Os acertos de KL
A gestão de Kleber Leite como presidente do Flamengo foi marcante para o clube. Foi entre 1995 e 1998 que o time sofreu o famoso gol de barriga, perdeu para os reservas de Botafogo, teve mais de 100 jogadores negociados e contratou, com direito a pompa, televisão e salgadinhos, Romário (duas vezes), Bebeto e Edmundo, para conquistar, no fim das contas, apenas o inesquecível título estadual invicto de 1996. Diante deste invejável retrospecto, rezei muito para que Deus nos desse muita sorte, quando o presidente Marcio Braga convocou Kleber Leite para gerir o futebol do Flamengo no finalzinho de 2005.
Naquele momento, o time descia a ladeira do Campeonato Brasileiro. O rebaixamento era iminente. Até 6 a 1 do São Paulo, no Rio, o Flamengo sofreu. Os jornais informavam que Kleber Leite teria pago o "médium" Roberto Lengruber para ajudar o time. Tudo indicava o fim dos tempos. Porém, desde então o Flamengo iniciou o seu melhor período nos últimos 16 anos.
KL trouxe Joel Santana que, no comando do Flamengo, não perdeu nenhum jogo e salvou o time da Segundona com algumas rodadas de antecedência. Em 2006, sem a hiperbólica ânsia de trazer jogadores de renome que marcou sua gestão como presidente, contratou Bruno, Juan, Toró e Ronaldo Angelim. Pro ano seguinte, errou ao apostar na parceria com o Ipatinga, mas consertou a tempo, trazendo Ibson e Fábio Luciano. A Ney Franco e Joel Santana deu a oportunidade de fazerem trabalhos longos, na contramão da tônica brasileira de demitir o técnico após uma ou duas derrotas. No saldo, em menos de três anos, conseguiu mais do que na cadeira de presidente: uma Copa do Brasil, um bicampeonato estadual e duas participações consecutivas na Libertadores, o que não ocorria desde 1983-1984.
Claro que a gestão atual não é perfeita. A verve extravagante de KL às vezes ressurge, como no desejo de contar com Romário e Ronaldo no Flamengo. Erros estratégicos são cometidos, como o investimento na parceria com o Ipatinga ou, no pior dos piores exemplos, a montagem de uma festa no Maracanã para a despedida de um técnico antes de um jogo válido pelas oitavas-de-final da Libertadores. Sem falar que alguns reforços, muito celebrados, saíram pelos fundos da Gávea: Luizão, Sávio, Claiton, Roni, Juninho...
Entretanto, o KL pós-2005 está no lucro. As contratações para 2008 foram cirúrgicas e deixaram na mão do técnico um elenco extenso e de qualidade, um privilégio quase exclusivo no Brasil. O time atual tem, na sua maioria, jogadores trazidos há mais de um ano. Na gestão das crises, a diretoria também tem mostrado amadurecimento. Explorou a liderança do capitão Fábio Luciano, que participa de decisões. Deu um pito nos jogadores no deplorável caso de Minas e conseguiu evitar a contaminação do ambiente. Esforçou-se, com êxito, em manter o importante Ibson, e ainda pôde lucrar alguma coisa com a venda de Renato Augusto, promissor mas com pouca regularidade, e de Marcinho, artilheiro, mas cada vez mais "conturbador".
A base do time foi construída ao longo de dois anos e, como se espera em trabalhos a longo prazo, os resultados aparecem agora. Com inteligência, manter o time no topo pode ser mais fácil do que reformular o elenco ano a ano, reforçando a equipe gradualmente. Ainda é cedo para se dizer que o trabalho é realmente profissional e que os frutos são exclusivamente oriundos de um trabalho "sério e planejado". Mas KL, com sua diretoria, nos últimos anos, acertou mais do que errou. E isso precisa ser dito.
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PVC - já que o momento é de ser justo com quem às vezes criticamos, vamos falar bem de Paulo Vinicius Coelho. O comentarista afirmava, lá em 2006, no Linha de Passe, da ESPN Brasil, mesmo contrariando os colegas de mesa, que o Flamengo estava naquele momento montando um bom time, e repetiu isso várias vezes, mesmo durante a insossa campanha do Brasileiro naquele ano e quando amargou a zona do rebaixamento em 2007. No seu blog, ele escreveu no domingo:
O Flamengo tem trabalhado para se transformar no melhor time do país há dois anos. Trabalho lento e em silêncio. O problema de montar um time assim é que não se pode colocar uma placa, em cada estádio, com a frase: "Estamos em construção, desculpem o transtorno." Mas a estrutura é semelhante desde as finais da Copa do Brasil de 2006 e resultou também no bicampeonato carioca.
E ele tem toda razão. Como demonstrou ter ao longo destes dois anos.
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Muralha - não são apenas os laterais que, de certa forma, simbolizam o sucesso deste Flamengo. A zaga de Fábio Luciano e Ronaldo Angelim é exemplar. Os dois estão entre os titulares do time que menos cometem faltas. E, ainda assim, o Mengão tem a segunda melhor defesa do campeonato:
Fábio Luciano - 13 desarmes, 7 faltas cometidas, 4 cartões amarelos
Angelim - 22 desarmes, 11 faltas cometidas, nenhum cartão
Aliás, o Flamengo deve ser o único time do torneio (ou do mundo?) em que os atacantes cometem mais faltas que os zagueiros:
Obina - 2 desarmes, 16 faltas cometidas, 1 cartão amarelo
Souza - 7 desarmes, 19 faltas cometidas, 3 cartões amarelos
Se compararmos a zaga rubro-negra com a do Grêmio, que antes da 12ª rodada era a menos vazada, chegaremos a uma conclusão interessante:
Leo - 16 desarmes, 28 faltas cometidas, 3 cartões amarelos, 1 cartão vermelho
Rever - 12 desarmes, 20 faltas cometidas, 2 cartões amarelos
Pereira - 10 desarmes, 12 faltas cometidas, 4 cartões amarelos
Se a zaga do Grêmio comete muito mais faltas que a do Flamengo e mesmo assim consegue sofrer poucos gols, deve o êxito a seu goleiro e à incompetência dos adversários na cobrança das penalidades. Em compensação, ao conseguir desarmar sem fazer faltas, o Rubro-Negro pode atacar com mais rapidez e pegar um sistema defensivo mais desprotegido.
Ou seja: a eficiência da defesa talvez explique o sucesso do ataque, o melhor do Brasileirão.
Fonte das estatísticas: Globoesporte.com.
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