domingo, 30 de março de 2008

Hamletianas


Até quem tem alergia a teatro que não tem mulher pelada sabe quem foi Hamlet. Aquele príncipe dinamarquês meio doidão, que andava de roupa preta e que com uma caveira debaixo do braço mandava aquele famoso solilóquio que começava com Ser ou não ser... eis a questão (Ato III- Cena I).

Por mais alucinado que possa parecer, o príncipe meio emo criado por William Shakespeare tinha uma visão muito clara do mundo que o cercava. A estória dele é sinistra. Assim que voltou da faculdade pra enterrar o pai ficou sabendo que o seu tio matou o velho e estava pegando sua mãe. Cruel, hein? Vendo que tinha levado uma bola nas costas e perdido o trono, o príncipe pressentiu que a casa ia cair se ele não investigasse por sua conta a morte do coroa e saiu pelo castelo de Elsignor xisnoveando.

Ainda que quem tenha dito a célebre frase Há algo de podre no Reino da Dinamarca (Ato I-Cena IV) tenha sido Marcellus, um guardinha que viu o fantasma do rei assassinado assombrando as muralhas do castelo, Hamlet, mesmo com todas as suas maluquices, ao longo da peça se revela um moleque bastante sagaz.

Com o auxilio luxuoso da tradução em pentâmetros iâmbicos de Carlos Alberto Nunes (Edições Melhoramentos) e o Shakespeare de A a Z, do Sergio Faraco (LP&M), vou copiar uns pedaços da peça do nosso amigo Bill pra comentar o muquiraníssimo Flamengo x Madureira deste sábado.

Não porque a peça escrita em 1600 tenha tudo a ver com o segundo turno do Carioca 2008, não. Mas porque eu ando com uma preguiça danada de escrever alguma coisa relativa ao Carioca e esse é o livro que tá mais perto agora.

As coisas em si mesmas não sem nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito (Ato II - Cena II: Hamlet).

Concordo com o Hamlet. É tudo uma questão de referencial. É ridículo ficar cornetando porque o Flamengo não triturou o Madureira. O objetivo não era 1 ponto? Então 1 ponto tá no saco, estamos na semi da TR, um abraço. Não vejo porque abrir a caixa de ferramentas e sair detonando a tudo e a todos como tenho visto alguns apressadinhos fazendo.

Mas se não queremos ficar malhando os jogadores não vamos também ficar malhando os torcedores. Não é hora disso. Como dizia o Hamlet, Se fosseis tratar todas as pessoas de acordo com o merecimento de cada uma, quem escaparia da chibata? (Ato II- Cena II). É lógico que alguém vai dizer que o Flamengo é imenso enquanto o Madureira mal se pode enxergar sem o auxílio de instrumentos óticos. E que empatar com adversários nanométricos não condiz com as dimensões ciclópicas do Flamengo.

Aí quem vai concordar é o Hamlet. Porque foi ele mesmo que disse que O ser grande não é empenhar-se em grandes causas: grande é quem luta até por uma palha, quando a honra está em jogo (Ato IV- Cena IV).

Mas aí eu lembro que no campeonato do ano passado perdemos duas vezes pro Madureira, não ganhamos nenhum clássico e mesmo assim a Taça Guanabara e a do Carioca foram parar lá na sala de troféus da Gávea. Desse ponto de vista, o empate sem gols com o tricolor suburbano foi inegavelmente evolucional. Apenas mais uma etapa rumo a uma conquista há muito anunciada.

Hamlet retrucaria que As sutilezas dormem no ouvido dos parvos (Ato IV – Cena II) e que a torcida não gosta quando o time entra se poupando, uma postura que não é própria da natureza flamenga. Para a torcida não tem essa de empate foi bom resultado, ela quer que o Mengão seja como o próprio Hamlet se autodefiniu: Preciso ser cruel para ser bom (Ato III- Cena IV).

Mas se o por acaso o Mengão tivesse aplicado uma sacolada, os corneteiros afinados em Ré iam dizer que devíamos ter poupado o time, viajado pra Machu-Pichu pra fazer a adaptação hiperbárica, etc, entre outras batatadas às quais não consigo me acostumar. Como dizia o Laertes, irmão da Ofélia (peguete de Hamlet) Da calúnia a virtude não se livra (Ato I – cena III).

Por isso que eu já não vejo a hora de acabar logo esse Carioca pra nos concentrarmos na Liberta. Chega dessas merrecas, eu quero outra Libertadores da América e nada e nem ninguém pode ficar no nosso caminho. Afinal, Há mais coisas entre o céu e a terra (...) do que sonha nossa vã filosofia (Ato I -Cena V) e só quem passou pelo perrengue do Brasileiro 2007 sabe que A verdadeira substância da ambição é a sombra de um sonho (Ato II- Cena II).

Ficou meio obscuro esse último parágrafo, né? Tudo bem, galera, num domingo desses quem é que liga pra o que eu, ou qualquer pessoa escreveu sobre um jogo fadado ao esquecimento? São apenas Palavras, palavras, palavras... (Ato II- cena II). O que importa é que o Mengão tá na semi da TR, as 9 tem regata e ao meio dia tem basquete, O resto é silêncio (Ato V – Cena II).

Mengão Sempre

Flamengo Net

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