terça-feira, 29 de maio de 2007

A história do tetra

Esta semana nos preparamos para enfrentar o Sport Recife, clube responsável por uma das grandes aporrinhações na vida de um rubro-negro: a discussão sobre o Campeonato Brasileiro de 1987. Desde aquele ano, podemos nos orgulhar de dizer que o Flamengo é o clube com o maior número de títulos brasileiros; e desde aquele ano, temos que agüentar ver um asterisco em cada lista de campeões, com a explicaçãozinha simplista de que “a CBF reconhece o Sport como campeão brasileiro; o Flamengo foi o campeão do Módulo Verde da Copa União”.

Assim, volta e meia algum espírito de porco vem contestar a verdade absoluta de que todo mundo tenta, mas só o Flamengo é penta. Poucos destes sabem o que se passou e a grande maioria só quer mesmo encher o saco; mas o mais triste é que muitos rubro-negros hoje em dia já não sabem exatamente qual foi a história daquela conquista. E o que mais há por esta selva chamada Internet são textos com versões incompletas ou mesmo mentirosas sobre o que aconteceu naquele ano.


Como surgiu a Copa União

O Campeonato Brasileiro era, na época, um torneio inchado e deficitário, marcado por uma desorganização profunda. A cada ano, os critérios de classificação para a primeira divisão mudavam e não havia rebaixamento ou acesso. Em 1986, com a competição – que contava com 44 equipes na primeira divisão – em andamento, a fórmula sofreu alterações graças a brigas no tapetão e o título só se decidiu no ano seguinte. O órgão superior do esporte brasileiro na época, o CND (Conselho Nacional de Desportos, vinculado ao Ministério da Educação), havia anunciado a intenção de organizar o Brasileiro de 1987 com 24 equipes, com previsão de redução no ano seguinte, como maneira de moralizar e viabilizar a coisa toda.

O plano já não era muito levado a sério, depois de toda a confusão de 86. E acabou que a CBF – na época dirigida por Otávio Pinto Guimarães e seu vice, Nabi Abi Chedid – anunciou que seria incapaz de organizar o campeonato por falta de dinheiro. Foi quando se formou o Clube dos 13, que tomou a frente da organização do Brasileiro com a intenção de fazê-lo rentável. Com o apoio de patrocinadores fortes, formatou uma competição com 16 clubes, incluindo como convidados Goiás, Coritiba e Santa Cruz. Em negociação com a CBF, acertou-se que ela seria responsável pela organização da segunda e terceira divisões. A primeira divisão foi chamada de Módulo Verde; os seguintes seriam o Amarelo, Azul e Branco (os dois últimos, regionais, equivaliam à terceira divisão).


Como surgiu a idéia esdrúxula do cruzamento da primeira com a segunda divisão

O plano gerou descontentamentos. Alguns com razão; afinal, nem Guarani nem América – 2º e 3º colocados de 86 – estavam incluídos na primeira divisão. Outros eram simples choro de quem estava acostumado a uma boquinha. De qualquer forma, a pressão de cartolas de clubes e federações excluídos da elite foi grande; estavam todos acostumados aos antigos campeonatos com dezenas de clubes. A CBF cedeu e, com uma liminar da Justiça tirando o poder do Conselho Arbitral formado pelos clubes sobre o regulamento, anunciou uma mudança com a competição já em andamento: para definir o campeão brasileiro, haveria um cruzamento entre os dois primeiros colocados dos módulos verde e amarelo.

O Clube dos 13 não aceitou a decisão da CBF, que afinal de contas nem mesmo estava organizando o campeonato. Todos os clubes do Módulo Verde, assim, concordaram que não disputariam o tal cruzamento imposto com times da segunda divisão. E o campeonato prosseguiu com grande sucesso de público: a média da competição foi de 20.877 pagantes por jogo, enquanto a do Flamengo foi de incríveis 47.610 pessoas por partida.


A campanha do título

Olhando hoje a escalação do Flamengo daquele ano, é difícil imaginar que aquele time não era o favorito ao título: Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton e Zico; Renato, Bebeto e Zinho. Dos 11 titulares, 10 frequentaram a Seleção e apenas Andrade e Aílton não chegaram a disputar uma Copa do Mundo. Porém, a verdade é que o Flamengo foi um azarão; começou mal a competição, dirigido por Antônio Lopes, e só engrenou quando Carlinhos assumiu o time – e, claro, quando Zico voltou de contusão. Na primeira fase, classificavam-se para a semi-final o campeão de grupo de cada turno; em nosso grupo, o Atlético Mineiro venceu os dois turnos e só nos classificamos por termos sido segundos colocados no segundo turno.


Flamengo 3 x 1 Santa Cruz, com show de Zico - era a arrancada para o título. "É bom, é gostoso ver Zico marcando de novo no Maracanã!"

Mas na hora da decisão o time estava embalado, com Zico fazendo diferença e Renato se mantendo como o maior atacante daquele campeonato. A imprensa falava muito da provável “final do pão de queijo” entre Atlético e Cruzeiro, considerados favoritos. Mas após a classificação épica no Mineirão em cima do time de Telê Santana, o título veio sobre o Inter, com uma vitória de 1x0 no Maracanã, gol de Bebeto.


Os melhores momentos da segunda partida da semi-final contra o Atlético-MG


O gol do título

A discussão que veio depois

Não havia dúvidas: o Flamengo era tetra-campeão brasileiro de futebol. Foi assim que o título foi noticiado na época, de norte a sul do país; não havia discussão. Porém, a briga na Justiça continuou. A liminar que tirava o poder dos clubes sobre o regulamento até chegou a ser derrubada e o cruzamento abolido, decisão que foi revertida mais tarde. O Clube dos 13 tinha o apoio do CND, mas a CBF insistiu com a história e marcou os jogos – que não tiveram seu espaço no calendário de 87, já que não eram previstos, e só foram acontecer no ano seguinte. Guarani e Sport haviam bizarramente empatado na disputa de pênaltis que decidiria o Módulo Amarelo e dividiram o título da segunda divisão; fizeram a final da CBF – já que tanto Flamengo quanto Inter não aceitaram participar, seguindo a decisão tomada pelo Clube dos 13 - em jogos de ida e volta e o time pernambucano acabou campeão.

Tirando as torcidas de Guarani e Sport, ninguém levava muita fé naquilo ali. No duro, a encheção de saco sobre nossa conquista é muito maior hoje do que foi na época. Porém, a CBF acabou levando a melhor nos tribunais e conseguiu o despropósito de indicar dois times da segunda divisão para disputarem a Libertadores de 1988.

Resumindo: em campo e dentro do regulamento, o Flamengo foi o campeão brasileiro. Não jogou o tal cruzamento com a segunda divisão por decisão conjunta do Clube dos 13 - o verdadeiro organizador da parada -, que não aceitou uma mudança imposta no regulamento quando o campeonato já corria, feita por uma entidade que havia aberto mão de organizá-lo.

Flamengo Net

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