seguidas, o Flamengo sem esquema de jogo, sem peças de reposição, um ataque titular que só consegue inspirar revolta na torcida.

Mas isso tudo aconteceu repentinamente? Caímos absurdamente de rendimento apenas nos últimos jogos? Ou, se analisarmos jogo a jogo desde o primeiro deste campeonato, sempre vamos encontrar algo que poderia ter sido melhor, algum jogador que poderia estar mais focado, alguma mudança tática, alguma substituição diferente que poderia ter feito diferença?

Não, eu não estou satisfeito agora - mas eu já não estava satisfeito quando nossa liderança era mais folgada e vou continuar querendo mais no futuro, mesmo que passemos a vencer sem parar.

É tudo culpa da minha história. Eu vibro com as vitórias, grito alucinado de alegria com os gols, fiquei extasiado com a liderança do campeonato. Mas me permito querer sempre mais. Se o Brasileiro é obrigação, eu acho que também é obrigação de qualquer um que vista o manto sagrado tentar se colocar à altura dos sonhos dos seus apaixonados torcedores. E acho que é obrigação de cada torcedor querer sempre mais - afinal, isso é o Flamengo, pombas!

Mesmo tendo se passado 15, 20 anos desde o final da Era de Ouro do meu time do coração, eu não aprendi a me contentar com pouco. Para mim, o Flamengo é e sempre será o maior do mundo e, por isso, tem que corresponder o tempo todo, tem que dar show, tem que se fazer respeitar. Quero ver jogos contra o Manchester, Real Madrid, Milan, Boca Juniors e quem mais aparecer pela frente e quero ver vitórias convincentes, arrasadoras, inquestionáveis, da mesma maneira que vencemos com toda autoridade aquele fabuloso jogo contra o Liverpool em 81.

Tudo bem, ainda estamos na liderança do campeonato brasileiro - pela primeira vez em 15 anos! Temos o melhor ataque da competição, encontramos um técnico que parece ter a seriedade e a coragem com que toda a torcida sonhava, mas não dá para estar confiante.

Precisamos melhorar, precisamos de reforços, precisamos de mais foco, precisamos barrar o Çouza, a camisa feiosa da Nike e a sanha da imprensa que torce contra.

Precisamos de mais, mais e mais, sempre.

Sim, eu sou um chato.

E me orgulho disso.
*

Max Amaral é arquiteto, tem 42 anos, e mora nos Estados Unidos.
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