sábado, 7 de junho de 2008

COLUNA DE SÁBADO - Mauricio Neves


Flamengo dos nossos sonhos

Talvez eu possa definir o Flamengo dos meus sonhos através de Agustín Valido. No dia 29 de outubro de 1944, já com corpo pesado de cansaço e febre, na tarde mormacenta que se arrastava sem gols, o argentino viu o ponteiro Vevé alçar uma bola na área inimiga. Então Valido liberou sua alma da febre e do cansaço e, com a leveza da imortalidade, sua alma flamenga foi subindo, subindo mais alto do que jamais subiu o Vasco da Gama, para cabecear a bola do primeiro tricampeonato.

O Flamengo dos meus sonhos pode ser ainda aquele da infância de meu pai, Flamengo que chegava através das ondas do rádio para o segundo tricampeonato, arrebatador como uma arrancada de Henrique Cavalo, mortal como um arremate de Evaristo de Macedo, apaixonante como o futebol de Dida ou devastador como os gritos de gol de Jorge Cury.

E se o sonho for de bravura, será o Flamengo que possuiu o espírito de Almir no dia 30 de outubro de 1966, que para alcançar a bola espalmada pelo goleiro do Bangu, arrastou o corpo no chão e a cara no barro para empurrar a pelota meta adentro. Como um touro furioso, disseram no rádio. Almir enfiou a cara na bola como um touro furioso e indomável, absolutamente Flamengo.

Também é dos meus sonhos o Flamengo que faz seus deuses, como na abertura do terceiro tricampeonato, em 3 de dezembro de 1978. Revejam o gol e notem que no início da corrida para alcançar a bola cruzada por Zico, o camisa três era um rubro-negro como qualquer um de nós. Mas saltou mais alto do que poderia saltar um ser humano: em pleno vôo foi decretada a sua santidade. E a primeira e única canonização que teve por palco o Maracanã lotado durou apenas um segundo, porque quando a bola cabeceada arrombou Emerson Leão, Santo Antônio José Rondinelli Tobias deixou de ser um Santo Flamengo para se tornar eternamente Rondinelli, o Deus da Raça.

Sonho ainda com os abalos sísmicos de Nunes, tremores de terra que fizeram ruir a baliza de João Leite em 1980, que acionaram os alarmes anti-terremoto em Tóquio em 1981, que emudeceram de pavor o Olímpico apinhado de gremistas em 1982. João Danado Nunes, número 9 na camisa, grau 9 na Escala Richter.

Mas o que me apaixona no Flamengo dos meus sonhos é que ele é exatamente igual ao Flamengo dos sonhos de você que me lê, e exatamente igual ao Flamengo dos sonhos de cada um dos trinta e cinco milhões de súditos do Rei Arthur Antunes Coimbra. E é exatamente igual, irmão rubro-negro, porque no Flamengo a mortalidade vira divindade e o sonho se confunde com a realidade. Afinal, por mais que o tempo passe, basta essa torcida começar a cantar para que tenhamos a mais absoluta certeza: não há nada mais real do que o Flamengo dos nossos sonhos.

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